27 de dez. de 2015

The state of a life

Lately:

"Science is, to me, useless drudgery for no purpose. A vague, superficial understanding of molecules and atoms isn't going to advance my understanding of life."

And, most of all,

"I hate formulas, I don't give a damn about valences, artificial atoms and molecules."
(Letters Home)

Hello, Life. Just saying. :/

26 de out. de 2015

Atrás do pensamento

Atrás do pensamento é como um lugar guardado. Um local que a gente montou e foi morar nele. Um local que sempre existiu sem que a gente se desse conta. Um lugar que guarda um pouquinho da alma da gente enquanto acontece o dia.

Atrás do pensamento é como o meu copo de leite. É um livro em capa de veludo verde escuro a la Wilde, cheio de rimas bonitas que me fazem revirar os olhos. É como o caminho que sempre pego, mas é também o caminho novo que me rejuvenesce o olhar.

Atrás do pensamento é aquele que nunca foi. É aquele que ficou aqui. Sou eu sendo a menina que fui e que sempre hei de ser, porque me transformei em eu mesma - a gente sempre acaba se esbarrando com a gente.

É quando fecho os olhos e espero para ver o que é que vem. Quando recosto a cabeça em um canto e me descanso dos pensamentos, que fogem até chegarem onde você está. É uma onda do mar que vai mas voltou. Volta sempre, toca sinos, estende-se em minha cama e tem preguiça em sair.

Atrás do pensamento mora a pessoa de quem fui mais próxima na vida, as aventuras que vivemos juntas e um caderno que escrevi cheio de significados, pois significava muito. As pessoas crescem e vão embora da gente, mas se deixam ficar. A distância física nunca será maior do que outras distâncias, e isso é um alívio frio e azul anil, mas funciona para o dia de hoje. Só por hoje, só por hoje...

Quando eu contar até três é porque já contei até cinco e já esperei passar. Eu perdi a conta dos números, eu nem olho mais as horas no relógio, eu estou sentada observando o momento agora mesmo.

Atrás do pensamento está eu e está você. Está tudo o que é junto, e muito, e leve, e sensível como uma louça antiga, e fugaz (eu nem sei o que é isto, mas esta palavra me veio agora e pediu para eu a escrever), e vivaz - porque rima -, e com gratidão e precisão e me embaralho toda em me perder nesta estratagema. Céus, quando é que eu vou parar com isso, com esta coisa de brincar com as as coisas escritas? Estou ficando gente grande e preciso aprender a usar as palavras - digo, desaprender. Vou ter que montar azulejos bem escritos, e o mais difícil de tudo: que façam sentido no final. Para isso tenho olhado muito para as fotos de Woolf e de Plath que tenho em minha parede, imaginando que só de olhar para uma coisa dessas a vida faria sentido e eu seria invadida por palavras bonitas, complacentes e cheias de sentido. Continuo olhando.

No momento, preciso pegar um trem e tecer o caminho. Preciso ficar muito tempo acordada e pouco tempo dormindo, e nem tempo para vagar e me distrair do mundo eu tenho. Mas a gente embarca e sobe a escada e se dá conta de que trata-se apenas de mais um vagão.

E, enquanto isso, espirro um jato de perfume em mim, pois o gosto do cheiro me inspira, e eu seguro a minha própria mão, que é o que tenho, e vou seguindo, sabendo que, no fundo e no raso e em tudo o que sou, mora o que está atrás do pensamento.

13 de out. de 2015

O céu que nos protege

O céu que nos protege parece uma mão que vem carregar a gente.

Faz dia e faz sol, faz noite e está nublado. Pensei até na palavra lisonjeiras agora, como se eu a tivesse inventado, pois não sei o que significa.

Ela é feita de ossos, ela tem sorriso de maçã. Ela aperta os olhos tão fechadinhos e coloca um leve sorriso no rosto como se fosse um papel de parede nos anos 50. Ela caminha a passos curtos e apressados para a aula em que se aprende; ela deixa o prédio e não sabe para onde foi. Ela faz a leitura de um livro para espantar os minutos das horas.

O céu que nos protege tem gosto do cheiro da lembrança que a gente mais gostou. Parece algo tão complicado, porque é muito simples para nosso entendimento. Uma vez eu prestei atenção em um passarinho, e isso eu quase não faço pois não tenho tempo. Eu penso que há tantos passarinhos que eles se tornaram coisa comum. Mas, um dia, eu prestei atenção em um passarinho e corri e escrevi uma coisa passageira para que ela permanecesse.

O céu que nos protege tem a cor de um lenço de cabelo. Eu diria azul escuro de bolinhas, mas eu nem sei que cor é esta, mas sei que ela está ali. A gente fala as coisas como se tivesse cantando a nossa música preferida. Sabe como? Assim: a gente canta, fala e repete; a gente sabe de cor. Toca no fundo da nossa mente, sem parar. Fica ali. Faz morada. Vive com a gente. Algumas vezes cantamos mais, outras menos. Algumas vezes nem cantamos, mas a música está ali pois ela vive com a gente dentro de um lugar nosso que ela escolheu habitar. Será que dá para escutar daí?

E, não importa o passo que a gente dá, uma nuvem que parece uma morada sempre acompanha a gente nos olhando de rabo de olho como a espiar para não atrapalhar nossos próprios movimentos: é o céu que nos protege.

Um dia em soprei algo que eu disse em seu ouvido, deixei o céu pegar a minha mão mas sem mudar quem sou. Deixa eu ser eu mesma, a pessoa que nasci. Pois todo mundo é cada um, e tudo parece tão turvo agora. Na verdade, esta não era a palavra que eu queria usar, mas eu estou perdendo muitas palavras ultimamente, e este e  um processo que tem durado alguns anos. Por isso, vou cantar aquela música, na verdade eu tenho muitas músicas e, além disso, sou uma menina indecisa, e vou ler uma poesia porque, assim, vou falar eu mesma as coisas que outra pessoa escreveu, e então você verá que outra pessoa também já quis aquilo, e assim haverá muito mais argumento em minha parte. Sei: não estou fazendo sentido algum.

O céu que nos protege, por último, tem o semblante de uma mãe que se abstém de todo o egoísmo. Ele recorda uma avó velhinha cheia de sabedoria, esquecendo a parte limitada e atrasada, é claro. De vez em quando, ele até veste uma roupa, assim, meio como uma camisa social dobrada ate o meio do braço, pois esta é a maneira de se vestir para a vida, e veste também a coragem do tempo, a mansidão dos valores e o instinto de proteger. E, quando ele está quase virando esta pessoa toda por dentro, volta como uma mão a acariciar meu cabelo, pois não se pode perder a terna essência. Sejamos doces.

Neste momento, irei cantar todas as minhas músicas que sei de cor (mentira, não sei nenhuma. Eu só sei cantar pedaço de uma, pedaço de outra) e vou ficar repetindo as partes que gravei como se eu fosse um disco arranhado, e lhe entregarei nas mãos, com a preposição que eu bem desejar, quem sou.

E, enquanto o tempo passa, vamos seguindo - sob o céu que nos protege.

27 de set. de 2015

Domingo poderia ser sempre de dia

Ele custa a chegar. Ele chega, toca o sino e vem a tarde, e já vai perdendo a sua luz.

Domingo poderia ser sempre de dia. E eu me estenderia para gastar cada minuto de ti.

Pois, neste dia, as horas têm preguiça da vida, o estômago dorme sem fome e eu me encontro no que é meu. Domingo é a magia do tempo que o relógio não levou. Sou eu levantando cedo ou tarde - depende da minha vontade - e começando tudo do zero. Porque a sensação é que este dia é longo e é só meu, porque ele é de todos nós.

Domingo, as horas passam de dia, e, quando acaba, elas passam de tarde para só então a noite chegar. E a noite chega deitada, como que espreguiçada, tamanha a preguiça de deixar que o dia acabe.

Domingo poderia ser sempre de dia porque, no meu coração, ele demora a passar. Ele passa doído, porque não quer acabar. Domingo é apenas o último dia da semana, mas todo mundo o vê como se fosse o primeiro. Não é, não; domingo é o fim dos dias, é ele dizendo adeus, indo dormir, cheio de ternura e pouca vontade para o que não lhe convém.

Domingo parece um campo verde de futebol americano estendido - sabe como? Não, né? Nem eu sei, eu apenas meio que sei, mas ele é. Domingo parece um chá da tarde que tomo gelado, porque chá quente todo mundo já toma. Domingo se parece com folhas brancas mas escritas bagunçadas pelo chão. Ele se parece com os minutos em uma cidade pequena. Ele lembra abraço apertado como que não deixando ir, sabe como?

Domingo é o final de todos os dias. Mas é também o começo de todos os outros dias - volto a repetir.

Domingo já foi feio e sombrio, mas eu sempre vou na contra-mão e queixo-me se não sou eu mesma, então eu o pego para mim como um presente de embrulho, fito-o nos olhos e lhe digo: domingo, você é tão meu. E não vou deixar você ser de nenhuma maneira que não seja a minha. Pronto, domingo é agora o dia da semana que parece ser sempre de dia.

Ah, quantas coisas se pode fazer em um dia de domingo! E pode-se não fazer nada, que é também uma coisa muito boa de se fazer. Domingo, vem cá que eu lhe dou uma piscadela, puxo você para perto e vamos andando de mãos dadas - fica sempre comigo?

Eu quero viver todos os domingos da minha vida porque mesmo quando a vida acaba os domingos hão de existir. Ele parece um deus nórdico bravo, mas ele pode ser terno como uma folha de outono a cair em meus cílios. Ele é do jeito que você o trata, todo assim, cheio de personalidade. Os dias da semana são, afinal, como gente. Que coisa estranha.

Não vou me estender mais porque hoje é domingo, e cada minuto que passa é a tarde indo embora e eu não queria que este dia acabasse nunca, pois neste dia faço tudo o que eu quiser e apenas o que eu quiser e até nada que eu quiser se eu não quiser fazer nada.

Não vá embora não, Domingo. Se estenda mais um pouquinho, faça seu caminho, segura a minha mão. E então me guia para o dia seguinte, para a semana seguinte, para o ano seguinte, para a vida dos meus dias.

23 de set. de 2015

Quantas estrelas custa?

Quanto será mesmo o preço disto? E daquilo? E de ir?

Me diz quantas estrelas custa isso, e lhe dou meu livre-arbítrio e malas cheias de roupas e bugigangas e uma vida cheia de histórias.  

Fecho a cortina, começo tudo de novo. Levanto da cama em um dia comum que nasce de novo depois o sol se põe e terminou seu processo. Nem piscar eu pisco, e lhe dou a minha palavra como escrita em papel.

Quantas estrelas custa? Me diz porque eu quero muito saber. E vou levar um cantinho comigo, e vou deixar o vento passar e ir. Pergunto o preço porque quero ir junto, e sei que a rua não tem saída. E acho que nem dou a mínima. Quero mesmo ir.

Conto os dedos da minha mão, escrevo em uma folha rabiscada que achei por aí, retiro o cabelo do meu rosto e penso nas coisas materiais que compõem a vida de uma pessoa. Me diz - quantas estrelas custa? - e eu vou viver uma vida toda de renda como se fosse uma obra de arte feita por minha avó, e lhe mostro todos os meus dedos abertos porque entre eles não guardo nada, e não levo nada comigo. Doarei os meus poemas preferidos que habitam dentro dos livros no meu quarto - há sempre alguém que ainda nãos os leu. Sim, abro mão de todos eles se você me disser quantas estrelas custa.

Quantas estrelas custa e haveria apenas um preço. E eu sei que haveria dinheiro no mundo para pagar um sonho tão meu, mas o que me falta é a mão no caminho, mas sigo o rio e sou quem sou. A essência nada muda, o que muda são as estações do ano e a cor das folhas nas arvores, e eu acompanho tudo de longe. E eu presto atenção em tudo isso com um coração contido e doído e pergunto novamente: quantas estrelas custa?

Me fala o preço porque para o desejo não há o que se pagar - quantas estrelas custa?

9 de set. de 2015

Sob o peso da história

Sob o peso da história, e eu estaria mais leve.

Eu até jogaria meus cabelos ao vento, eu, com cara emburrada mas coração tão terno. Eu falaria baixinho um monte de repetições insensatas como se fossem criptografias. E seguiria meu caminho.

Sob o peso da história, e eu estaria mais leve. E seria mais eu. E piscaria meus olhos escuros sem parar. E ainda ousaria soltar uma gargalhada contida, pois não sou fã de barulhos demais. Seria uma celebração singela e as cores em branco representariam a vitória dos aliados. E estaríamos livres e sem o peso da história.

E neste momento eu não estaria falando mais do que de mim mesma. Então, pegue as anotações e lembre-se: falo do peso da história que alguns trazem consigo e, por isso, esqueça países. Falo de pessoas, falo de sentimentos e problemas, falo do que não quero viver, falo de um bebê chorando, falo de uma criança pirracenta e de um idoso segurando flores ao atravessar a rua, falo de um senhor mal humorado e paro para pensar se mau se escreve com "u" ou com "l" e, como sei que é com os dois - ah, como sinto o peso da história neste momento! - desmancho-me em pedaços de mim e sigo o vento disfarçado de brisa. Mas eu não me engano.

Um dia eu lhe disse que o caminho era duro. Não havia tanques de guerra nem trovões, mas era duro. Não havia rajadas de vento e nem cortinas as minhas janelas tinham, mas havia um peso, e um sobrepeso, e havia eu tão pequenininha. Pai, você está aí? Olhe aqui para mim deste lado, abre a porta pois a fechadura é pesada, puxa uma cadeira e se assenta para ouvir a estória que eu vou contar. Pai, você poderia? Você faria isto por mim?

Mas, neste momento, saí correndo.

E não se engane: não me refiro aqui aos noticiários e nem ao zum-zum-zum de comentários da imprensa internacional. Também apaguei as linhas dos mapas com minha borracha de escola e eu nem me lembro do dia. Mas eu gostaria muito de conversar sobre o assunto dos últimos tempos com você. Não estou fazendo julgamentos sobre a história vivida e nem sobre a história construída. Não estou colocando a culpa nas potências e nem redimindo os oprimidos.

Estou apenas carregando em mim e comigo o peso da história ...

E como pesa!

31 de ago. de 2015

O instante zero em que adormeço

Vou chamar isto de o instante zero em que adormeço.

Porque este é exatamente o momento em que deixo de ser eu e passo a ser eu mesma. Porque somos o que sempre nos será permitido ser.

Este é o instante em que adormece pois coloco meu caderno de lado. Fecho a folha em branco e encaro minhas canetas coloridas como se fossem apenas tons de preto. Encaro-as tão fortemente como se eu fosse um pássaro predador. Mas estou apenas sendo eu mesma ao deixar de ser.

No instante em que adormeço desperto todos os meus dedos e meus sentidos interiores e os arrepios e os sussurros ao ouvido, e apago a luz. E espero os segundo a passar, contando-os como se fossem apenas barulho de chuva.

Ultimamente não tenho sequer escutado música, que é para eu me dessensibilizar. E se você acha que quando sou sensível sou fraquinha, engano seu:  é nesta hora que preciso ser mais forte, e eu já me cansei há tanto tempo.

O instante em que adormeço chega sempre próximo aos meus pés, e eu o deixo tomar conta de mim. Deito em minha cama com um livro na mão, pois esta é a hora de se menos pensar e apenas absorver. Enquanto leio, não faco nada, apenas aprendo. E só aprender sem precisar viver soa-me como uma cantiga antiga destas em que vejo os tons musicais nas cores azul.

Neste instante, nada tenho escrito e nada estou fazendo sentido, porque o sentido quem faz sou eu. Prefiro ir deixar existindo e esperar pelo momento em que adormeço, que pode ser doce como o meu cheiro esta noite.

2 de ago. de 2015

Abraços partidos

Aquele adeus que não nos demos, o afrouxar das mãos, meus olhos escuros marejados e o vento gelado do sul batendo em meus cabelos sem cessar.
Eu era apenas uma menina. Eu era apenas eu. Mas eu era mais do que isso.

Abraços que nunca demos, abraços divididos ao meio, abraços que se encontram em si e se tornam casa. Tenho os braços finos e bravos, mas eles não são invencíveis.

Um dia um inseto de luz saiu voando de um mato adentro. Era um monte de flor, mas eu chamo tudo de mato porque estou insensível. E ele olhou nos meus olhos a me encarar, como se a vida fosse um desafio.

Era uma vez uma menina que era eu, em frente ao antigo prédio, a atravessar a rua para o outro lado - o lado da livraria - e então vi o inseto de luz. Eu nunca soube se aquele inseto de luz tinha a luz como essência dele, isto é, como se já tivesse nascido assim como obra do acaso, ou se a luz era só um meio para o dia em que se esbarrou comigo. Eu nunca soube.

Daquele dia em diante, eu saberia, muitos anos depois, que as horas são contadas, na verdade, ao contrário. E que todo ganho é lucro. E que quando se perde se ganhou também. E que os tijolos de uma casa verde podem construir minha memória, e eu assinei meu nome em um caderno em um lugar que eu fui. Mas eu não sei rezar.

E estou tranquila, pois acordei de um sono no qual vivi um sonho que me deixou muito chorona. Tem sonho que vem e dá um soco no estômago da gente, porque ele é aquilo que a gente comeu mas ainda não mastigou. Um dia eu acho que você ainda não me disse adeus - digo, assim, adeus propriamente, sabe?

Meus braços são finos, mas são fortes, mas eu não os sustento e eles, por vezes, não sustentam a mim. Me sinto como passando em frente aos edifícios sérvios - oh, é então assim que a gente se sente quando não dá adeus e quando sente que ficou meio inacabado e quando há um monte de coisa que a gente comprou e juntou mas nunca presenteou?

Eu acho que a coisa mais educada que eu posso oferecer é dar bom dia e dar adeus. Isso eu dou todo dia até para quem eu não conheço, porque eu acho educado. Mas é só um bom dia e é só um adeus, porque não estou ali para ter uma conversa profunda com desconhecidos, mas I acknowledge your existence. Eu acho tão difícil achar as palavras na língua da gente.

Estou dando estas voltas todas porque, na verdade, eu nem queria falar mais. Eu estou só tirando esta coisa aqui de dentro de mim. Eu, que acordei há pouco de um sonho, e que senti necessidade de falar - digo, escrever. Eu, que tenho os braços finos e fortes, e dou bom dia e digo adeus. E você, faz o que, meu querido?

Uma vez eu comprei um (e mais de um) presente para uma pessoa e esta pessoa nunca os recebeu. Eu os guardei na caixa e achei aquilo uma tamanha aspereza. Mas eu sou eu, e você é você, e nem todos dão bom dia e muito menos dizem adeus.

Também nunca recebi um livro e, enquanto isso, vou caminhando o caminho e pensando que cada local do mundo tem suas pessoas e seus costumes e, quem sabe, sua aspereza. Existe uma palavra assim, tão rude, para traduzir o que estou querendo dizer?

26 de jul. de 2015

Mas tudo isso num instante passa

Acalma-se o coração inquieto com um copo de leite quente que eu peguei lá na cozinha - tenho-a em meus olhos do jeitinho que ela é. E vai-se subindo as escadas, degrau por degrau, um de cada vez.

Repara-se nas mãos pequenas segurando o copo, o cabelo caído meio de lado, pergunta-se qual o tom das mechas, encosta em um recanto e espera os minutos passarem. Pela janela, nota-se o vento a corroer andaimes. Tudo está sendo como deveria, mas tudo isso em um instante passa.

E vive-se e respira-se e levanta-se e veste-se uma camiseta de listras vermelhas. Isto, porque já é dia e veio a hora de se apressar a viver. E, corre, porque tudo isto em um instante passa.

E sabe aquele choro contido que levo no peito? E até aquele choro em que me desabei a chorar? Ah, tudo isso num instante passa e eu estou toda renovada de novo e abro minha mão pequena para tocar em algo que respire arte. O vento lá fora continua.

A gente houve o que não quer, o que ser quer quase não se ouve, e as árvores mechem de uma maneira tão rude, não é mesmo? Chega a machucar o coração. Se eu pudesse anotar esta coisa vivida, eu anotava. Que era para te contar parte por parte para você poder me dar um abraço bem apertado que durasse mais que um minuto. Porque isso, também, em um minuto passa.

Levanta este rosto vermelho, suas bochechas continuam as mesmas! Coloca esta roupa de ser quem se é e sai para caminhar pelos dias porque eles vão passando. Ou se corre ou se perde - mas acha-se. E isso tudo num instante passa para vivermos tudo de novo outra vez de mansinho.

Era uma vez um leão que ruge no meio do espaço a céu aberto escuro.Era uma vez uma noite como aquelas - a noite que eles chamam de "a noite dos anjos". Bate-se com uma mão mas assopra-se com a outra. Guarda para si o que se ouve, ainda que não concorde com cada pingo no "i". Ouve-se ao longe o cavalgar do cavalo. Preste atenção em todos os meus livros na estante, que são muitos. Vou anotar tudo em um pedaço de papel. Vou viver tudo dentro do meu coração, quieta.

E, enquanto isso, pensa-se: mas tudo isso num instante passa.

17 de jul. de 2015

For Johnny Pole on the forgotten beach

And Johnny Pole was one of them.
He gave in like a small wave, a sudden
hole in his belly and the years all gone
where the Pacific noon chipped its light out.
Like a bean bag, outflung, head loose
and anonymous, he lay. Did the sea move fire
for its battle season? Does he lie there
forever, where his rifle waits, giant
and straight?...I think you die again
and live again,
Johnny, each summer that moves inside 
my mind. 

It's just that I'm currently reading Anne Sexton's biography - but, oh no Johnny Pole, it's not just that.

16 de jul. de 2015

Feio nao é bonito

Feio não é bonito, e nem nunca foi. E, para a informação da humanidade inteira para todo o sempre: nunca será.

Feio não é bonito e fecho a mão e formo um punho. Depois abro os dedos de novo e respiro uma brisa.

Já diziam os filósofos nas entrelinhas, e os poetas em suas metáforas. Já diziam os vizinhos, os velhos ditados em língua estrangeira e os jornais na banca. Já diziam as árvores, e o rio, e e as pipas que as crianças soltam para colorir meu céu. Já diziam também os cachorros, os gatos e até aquele caixote vazio que deixei na esquina para o lixeiro levar para terra de são nunca.

E, porque feio não é bonito, não há nem discussão. Nem conversa sequer. Nem mesmo meu piscar de olhos. Há, no máximo, meu sorriso meio de lado debochado. E você poderá ver o brilho em meus olhos contidos. E não vou me alongar muito.

Anota aí porque os dias são longos e a gente vai vivendo e há quem acabe esquecendo que feio não é bonito. Depois leva uma rasteira, um cutucão no ombro ou um assobio e, perdido, não presta nem para aprender a lição. Anota aí que na grande guerra muitos não foram punidos, mas feio não é bonito e disso tem-se exatidão. Anota aí que, nas diárias neste país localizado neste local do mundo, feio não é bonito, ainda que se queira e se tente e se vote e se legisle e nunca se siga leis. Feio não é bonito, gente. Eu vou falar mais uma vez.

Feio não é bonito e fecho os olhos do coração. E me guardo toda em uma roupa de passear com vidrilhos, pois estou me preservando. Vou me juntar todinha em pernas cruzadas como sentar de índio, pois vou assistir tudo - muito bem detalhada que sou. Mas, se o vento já vem de longe, sigo em sua direção.

Enquanto isso, os minutos seguem correndo e parecem uma eternidade, mas, no limiar da vida (e esta é uma palavra que pensei agora), a curva é estreita e, o que não é bonito, é feio.

Pronto.

6 de jul. de 2015

Olhos oblíquos de cigana dissimulada

Tinha olhos dissimulados que usava para se dissimular. Dissimulava-se todinha e assim ia indo. Era o seu jeito de amanhecer o dia ou fazer entardecer. Cada um ia indo com o que tinha.

Olhos de cigana dissimulada e ela pensaria ser uma alma viajante. Colocaria um monte de miçangas coloridas baratas e não passaria de um esteriótipo ridículo, precisando, assim, passar-se por dissimulada.

Retrucava o mundo dentro de si, com um deboche que fazia ao mexer com a boca. Tinha cheiro de azul piscina os últimos tempos e então ela se perguntava, de um jeito meio dissimulado, se isto não era previsão de tempos bons.

Tinha um jeito todo seu: era assim e pronto. Não saberia viver de acordo com as regras dos outros porque, desde que nascera, sentia que devia obedecer ao seu próprio chamado - e qual seria ele? Ah, estaria ela sendo apenas dissimulada?

Vou te contar uma coisa: eu escuto tudo o que o povo não vê. Vou guardando como que em caixinhas e uso as cartas no decorrer do jogo. A dissimulação é o meu disfarce o os olhos são o espelho de minha alma que me entregam a ti. Quero me esconder, sou tímida e reservada, vivo uma vida discreta no aconchego de um dia ensolarado que acontece lá fora e vou me guardar para a minha verdade.

Eu hoje acordei meio assim e vesti a roupa de ser. Hoje é dia de ser de um jeito porque ao final do dia colhe o que se planta. Então, foi escutando baixinho como se catasse sementinhas de feijão, que depois planta e brota. Sabe como? Sabe não?

Seus sorrisos eram apenas pensamentos travados, e ela se contorcia toda para não se entregar. De vez em quando falava uma coisa ou outra que mais soavam como uma facada - é que as pessoas não estão preparadas para o que elas tem que ouvir. E quem é que está? Só se aborrecia de vem em quando com a tarefa que lhe fora incumbida: dizer.

Algumas vezes sentia-se morrendo por dentro de tanta coisa que ia sabendo e guardava na caminhada vivida. Ia pondo tudo dentro de uma cestinha que, vez ou outra, enchia-se. Ah, saia de perto porque agora é  hora mil. Sabe o que quero dizer com isso? Quero dizer apenas a verdade. Mas a verdade não existe. Então vou falar apenas os fatos porque, estes, aconteceram.

Lembra do meu olhar oblíquo enquanto sou apenas uma cigana dissimulada. Lembra.

Enquanto isso, a realidade ria de todos eles.

26 de jun. de 2015

Entre o agora e o sempre

Entre agora e o sempre é um lugar imutável. São as folhas que caem todo fim do verão. As coisas cíclicas mas também as quadradas porque com elas não há meio termo. Parecem faca amolada.

Um espaço infinito, ainda que acabe ao fim dos dias da vida, que habita um painel que montamos dentro da gente. Há lugar para isso? Espera um pouco, preciso pensar.

Irei juntar com as mãos apoiadas sobre a gratidão todas as pequenas coisas que formam um mundo, e estaremos então entre o agora e o sempre.

Ando por aquela rua com seus prédios cinzas e um intervalo de tempo, e então sinto-me entre o agora e o sempre. Acontece quando abro uma página e leio você inteirinho nela. A curva de uma letra que, se não sai bem feita, me faz refazer tudo de novo. São os detalhes que só eu sei que existem e nos vigiam. Pisquei meus olhos e o vi passar - ele, assim. Ele mesmo, de quem falo.

Entre agora e o sempre descansa o meu pensamento. Aconchega o meu lado humano e quente, minha risada para dentro pois peguei ela de uma menina com quem morei uma vez. Estou assim, pegando tudo dos outros porque alguns eu não quero que se vão.

Entre o agora e o sempre é onde vivo quando sou surpreendida pela lembrança boa e doce de você todinho do seu jeito. Quando não dou a mínima para o meu cabelo e ele brilha como um sol ainda que castanho. Quando sinto tanto frio que até me emociono de emoção e me abraço. Meus passos ora se distanciam ora se aproximam porque sei que o que não é agora é sempre.

Lhe dou tchau com as mãos rígidas mas preste atenção em meus lábios. Prometo que, se olho, vejo. Não sou muito de dar atenção ao que não me diz respeito, embora o mundo me concerna muito. Acho que vou ali tomar um banho de água fresca.

E não sei mais o que dizer porque nunca quero dizer muito, por isso uso as palavras. Palavras são tão bonitas e rebuscadas que até me escondo nelas. Sou sem ser. Mas quando quero me mostrar inteira fico calada e muda e deixo as pessoas lerem meu rosto - não que eu também queira, é  que nasci assim mesmo e isso eu não consigo mudar. Vou mesmo é me obedecendo.

Mas então volto como um cometa que passou em um céu que nem nunca existiu - eu que o inventei agora ao desenhá-lo em meu caderno - e pinto uma pintinha em seu rosto, porque preciso povoar o céu que muitos acreditam ser o paraíso. Ah! Se eles soubesse que o céu está logo aqui. Ha.

E enquanto isso vou-me mesmo é indo, pois vivo entre o agora e o sempre.

22 de jun. de 2015

Como era verde o meu vale

Como era verde o meu vale! Tinha até cor de-não-sei-o-que, porque este era o detalhe menos importante.

Eu estava sempre com pressa, sempre correndo e sempre atarefada - a abraçar o mundo! Eu andava depressa que era para não dar tempo de a lua abaixar, pois assim já chegava a noite e eu nem tinha começado a viver a metade do dia. E, quando escurecia, eu me revivia toda e começava a ser eu mesma do ponto zero, porque sentia um sopro de vida na janela.

A minha juventude foi tão nova e tão velha. Foi tão calma e certeira. Foi tão fria e tão doce. Foi de um jeito todo especial de ser. Fui montando-a com carinho e, no fim, parecia um troféu que enfeitei a estante.

Em meu vale, que é um local mais do que físico - psicológico - eu mergulhei tão fundo como um peixe, sempre prendendo o ar para soltar depois assim de uma vez - cheia de prazer. Eu vivia aqui e vivia ali; eu escrevia a e redigia b. E ia vivendo.

Tive todas as minhas aventuras, que chamo de crescimento, patrocinadas com a ajuda de quem mais me via como uma atleta prestes a chegar ao pódio. Eu ia vivendo um dia de cada vez e, ao fim do ano, eu tinha conquistado tanta coisa que fazia uma mala e me mandava para um lugar todo novo.

E, assim, vivi mil vidas, mas sempre sendo eu. Dei um giro de 360 graus e nunca caí da escada. Minha maior preocupação era entender poemas. Eu me contorcia toda para escrever mil folhas e, quando acabava, parecia que eu tinha parido um filho lindo. Ficava cheia de graça.

Meu verde vale era como um transe. Era como acordar para a percepção mas esquecer, simplesmente deixar para lá. Era viver sempre devagar mas com vontade. Era deitar a cabeça no travesseiro como se o amanhã fosse como o melhor de hoje. Tomar um banho de chuveiro quente. Caminhar só porque não tenho nada mais para fazer. E me cansar. E então começar tudo de novo porque me resta apenas todo tempo do mundo.

Como era verde o meu vale, e eu pegava no sono. Observava uma manchinha de leve no rosto que desenhava o seu ser. Fugia para encontrar tempestades de neve como se elas fossem parte de mim. Toda dor me fazia mais forte e eu saía como uma pessoa melhor. Eu tinha um olhar detalhado para aquilo que me fazia bem. E as moças que trabalhavam na casa dos meus pais faziam de mim gente, sempre me dando a mão e de prontidão. Quanta doçura fazem um vale verde.

O meu vale era um menino descalço na rua que me chamava para brincar, e eu ia. Era uma estrada ainda não desbravada que me convidava a experimentá-la, e eu ia. Era um encontro para tomar chá, e eu enrolava mas ia. Eram meus medos transformados em frio na barriga com um pouco de ternura. Era pegar um trem que passa na estação de madrugada. Era contar o tempo como meu, fazendo o que eu quiser na hora em que bem entendesse. Tomar um sorvete no meio da tarde assim de bobeira como quem não quer nada. Perder a chave de casa e encontrar de novo.

Um dia eu dormi deitada e eu me senti deitada também. Deitada na vida. E na vida a gente tem é que se levantar. Eu digo isso porque um dia a gente cresce. E então me lembrei de como era verde o meu vale, de como sempre fiz o que desejei, da ajuda que recebi dos meus pais com todo o carinho que um pai e uma mãe podem dar para um experimento que eles puseram neste mundo tão vasto, da imensidão do mar azul sempre em frente, do telhado da casa vitoriana que enfeitou infâncias, do não entendimento mas toda compreensão da minha avó, das minhas manias, vontades e desejos, e, acima de tudo, do acontecimento.

Ah, como era verde o meu vale!

1 de jun. de 2015

Debruçar-se para o dia seguinte

Começava fazendo tudo perfeito. Escolhia o vestido preferido, aquele que fosse cheio de detalhes e que parecesse sair dos anos 60. Jogaria o cabelo para trás ao se olhar no espelho e, suspirava - ah! - porque fui cortar o cabelo tão curto se assim não fico parecida comigo? Agora só resta aguardar.

E então tomava conta dos mínimos detalhes. Aqueles cantos da casa que nunca varria seriam limpos e ela ajeitaria a escrivaninha do quarto. Os livros, pelo menos, já estavam ajeitados, embora não da maneira que sonhava - é que ela queria organizá-los por tema, os temas que ela gosta, e que são muitos, mas não havia espaço. Como o mundo é pequeno!

Estava na hora de ser quem é porque amanhã é grande dia. O dia que foi feito só para ela, embora acreditasse que ele só passara a existir deste jeito depois que ela nasceu. Olhou para a janela e tinha cheiro de chuva, o que lhe abriu um sorriso no rosto. Não precisa molhar, mas os tons cinzas e o vento frio lhe davam a lembrança de um dia em sua casa no mundo. Ela nunca sabia onde deveria morar.

Dançou a primeira dança com tanta coragem e escolha que ela também poderia ser a última dança. Para isso, pusera o vestido. Abriu os olhos, pois queria se lembrar de todas as coisas doces que já lhe acontecera na vida desde que ela passara a existir. E então veio a hora de calçar as suas meias azul marinho meio xadrez - estava vestindo meias frequentemente nos últimos tempos, mas uma coisa a fez parar e pensar: todo mundo na vida usava meias pretas, e apenas ela teria meias assim tão coloridas. Por que é que todo mundo na vida usa meias pretas e de uma cor só e em um tom tão triste e sem graça? Ela não sabia e não conseguira entender. E então foi vivendo.

Era hora de pintar as unhas para esperar que o esmalte começasse a sair, pois não ligava muito. E observou o tom castanho de seus cabelos e imaginou como aquilo era tão seu. O vento levou as folhas secas que ela havia varrido e então ela se ajeitou no sofá de um jeito que não fosse dormir.

Com quem dividia a casa, falava o mínimo de palavras possíveis, porque ela achara que palavras eram sempre tão especiais e só deveriam ser usadas com quem as merecia. Estava chegando a hora de tornar-se si mesma e mergulhar na histeria de um amanhecer, pois já quase era hora, e ela iria entregar-se a seu coração de ternura e, debruçada na janela, esperar as horas passarem pela rua.

Calma, já quase chega a hora de ser quem se é, a hora mais profunda do dia, o momento de ser quem viemos ser, e o instante de se transformar em quem se teria sido.

26 de mai. de 2015

Um girassol da cor do seu cabelo

Eu procurei o mundo inteiro em cada cantinho por um girassol da cor do seu cabelo.

Eu pensei nele ao subir no ônibus e olhar para trás, onde haviam todos aqueles prédios gigantes que sufocam a gente, mas, no fundo, são necessários para ilustrar o pós-modernismo.

Eu procurei com cuidado, com meus olhos certeiros, nem piscar eu pisquei, e eu sei que no mundo não há outro girassol igual ao da cor do seu cabelo.

Eu escrevi com cuidado nas folhas que usei para descrever o girassol da cor do seu cabelo e, enquanto isso, vivi ao máximo. Eu o carreguei comigo em um lugar de mim muito especial e a ele eu soprei os suspiros.

Tão pequeno e sublime, tão querido e amado, será mais que um simples girassol?

Eu consigo ver o cheiro, enquanto todas as outras pessoas apenas sentem o odor. Eu o seguro com tanto carinho que minhas mãos aquecem. Eu olho para ele o tempo todo em que me for permitido.

Um girassol da cor do seu cabelo salva o dia. Faz a noite cair de forma doce como se tudo fosse justo. Ele bate com uma mão, mas assopra com a outra. Ele deixa em mim aquela coisa que eles chamam de sentimento mas que eu não sei explicar - sei mesmo é só sentir e ser eu.

No mundo inteiro, entre todas as pessoas, só ha um girassol da cor do seu cabelo e é meu desejo guardá-lo em um potinho cheio de renda, porque ele é tao único e especial. Será que duas pessoas, se juntarem, fazem outro girassol da cor do seu cabelo? E você, faria um girassolzinho como você e me daria de presente?

Se eu olhar e lembrar, eu vou chorar. Por isso, prefiro escrever. Como vai você, girassol? Mas o girassol só será você se ele for um girassol da cor do seu cabelo.

25 de mai. de 2015

Como se fosse a primeira vez

Como se só a partir de agora eu tivesse existido, olho em seu olhos que não vejo e não sei aonde estão e me peço com tamanha ternura.

Como se só agora eu tivesse passado a existir, pois nasci e entrei no mundo sem ser consultada - posso fazer um pedido?

Vamos pensar que nasci agora neste momento, e não tenho mácula alguma, pois ainda não vivi e não perdi a paciência com as coisas: olhe a expressão em meu rosto, pois é da mais profunda sinceridade. Eu sou sempre muito sincera até quando não sei que sou. Mas olha para mim, agora estou sendo sincera de propósito e estou contado-me a ti.

Experimentei novamente tudo de novo, eu que tanto fugi e tentei me escapar. Eu perdi todas as recordações e tive que pagar um dinheiro muito caro para tê -las de volta. E agora estou cuidando direitinho, embora o processo esteja me causando muitas reflexões, incômodos e saudade. Estou até com os olhos cheios de lágrimas e vou chorar.

Onde eu guardei as coisas que eu vivi e não escrevi eu não sei. Eu sei apenas que elas existem. Eu fico pensando que, mesmo que eu não me recorde, não lembre, não pense e não de atenção, as coisas existem porque um dia elas aconteceram. Elas mudaram de estado físico, mas não deixaram de existir.

Hoje, meu coração me diz calado em um resmungo contido que tudo ainda está como se fosse a primeira vez. O que estava adormecido estava apenas adormecido e foi reanimado com um toque de minha mão.

Eu, que fui aquela menina e que ainda a sou hoje, olho em seus olhos e peço: seu senhor, faz tudo de novo como se fosse a primeira vez? E como se eu estivesse pisando neste chão que chama-se vida pela primeira vez. E como se eu abrisse a boca para falar pela primeira vez. E nem pensamento eu ainda tivesse formado em minha mente. E como se minhas memórias ainda tivessem sido construídas porque não foram ainda vividas. Quero tudo como se fosse a primeira vez, e quero de novo.

24 de mai. de 2015

Scars of sweet paradise

If you don't believe there's a price
For this sweet paradise
Just remind me to show you the scars.

Bob Dylan
"Where Are You Tonight?"

- but I got that from my book, because I don't really listen to Bob Dylan. And I wanted to mention those scars of sweet, sweet paradise.

21 de mai. de 2015

Fé cega, faca amolada

Olha e vê.

Disse-num-disse, mas, se aconteceu, existiu.

Ao deitar a cabeça no travesseiro, mantem os olhos abertos. Não pensa muito, que é para não endoidar. Limpe os óculos.

Pega um mapa e ligue os pontos. Visite os locais certeiros. Vai, que nuvem não espera - quando vê, já passou e sumiu e nem nunca existiu.

Fico pensando quem é, no fim das contas, que nos deu as mãos e o cérebro e os olhos e os livros e os meios de se saber - se não era para saber, ora pois.

Quanto mais se raciocina, menos sentido faz. Quando mais se pensa, mais se sente. Sentimos muito, está tudo desculpado. Ora pois.

Questiona. Diz não. Dá meia volta. Bate o pé esquerdo. Tenha opinião se o saber existir, mas vale ficar na dúvida. O que não vale é ter fé simplesmente porque se deseja acreditar. Ah, pois.

Olha para lá e olha para cá. Olha para cima e olha para baixo. E há de se comparar? Anos luz em nossa frente estão eles.

Tudo começou há alguns anos quando peguei um trem e fui ver de perto. Com meus próprios olhos que me foram dados pela minha mãe e meu pai. Fui, porque foi-me permitido. Eu, que tenho o coração frio. Até chorei, e voltei do leste mudada e revoltada e eu queria interrogar todos os "envolvidos" com um questionário da História.

E desde então a humanidade não aprendeu nada e temos hoje pessoas cegas e pessoas que veem muito mas nada enxergam. E eu sou uma delas, mas tomo cuidado. Porque sou dona de mim e sempre estou em dúvida, porque nada - absolutamente nada - sei. E eu precisaria ser uma pessoa muita rica e viver mil vezes para aprender o Mundo.

Lembre-se: fé cega, faca amolada.

16 de mai. de 2015

O inventor da mocidade

Lá vem ele, das esquinas dos cantos do mundo: o inventor da mocidade que não passa dos seus 50 anos.  

Ele, muito vivido, traz consigo um cacho de balões que nos entrega com carinho. Distribui cadernos com folhas em branco, cujas capas são azul marinho com desenhos de peixe em tons verde, para que possamos escrevê -las nos mesmos. Tudo muito discreto e simples. Tão singelo o senhor.

Desde que passou por aqui pelos trilhos houve assovios e troca de olhares que diziam tudo. As lojas ficaram fechadas pois um momento de silêncio era forma de respeito. E, de repente, uma gargalhada no ar que não se sabe de onde veio, mas desconfio muito que ela existia dentro de cada um.

Há os bares baratos, cujas paredes têm marcas que me parecem da guerra - ou assim me parece - e as cadeiras são brancas e de plástico. E uma conversa doída percorre os degraus de uma escada um tanto movimentada. Traz consigo todo o cheiro da memória que invade a gente, aquela memória arrebatadora - sabe de qual estou falando? Escreve com letra bonita, mas deixe a gente ser a gente mesmo. Vamos cuidar melhor das flores - ah, as flores! Eu nunca liguei para as flores pois eu sempre pensei que elas sempre existiriam por si só.

Um muro muito alto foi construído e os limites foram traçados. O passos contínuos foram seguidos e, por isso, dados. Chegou-se onde se devia chegar. Ah!

O sorriso meigo esconde a força da menina. Por meio de um sussurro tem-se uma epifania. Só é necessário o que for primordial e haverá sempre um meio de sabermos o significado de todas as palavras simples e bonitas. O mundo ainda será constituído de roupas penduradas no varal. Olharei para as suas mãos e verei um gesto. Um toque de recolher será como um convite para jantar.

Cada noite dormida será como se ganhássemos mil novos anos, e quanto mais livros lêssemos menos tempo de vida gastaríamos. Eu sei que no fim estou ganhando, mas sempre encontro-me em um confronto moral entre parar e ler um livro, ou sair vivendo com os pés por aí.

Os quietos serão percebidos e os que falam muito se calarão. Tudo será escondido porque será revelado. A noite continuará sempre sendo mais clara que o dia, pois no escuro as coisas são como elas são, e não como nós a vemos. Um teto de vidro será construído para nos proteger, e pedir conselhos será como comprar bilhetes para o cinema. Iremos mudar de lugar como em um piscar de olhos, e, com mais outro piscar de olhos, estaremos apaixonados. Viveremos até a última gota até que se acabe o último minuto com precisão e exatidão.

E então teremos vencido e vivido e recebido o senhor da mocidade com os olhos brilhantes de uma cor de outono. E tudo o que era bom será como antes.

15 de mai. de 2015

A menina do fim da rua

E todos estes últimos dias, que têm sido de tom nublado do céu e de um frio que conforta a alma, me fazem lembrar que sou a menina do fim da rua.

Sou, porque fui. A menina do fim da rua usa meia xadrez e nunca, jamais, anda descalça com os pés no chão. Anda de chinelo. Mas, de pé no chão, não.

Sou a menina do fim da rua que foi para a praça em uma tarde de sábado vazia e gelada ler o livro da minha irmã. Corta-me o coração não poder sublinhar todas aquelas passagens bonitas que soam como poesia, por isso devo anotar no papel ao lado. A autora é cantora, e cantora que compõe e morou no Chelsea é também poeta. Tá explicado.

Porque sou a menina do fim da rua, vivo sempre com medo devido ao local do mundo de onde vim, tão imensamente violento. Desconfio até do fio de cabelo porque sou tímida para olhar nos olhos. Geralmente olho para a boca das pessoas enquanto elas falam. E quase nunca puxo assunto - sei mais é observar porque assim a gente aprende mais.

Não sou eu, porque sou a menina estrangeira. E isto me dá uma infinidade de caminhos por onde me esconder sem me revelar, pois, como disse, sou muito tímida. A minha língua - ou melhor, meu idioma - é da cor de um jornal e a escrita é cheia de curvas - tão difícil entender o que querem dizer por causa da grande subjetividade. E sinto-me justificada pois também não entendo nada do que você fala. Enquanto isso, fixo meu olhar nas janelas das casas ao redor - eu sempre gostei tanto de janelas e portas, eu queria até ser arquiteta de todo o meu coração só para viver desenhando. Mas eu posso desenhar sem ser arquiteta, apenas sendo eu mesma, e é isto que venho fazendo.

Ontem um pássaro passou sobre os meus cabelos e me achei de uma sorte tão grande. Muito obrigada, pássaro.

Sempre acho que estou surda de um ouvido, geralmente o ouvido direito. Isso é apenas para mudar de assunto. Para dizer que quando o dia acaba o tempo é meu e eu posso fazê-lo como quiser. Que eu acho um desperdício essa minha mania de nunca me sujar. E fui ao parque ver como as pessoas jogam futebol porque isso é uma coisa que eu não compreendo - há tantas outras coisas para se fazer!

Os pratos na pia eu deixo porque quero porque a casa é minha e moro sozinha - tenho sempre morado sozinha. Mas só para me contrariar as vezes vou lá e lavo tudo e deixo a casa muito sem graça de tão organizada. Disso eu não gosto, então já vou deixando minhas meias espalhadas por todos os cantos e convido os gatos a entrarem se não forem me atacar. Eu sempre achei gato tão delicado, independente e elegante mas, assim como ele não quer papo comigo, nunca quis papear. O que eu gosto nele é ele não precisar de mim e gostar da minha companhia só porque quer.

A menina do fim da rua compra pela foto da embalagem e ir ao supermercado tornou-se uma rotina dolorosa, pois levo 3 horas para não entender nada. Agora, pego tudo pela gravura e dou um voto de confiança aos alimentos. Mas, também, só como macarrão, sorvete e, nas sextas-feiras, chocolate. Também tomo muito leite porque se assim não o fosse eu não seria eu. Eu sempre acho que leite salva a gente de tudo e você pode até parar de comer e só tomar leite para o resto da vida que você nunca vai morrer de inanição - é que quando eu era uma criança minha mãe mandava eu tomar leite quando estava com fome.

Me aventurei uns passos além do portão da minha casa, até entro no ônibus que, me alertaram, tem ainda os parafusos da ex-URSS. E o que tem isso? Você já viu os ônibus do país que eu venho?! Vamos caminhar mais uns mil metros com o sol longe do rosto para uma rua sem saída pois eu só quero prestar atenção aos pequenos detalhes. O resto nada importa, dada a grande relevância. Na verdade, eu queria muito nutrir as minhas sardas no rosto e, por isso, deveria tomar um banho, uma enxurrada de sol! Deixa para outro dia.

Algumas vezes, me dou um agrado que é parar em uma padaria de esquina, muito desconfiada que estou, e comprar um doce ou biscoito. Pronto, dito e feito. Ruim e sem graça e sem gosto e sem açúcar - ah, como a minha vida tinha sido doce até aqui! Coloquei muito leite condensado em tudo.

A menina do fim da rua pôs um moletom e fui correr. Mas, antes, peguei de novo o ônibus pois fui encontrar com uma amiga em um lugar muito longe. A amiga tinge o cabelo de amarelo e tem cor de cenoura pois ela vai para uma das clinicas de bronzeamento artificial que lhe deixam laranja e estão em toda e cada esquina da cidade. Ao aguardar o ônibus na volta, gosto de me demorar um pouco porque fico a observar os meninos a conversar e fico tentando adivinhar o que eles estudam. Me interessa muito o que as pessoas estudam. Mas há pessoas que não estudaram nada, mas leram e viveram muito e sabem tudo - eu conheço uma pessoa assim bem próxima de mim e eu posso perguntar tudo a ele pois ele me responde de graça. Outras coisas, no entanto, eu é que tenho que contar a ele.

Eu nunca compro muita coisa, eu sempre acho que amanhã já chega logo. Observei um disco tocando lá dentro daquela janela - eu estou sempre bisbilhotando as janelas, mas juro que é por causa do design, mas acabo vendo o que há dentro - pessoas, música, álcool e amor. E meus olhos. Uma coisa que notei aqui é que tudo é velho, mas dentro dos prédios, logo além das janelas, as pessoas e coisas são jovens.

Vou-me parando por aqui pois já estamos quase no fim da rua e por entre os galhos secos esconde a noite e já vem para definir tudo. 


11 de mai. de 2015

A vida ao redor

A vida ao redor acontece como nos campos em que vemos uma toalha de piquenique xadrez vermelha. Ou vermelha xadrez. Parece cinema alemão.

As cartas são sempre escritas com um coração todo inspirado e percorre os quatro cantos do mundo na velocidade do vento. As portas na cor marrom são sempre as mais antigas e os vidros da lanchonete são sempre pintados com decoração de natal pelos melhores alunos do colégio. Eu frequentava a aula de artes.

A vida ao redor ecoa profunda, como em um aquário que mantenho no quarto, mas que nunca existiu. Eu sempre achei aquários nojentos e sempre tive muita dó dos peixes, embora soubesse que muitos estariam em pior condição. Mas isso não isentaria a minha culpa.

A vida ao redor parece bolsa de mulher, sem querer ser sexista. Tem um jeito parecido com os degraus que desço para evitar o elevador. Pois eu sempre pensei que pudesse encontrar surpresas pelas escadas, como um casal de namorados, sabe?

A vida ao redor é calma como um chá que a gente toma de tarde. Como o começo da noite - ou cair do dia - no início do outono: extremamente doce! Tem a arquitetura vitoriana de uma biblioteca em que me refugio. Chama pelo meu nome e me dá coragem de vir para fora.

A vida ao redor, como todos já sabem, tem a cor azul marinho e é escrita com minha letra que escrevi com minhas mãos. De verdade. Soa como um poema que não li em pé la na frente da sala pois sou muito tímida. Cheira como a chuva que fecha o dia com chave de ouro - existe nisso maior perfeição?

A vida ao redor a gente percorre de bicicleta e com um carinho todo especial. Ou com meu carro que que tem um D - de Detroit - na traseira e diz para todo mundo que ele é meu-tão-meu. Ou com os patins que aposentei na adolescência pois comecei muito nova contra a vontade de minha mãe. A vida ao redor corre tão depressa e escapa como água no canto do passeio: e eu nem sei para onde vai.

Todos os pensamentos são ditos e entendidos e desvendados. Não há espaço para pausas ou dúvidas ou certezas. Vive-se um dia de cada vez. Há tempo de se parar na padaria da esquina para comer um bolo seco cheio de tédio. Abraça-se as aventuras com que trombamos na esquina. Dá-se a mão. Conversa-se ate com estranhos! Há espaço para tanta gente.

A vida ao redor tem gosto de infância. Aliás, a vida ao redor tem gosto da fase mais gostosa da vida da gente. Somos nós que escolhemos, com refrão e tudo. Como em uma orquestra, a música pode ser tocada mais de uma vez. Ah!, e dou um suspiro tão forte.

A vida ao redor vai se formando enquanto escrevo estas palavras, que saem de mim sem muita hesitação. Escrevo, apenas. Mas eu juro que é tudo verdade em algum momento de alguma forma. Enquanto isso, há uma criança rindo a poucos metros. Quanta inocência e falta de preocupação ao redor.

E as árvores, todas em tom verde escuro e muito altas, fazem sombra para que possamos caminhar melhor. Elas escondem todas as rachaduras e com isso vamos vivendo. Os edifícios vazios são abraçados porque são cheios de história e a memória vive no coração. Não há mais tristeza ou saudade porque tudo que a gente viveu agora vive com a gente. O mundo é um só, e roda para todos. Será que podemos viver mais de uma vez? ... é que a gente vive tantas vezes em uma só vida, não é mesmo?

A vida ao redor chegou despercebida, tímida e calada, mas cheia de personalidade. Ela veio como ela é e só é fragil porque foi sempre, no fundo, muito forte. Ao se cansar, senta-se com os pés para cima. Ou então sai de cena para um canto com o livro na não e vai ler. Foge da mocidade porque se é sempre jovem um pouquinho. Repara bem naquela janela, ela conta a história de um povo.

A vida ao redor em que vivo, a vida ao redor de quem sou.

24 de abr. de 2015

Passagem para a vida

Procura-se.

Procura-se uma passagem que se compre e te leve para a vida, ou a passagem pela qual se passa para chegar a tal destino.

Procura-se como quem colhe aquelas flores delicadas e brancas, as quais nunca soube o nome. E com uns olhos de leão valente, como um peixinho que sou.

Passagem para a vida é como uma mochila que se carrega nas costas. Uma mochila pesada, mas não pelas coisas que carregamos mas pelas coisas que nos carregam. Nos empurra. Nos levanta. Nos impulsiona. Nos carrega, verdadeiramente, nos braços. Ou nas costas. Até nos ombros!

Passagem para vida, e um copo de chocolate quente que lhe queimou a língua porque assim será com você todas as vezes em sua vida em que comprar um chocolate quente para beber. Não se consegue esperar e tem-se sempre a esperança de que já se pode experimentar. Como se fôssemos todos adultos mais que crescidos: fortes.

Passagem para a vida é aquele lugar só seu sem sentido algum mas que tem todo o significado por representar algo grandioso. São as gotas de chuva na janela e o vento batendo. O latido do cão ao lado que não lhe incomoda tanto porque lhe transborda amor. Uma planta verde no canto que chamamos de mato, porque tudo é mato e planta quando não se sabe o nome. E quando é que se sabe nome?

Passagem para a vida é você com todas aquelas inúmeras folhas cheias de anotações sobre o genocídio na Armênia. Você não se aguentando de ansiedade porque quer discutir o tema com aquela sua amiga da Macedônia, porque acredita-se que todo mundo que venha dos balcãs seja carregado de história. A passagem se parece como uma preparação em uma tarde durante a semana, porque o maior compromisso é consigo mesma. Um beijo jogado de longe. Seu cheiro tao característico que será sempre e apenas seu, a não ser que você permita que alguém chegue próximo o suficiente para senti-lo.

Passagem para a vida sou eu e todos os meus dizeres. Muitos não ditos, tantos escritos. Sou eu com o poder de voz que me é dado, como se eu tivesse a chance de falar tudo o que penso e acho e acredito e desconfio, e sair correndo. Abrir mão de um futuro logo aqui no presente. Respirar tão profundamente que se sente o sintoma do mundo. Eu sempre estou a fazer diagnósticos, acho-me uma psicanalista muito aprofundada e fajuta, porque me formei basicamente em seriados de tv, um semestre de psicologia e livro. E, claro, todas as minhas questões teóricas que, no ar, ganham uma tonalidade roxa. Ah, como eu sou vasta e o mundo é ambíguo.

Passagem para a vida é aquele trem que a gente pega, e aquele que a gente perde, e o outro que pegamos no lugar de nenhum dos dois. Embarca-se, porque sabe-se que chegaremos em algum lugar. Apenas não se sabe onde. Quem cai, do chão não passa, e a Terra no fim é redonda. O pior já aconteceu, ou teme-se os próximos capítulos? Vida, seremos amigas de infância e eu lhe comprarei um sorvete.

A passagem para a vida inclui a mim em uma estrada verde. A cor, neste sentido, não é simbólica, mas apenas uma cor que me veio na cabeça mesmo. Eu fecho os olhos para ver e então escuto a minha respiração - eu, que estive tão ocupada. Os olhos dos vilarejos estão todos sobre você, porque espera-se tanto de uma menina pequena! Oh deuses, o que se faz quando a gente cresce e vira pessoa adulta? Ganha um certificado ou perde-se um sapato ou outro?

Passagem para a vida e uma menina e seus utensílios. Ela guardava tudo como se sobrevivesse a um regime que lhe obrigasse a dividir tudo e não ter nada e despir-se de sua personalidade. Eu lhe confesso que nem sei o nome deste regime político, pois escutei muito os sermões de minha irmã e vi uns filmes de cineastas do leste. E eles não são a mesma coisa. Diz-se que o livro do grande teórico marxista era teoria, e que a prática foi outra. Mas o que eu digo é que o que aconteceu é tudo o que temos.

Passagem para a vida e eu me acordo como num interior de sábado, porque agora não é nem de dia nem de manha nem de tarde e nem hora alguma. Agora  um minuto só meu no meio da noite que já quase entra para a madrugada, onde se ganha vida pois todos dormem e, assim, vive-se mais verdadeiramente. Estou escrevendo este negócio porque estou repleta de informações que não são minhas e eu queria mesmo era cuidar apenas dos meus interesses e que tudo mais se explodisse como um vulcão que dorme. Pois cuido do mundo e esqueço o que é meu, e no meio do caminho perco parte daquela pessoa em que me transformei, como se tudo estivesse acabado. E, assim, sabe-se que as regras e os cubos são simpáticos ao caos, e uma linha reta é sempre mais direta e o caminho certo.

Agora, neste momento, confesso ainda que não sei de nada, pois escrevi tudo, o que se escreve só faz sentido em um outro dia, e eu só sei que é assim. Enquanto isso, prepara-se pois a gente veste a roupa que está ao nosso alcance no armário, de preferência na cor azul marinho, e assume o papel que nos foi dado porque a curva é logo ali e chega logo.

Avista-se a passagem para a vida e esta não se pode deixar passar.

20 de abr. de 2015

Todas as manhãs do mundo

O mundo começa com todas as manhãs. Todas as manhãs do mundo. E até as noites viram manhãs, que se tornaram noites.

O dia de cada um deveria começar como todas as manhãs do mundo: de um azul escancarado no céu. E que pudesse ficar cinza ao passar das horas, pois não me importo nem um pouquinho com esta coisa de céu nublado - pelo contrário, gosto e muito.

E que o sol fosse apenas um reflexo para dizer que existe. Está ali, mas bem longe. Pois machuca a minha pele e faz-me apertar os olhos, cerrando-os para proteger minhas vistas que são meus olhares e guardo para a leitura.

O mundo deveria ser formado por todas as manhãs do mundo. Porque são estas manhãs as chances da gente. São como se viessem e estendessem a mão. Como um braço que não se vê, não se sabe onde começa ou termina. Como um sopro de suspiro de acontecimentos surpreendentes e até mágicos - magia em seu sentido antropológico, quero dizer.

A vida de todo mundo deveria ser todas as manhãs do mundo. Onde só haveriam bilhetes de ternura pelos cantos e memórias transbordando o coração vazio. Todas as manhãs do mundo são como uma imensa janela aberta, são como as aulas de cinema que cursei durante 3 semestres na faculdade, são como as anotações espalhadas por folhas por aí, são como esperar por um ônibus que nunca chega porque se tem a sensação doce de espera, são como olhar apenas para observar, mas, no fundo, ver.

Todas as manhãs do mundo. E não seria suficiente para os dias da vida, que são formados por segundos e minutos, mas só são significativos pelas lembranças que se viveu. Um chá quente em uma tarde não tão fria em um país em que nada se entende da língua. Claro, era tão leste este negócio, onde fui me aventurar? Será que sou assim e ou simplesmente fui? Serei de novo?

Todas as manhãs do mundo deveriam se reunir para louvar a existência, que passa breve como uma folha que só dura até o outono. E valorizaríamos as coisas mais insignificantes pois estas, para mim, são as mais importantes. E eu faria da minha vida todas as manhãs do mundo, porque viveria a meu jeito e a meu ver. Com meu muito e pouco entendimento, minha ignorância e pré-pensamentos e, principalmente, a minha vontade de conhecer. Pois conhecer vem de conhecimento, e neste eu me invisto muito.

Minhas todas manhãs do mundo seriam como eu parada em uma rodovia, contando os carros que passam como se isso valesse alguma coisa. Na verdade, este era só parte do caminho. Preciso continuar a trilha, caminhando assim vou. Porque todas as manhãs do mundo são contadas em um ponteiro de relógio enquanto vejo o filme A Noviça Rebelde pela milésima vez, a pedido, primeiramente, da minha tão querida, culta e cuidadosa mãe.

Todas as manhãs do mundo seriam minhas, porque só eu as sei fazer assim, e sei viver e principalmente esquecer, e muitas vezes fico perdida ao começar de novo. E nestas horas somos como a lenda, e a gente nem sequer existiu neste sopro de vida que chamamos "existência".

Todas as manhãs do mundo para mim. E para você e para cada uma das pessoas que habitam a Terra, sejam elas do meu agrado ou não, porque na verdade sempre me interesse apenas pelas pessoas charmosas e, quanto ao resto, não os considero maus - apenas não os considero charmosos e por isso não me são atraentes. Não tenho tempo a perder, pois me sou muito preciosa já que não durarei para sempre. Enquanto isso, corro para pegá-la e vivê-la: a manhã do mundo.

19 de abr. de 2015

O sopro do coração

O sopro do coração segue sua própria intuição e vive sua própria história.

O sopro do coração é leve como os ventos do sul que levam para o norte. Mora ao lado do número 2. Se parece com um papel de presente. Reside em uma caixinha no canto do armário. Olha pela janela de forma tímida. Alegra-se com as folhas secas que caem das árvores e avisam da renovação que se dará em breve.

O sopro do coração percorre as estradas que levam para longe. Não há importância alguma se há casas abandonadas ao redor porque, embora triste, ela bem que gosta desses locais vazios repletos de memória. O sopro do coração escreve-se em um caderno espiral pesado, pois ele é recheado dos assuntos importantes. E, enquanto disso, repara-se no decorrer dos dias.

O sopro do coração é como a primeira avenida asfaltada da América, em Motown. E como todas as outras tantas coisas que ela sabe e guarda em segredo sobre os lugares preciosos em que pisou. Em alguns, ela até morou e viveu. E mais: ela existiu. E alimentou com um sopro do coração.

Sopros ao coração são os moletons no frio, a gastura de andar de meia pela casa, as manhãs de sábado cheias de futuro, as caminhadas pelas ruas desertas de Budapeste, a mania de fazer voz para os cães como se eles falassem, o brilho em seus olhos ainda que escuros, aventurar-se por um ônibus da ex-URSS, e o riso gratuito ao fim do dia.

O sopro do coração pesa como uma luva leve ao tocar em suas mãos. Direciona a escrita. Parece uma luz ao fim do túnel. Soa como um plano do governo para melhorar a qualidade de vida - e isto tudo tem um nome tão mais bonito: welfare state. Enquanto isso, o dia vem caindo e a noite sobe como uma luz em direção ao infinito azul escuro que instala-se antes do anoitecer.

Já pensou em quantos dedos na mão tem aquela menina? E porque se sentiria presa, motionless e tantas outras coisas mais, nessa definição de palavras? Para que uma janela tão alta ao seu lado em uma hora nada conveniente como essa?

O sopro do coração deixou meus cabelos, sempre castanhos, presos e a brigar com o vento. Desenhei algo para então colorir, mas apaguei. Escrevi então um bilhete e coloquei inspiração. Cozinhei algo pois só o faco para a minha sobrevivência. Busquei o talento na gaveta da cozinha enquanto grifava poesia nos livros empoeirados mas sempre cheios de ternura. Observei as pessoas lá  embaixo e fui arremetida por um pensamento. Tentei cantar uma música em minha cabeça, mas eu nunca me lembro da letra, apenas dos sons. Mordi a tampa da caneta, notei como os meus lábios estavam secos, lembrei-me de como adoro espirrar, e de como sempre descuido da minha saúde.

O sopro do coração envolveu-me em um abraço. Deixou seu cheiro e seu recado. Me fez recordar quem sou e ainda incitou a dúvida, como em uma página em branco em um dos meus vários cadernos. O sopro do coração é imenso e toma conta de mim como a saudade que sinto o tempo inteiro da minha irmã. As horas passam mas se houver tempo de prestar atenção, com muita sensibilidade nestes dias ocos, sente-se o sopro do coração.

O sopro do coração faz-me quem verdadeiramente sou.

6 de abr. de 2015

20 poucos anos esta noite

20 poucos anos esta noite foi o tempo que minha mãe me deu você. Me deu você como um presente, e me deixou escolher seu nome com tanto capricho e carinho.

20 e poucos anos foi tudo o que durou uma presença vivida, dessas como de filme de cinema, em que a pessoa está de pé ao seu lado. Estende-se a mão e se encosta nela. Esta noite.

E virão muito mais noites em que eu, parada ao pedestal de uma ponte sob o vento frio cortando o rosto e mexendo os cabelos, me perguntarei como escolher uma jaqueta azul sem a sua presença ao meu lado. Até minha mão parece com a sua, e como assim você está tão longe neste momento e em todos os outros que virão?

20 e poucos anos esta noite fazem que conheci você. Que a deixei tomar conta e espaço, que dividi o meu olhar contido. E todos os sonhos me foram embora como um sopro denso e breve. E a linha do tempo continuou reta até perder-se de vista. Onde tudo já era vivido, sobrou-se muita coisa: sobraram umas folhas de caderno em branco ainda nada escritas, os lugares interessantes em que viveu apenas por eu contar-te, as noites gélidas e quentes com muito amor, a exatidão dos minutos, a receita de um bolo, a letra escrita e toda trabalhada, a minha análise sob os centímetros, os nomes de filme com significado que me tocariam o coração e, claro, uma presilha de cabelo castanho meio curto, assim como você.

Todas as manhãs do tempo, e você não me está aqui. E me estou sozinha. E nem te chamo porque se te amei um dia você nunca irá-se embora. Neste momento, estou fazendo um uso exacerbado dos pronomes pessoais e possessivos porque, sem saber direito o que são, embora sejam. E encontro-me despida. Daí o uso frequente sem consultar gramatica alguma. Enquanto isso, o sol é o sol e o céu é azul no fundo.

20 poucos anos esta noite e tantas histórias ainda para se viver e outras tantas mais para se contar. O mundo é tão pequeno até que se dê uma volta no pólo norte. Sabe aquelas coisas que não lhe contei ainda, e os segredos que ainda nem percebi e as multidões paradas no ponto de ônibus? Sabe aquela mistura de cartões postais, os quais eu esqueci o nome? E a borda da bandeira marrom? Lembra-se dos grandes poetas no meio da noite? Sairão todos da minha boca pelos quatro cantos vazios onde ecoam-se os ecos e nada mais.

Há tanta coisa para se falar, para se dizer, para se calar e se entender. Há ainda tanta vida para ser vivida, e só tivemos 20 poucos anos esta noite. E todas as coisas que eu gostaria de lhe perguntar porque sei que jamais irei saber eu mesma? E toda aquela coisa de cientistas que você me conta de um jeito cor de rosa-shocking? As portas que batem, ainda que de vidro? E sobra um barulho ensurdecedor.

Lembro-me ainda dos poucos anos, em que éramos nada mais do que pequenas, e como eramos grandes. O tempo levou tudo isso para um esconderijo que é como uma caixinha de mãe, onde moram todas as ternuras do mundo.

20 poucos anos esta noite e eu ainda tenho o que me lamuriar, e sair para comer hambúrguer, e prometer nunca mais comer tanto só para deliciosamente ter esta promessa quebrada, contar os degraus de uma escada que significa tanta coisa na vida da gente, e ha também os livros que não lemos juntas e agora iremos ler em momentos separados. As letras de um alfabeto nórdico chegarão sempre com atraso e eu irei me perder toda, e ha ainda os caminhos molhados pela chuva. São apenas 20 poucos anos esta noite e ha tanto vivido e muito mais a se viver. Ha os momentos de uma juventude e a certeza de não saber. O jardins da biblioteca que poderia ser nosso refúgio, e as bandeirolas que caem sobre o parapeito da janela. O mergulho no azul marinho e o sorriso mais sincero da esquina dos charmes.

Oh, como é breve o tempo em que se vive perto, porque vive-se muito junto-separado, onde cá é sempre sol e verão, e lá é sempre outrora um inverno. Era uma vez um verão em nossas vidas, e o cheiro era tão bom que parecia outono. Tínhamos apenas 20 poucos anos e éramos irmãs tão diferentes mas parecidas, quase gêmeas. E éramos da mesma família e tínhamos juntas o gosto musical que você passou para mim. E tudo soou tão breve.

20 de mar. de 2015

A noite do meu bem

A noite do meu bem é também minha. E de tudo o que aconteceu comigo.

Vem-se as noites, porque passam-se os dias, e ficam as coisas que duram, porque, estas, aconteceram.

Esqueça tudo o que senti: o que vale mesmo é o que se vive. Mas como saber, no fim das contas? Sabe-se de nada, tem-se certeza de tudo. Porque esta, e a outra, é a noite do meu bem.

A noite do meu bem é marcada, acontece como um punho forte de uma mão fechada. Mas envolve-me em um abraço doce. A noite do meu bem deixa-me incrivelmente alerta, com os olhos escuros dilatados, em estado natural, veja só.

A noite do dilúvio molhado, do dar as mãos em meio ao vazio, de caminhadas pelas ruas laterais sem folhas. Neste dia, ou melhor, nesta noite, descobre-se tudo que fala um coração.

A noite do meu bem tem artificies melódicos, um som que rima com a minha cara que eu chamarei de face, e os ouvidos atentos ao que não se diz. Abrace a minha mão - ou melhor, aperte-a. Deixe em mim um pouco do que é seu. Leve de mim também, que fui parte sua. Estenda-se aqui, um pouco mais, faz chover para mim, pois lhe peço, uma vez que gosto muito. Na noite do meu bem, senta ao meu lado em minha cama comigo. Encare meus livros de frente, pois vamos falar sobre os títulos. Ajude-me com o que for pesado, pois meus braços finos não conseguem carregar mais do que o peso dos meus ombros.

Encoste na parede branca, onde verei suas marcas invisíveis mas sempre perceptíveis aos meus olhos. Deixa seu cheiro no ar. Enxuga as mãos na toalha que coloquei há pouco no banheiro, molha o rosto para ajudar passar. A noite do meu bem vem, fica aqui comigo um instante, e já amanhece. Ainda assim, ela será eterna.

Há cacos pelo caminho dos pedaços da gente que a gente quebrou. Assim, a gente vai construindo. Era apenas um apito. Mas aconteceu.

Na noite do meu bem escuto tanta coisa bonita, e tudo vem dos seus lábios. Eu paro e penso e olho para o lado. Sim, eu paro e penso e olho para o lado. Espera aí, é isso mesmo? Então repete, porque eu não sabia. Então me diz mais uma vez, porque eu não acredito. Esse é o problema comigo, o meu ceticismo. Mas eu daria a ele outro nome.

A noite do meu bem  é minha, e dele, e de nós dois. E de tudo o que  é, foi e será a gente. Eu te olho nos olhos e te agradeço, até quando eu não quero agradecer eu agradeço. Eu paro, olho e escuto. Eu não queria que fosse assim. Eu queria que eu, a vida e as coisas fossem muito mais fáceis, muito mais fáceis. Eu queria era sair correndo e só voltar quando o dia nascer de novo.

A noite do meu bem me soou tão doce que até deixou um buraco em meu coração apertado. Fiquei com emoções simultâneas, o que quer que isto signifique. Mas para mim diz muito. Eu estou aprendendo a entender, eu estou até escrevendo um pouquinho. Eu não sei de nada, eu só sei que foi assim e aconteceu desta maneira e quando eu me dei por mim já havia passado. Eu queria que tudo na vida e entre as pessoas e que me envolvesse fosse de um tom cuja cor é leve, doce e meiga. Eu queria muito isso, com toda a ternura do meu coração.

Desculpa, eu nunca quis machucar ninguém. Eu já fui machucada, mas dói muito mais quando a gente machuca alguém.

Meu bem, você é o meu bem esta e tantas outras noites.

13 de mar. de 2015

All the nights you don't show up

... she can feel the smell of dark air, while staring at nowhere. That's what her brown eyes are for.

It's been such a dark blue kind of lately.

Guess life's meaning for dark is deep and strong. Maybe there's some relevance in saying so.

So let the story begin:

it's the hair. It's the hair in the air. And her friend's confusion with ''a'' and ''h''. And you ask about a small market at a corner of a space shown in the news.

The night you don't show up she still sees your hands, with all the little detais. So many details, there are.

(I - me, myself - come into the scene to wonder how his mom made all that. Was it care, love or simply art?)

The steps are counted, the shake of hands becomes hugs which will eventually turn into goodbyes. And, yet it is winter, there are so many flowers across the path that's not hers. Her difficulty with commas in a foreign language reminds her of you. Now she knows it can be real. And nothing matters but what you mean when you say when you write.

The nights you don't show up are plain of you. They are created out of invented expressions. Of mistakes and learning. But not once forgetfulness.

The nights you don't show up she wastes dealing with her current boyfriend. They sure speak a different language yet they have the same mother tongue. She blinks because that helps time passing. If things are so simple, why is it that her confused brain takes her to a forest? This is going nowhere, you all know what I mean.

You can count the notebooks around her room, because there are so many. She writes out of the blue, she takes notes so she doesn't loose any aspect of life. She's so pissed off at her uncles being artists. And her mom was one as well. Oh, I guess you don't really choose what you ought to be.

The nights you don't show up have your constant smell, and she was the one who really-liked-it-the-most. These nights are like an empty street which leads to so many places. She could even choose. Nights out of you, if she could say it.

They are playful since you see all these people outside with their colorful clothes, despite of all things, despite of you not showing up at night. The nights you don't show up require so many walking and no moving. A stop by at a random bar she doesn't really care about. She's paying attention to the boring fence across the avenue.

The nights you don't show up speak with your voice, and call your name. I look to see nothing, but I know there has been. Nights like this bring with them all little presents from past. They end up making her write her friend, though she has no patience at the girlie drama from the East. She was certain they were supposed to be brave over there. Anyway.

The nights you don't show up keep the handwriting marked in her view. She sees all things because once in a while she feels with her heart. She googled map (isn't it right we can creat all and any verbs in English, which is good when you don't even know how to conjugate verbs in your own language - argh, those romance languages!) her last international spot. And was reminded of you. The coldness, the huge windows always closed which make her wonder why they exist in first place, heavy doors made out of woods, a dog or two or maybe one in every house, the weird roofs which aren't all the same at least, the architecture so different from one of her uncles', the hidden sun in the end of the street, no one outside, some forgotten trash cans, and of course trees with no leaves - all so gloomy and yet she likes it. How is it where you live???

The nights you don't show up you are still here.


6 de fev. de 2015

Uma Garota Dividida

Uma garota divida não está aqui, e nem em todo lugar e nem em local algum.

Vivi-se como em um barco, sem firmeza porque o que mais se quer é mudar de lugar. Aqui, lá.

Uma garota dividida já não sabe mais fazer contas, deixa os detalhes passarem em sua frente, e conta nos dedos. Foi-se a sinfonia, ficou-se o asfalto cinza que cobre as ruas movimentadas e, por isso, tão paradas.

Uma garota dividida vai a loja e fica na duvida sobre um shampoo: tem-se nele o cheiro dele, por isso ela o volta para a prateleira só para pegá-lo novamente depois. Traz consigo para casa como quem nunca perdeu o que fora seu.

Uma garota dividida é como uma folha de papel branca. Ela é como o céu monótono dos dias de verão: de uma cor só. Ela é como as folhas das árvores da primavera: todas em um tom de verde. E ainda por cima lembra um vidro de lanchonete sujo. A visão fica embaçada, a tosse rouca vai sumindo, o cabelo não está mais bagunçado e toda a teoria criativa dos detalhes da vida espirou-se.

A menina dividida de duas pernas, dois pés e dois passos não vai a lugar nem um. Sequer sabe para onde caminhar, pois segue os passos sem graça que ela mesmo deu. O olho da coruja viu no escuro e o segredo fugiu do ouvido. A porta foi trancada e não restou vizinho algum para contar estória.

Dividi-se toda até que se junta, encontra-se e torna-se ela mesmo novamente.

De novo.

7 de jan. de 2015

O medo devora a alma - ou "Angst Essen Seele Auf"

O medo devora a alma, "Angst Essen Seele Auf" - assim, desse jeito.

O medo devora a alma, mas fala-se de "alma" bem baixinho que é para não despertar os tiranos.

A invasão contra os bárbaros salvou o mundo dividindo-o em dois: eles, e nós. E, claro, quem não está em lugar nenhum, como eu. Oh, como somos gratos, nós do mundo inteiro que no futuro seremos apenas história, a vocês, povos civilizados constituintes das causas tão nobres.

Quem são os bárbaros?

A balança do poder moveu-se com o ponteiro do relógio, sacudiu conforme a voz da multidão, cortou o dedo em uma faca. Tampa-se os olhos e os ouvidos. Enquanto isso, leva-se a vida como um dia comum.

O medo devora a alma porque nunca se sabe se serão capazes de fazer o que fizeram no passado. Será que hoje o mundo mudou? Será que hoje as pessoas mudaram? Será que uma geração pode mudar mesmo, assim tão rápido?!? Enquanto isso, o medo devora a alma e vivi-se um dia de cada vez enquanto tenta-se chegar a padaria. Vergonha nacional. Internacional. Do mundo inteiro. Mas virou apenas uma página da historia - será que eles estudam isto - a vergonha - na escola?

O medo devora a alma de um senhor das costas curvadas, roupas em tons bege, e uma sacola na mão. Ele reside ao fim da rua, mas eu diria que é tudo a mesma coisa. Ele é jogado para a esquina, levado cada vez mais para fora, até formar a periferia, que ele chama de casa.

O medo devora a alma porque as pessoas são intolerantes. Porque eu não quero ouvir falar de deus e não pode-se mais usar a caneta. O medo devora a alma porque não há mais câmaras de gás e o trabalho não liberta. Seremos todos comunistas em um bairro divino onde comeremos maçãs sentados em um muro a observar o outro morrer. O outro, não eu. Nunca nós mesmos.

O medo devora a alma e vira filme de cinema. Vira-se estrela de cinema. Vira-se ícone. Ensina-se mas nunca se sabe se foi aprendido.

Prometo que nunca haveria reparado em como o medo devora a alma se não fosse minha inteligente e sensata irmã, que leu e me apontou a ironia - tanta ironia em um título tão simples, sincero e profundo. E, claro, escrito de forma "errada" - "Angst Essen Seele Auf".

Ah, o medo devora tanto a alma! Teme-se a terra branca, escreve-se um título errado mantendo o erro linguístico com carinho, pensa-se, vive-se, trabalha-se e sobrevivendo iremos - aqueles que ficarem e não forem.

5 de jan. de 2015

Que horas são aí?

 Me diz que horas são por meio dos seus olhos. Me diz que assim vou olhar o ponteiro de ponta a cabeça e veremos os mesmos pontos minúsculos de poeira cósmica.

Diga-me que horas são neste local do mundo, assim tão distante de mim mas ao mesmo tempo sempre tão ao meu lado! Quase dentro de mim, fazendo-me quem sou.

Aqui há quatro cantos nas paredes, porque os cômodos tendem a ser quadrados. E o mundo já não é mais uma bola, pois esta ficando quadrado também. E as pessoas, e ate os cheiros das flores perfumosas.

As horas de todos os locais do mundo são a mesma, ainda que em horários diferentes. E assim também será o horário do fim do mundo, das alegrias e tristezas, ainda que este dia nunca chegue e exista apenas em livro.

A gente vai tomando socos da vida, mas nem é da vida não, e vai colecionando dores e um dia se da conta de parar para perguntar que horas são.

Há hora para tudo e a hora há de chegar. E neste momento os verbos do latim tão chatos irão se destacar da folha e serão apagados pelo sopro da memória. E neste momento será o mesmo momento para todo mundo.

E quando as horas passarem depressa porque houve muita felicidade envolvida, em outro local do mundo as horas passam devagar e doloridas, respingando. Tira-se um quadro da parece porque há tempo e leva ternura. Basta saber notar.

Me diz que horas são e me sacode, abra meus olhos que estão quase fechando, respira perto de mim, toma folego e me impulsiona, sussurra os segundos de vida que ainda restam no planeta - o mesmo para todos nos, quem diria - e não esquece de parar o tempo. Porque sim, perde-se tempo, o tempo é perdido.

Que horas são aí para você que, embora tão similar, é-me tão diferente (acho que acabei de inventar esta conjugação verbal, mas tudo vale a pena?). Que horas são os momentos que formam seus dias, e completam os segundos tao curtos e infinitos que, juntos, formam um vida toda com um fim ao final?

Diga-me as horas que eu te direi os momentos. Dá-me a mão neste mundo, eu que navego distante do sol porque prefiro o inverno. E sei que perdi os pontos cardeais de um momento que levou a todas as perdições da história.

Vem-se o vento, mas não antes de eu lhe perguntar: que horas são aí? A mesma que a minha?