9 de set. de 2017

O tempo que o tempo tem

Se paro para pensar no tempo que o tempo tem...

Me lembro que ainda ontem era outro dia. Em outro ano, e outra época, na mesma festa e em outro lugar.

O hoje é o ontem que acontece hoje de novo. Ainda ontem isso tudo era amanhã. Mas, hoje, já é hoje.

O tempo que o tempo tem leva consigo um pouco da gente. Mas eu sei que deixa muito de si, e de mim, e do outro, e de nós, e de todos. O mundo inteiro cabe no tempo. O tempo quase que não cabe em si.

Se pensássemos no tempo que o tempo tem... não teríamos mais tempo.

Eu hoje acordei e fui viver tudo de novo. Tudo outra vez. Mas como se fosse o primeiro dia. Todo dia que eu acordo é o primeiro dia.

Eu pensei que dentro de 5 minutos caberia uma eternidade: era setembro e eu ainda não tinha encontrado você, minha amiga, que hoje sente falta de mim. Hoje é setembro de novo, já te encontrei e nos separamos, porque cada um colocou o pé num continente - mas nas aulas de história era um mesmo.

Hoje é setembro e há 7 anos foi setembro de novo. Ano que vem, se a vida chegar, será setembro outra vez, e eu sei que setembro se repetirá até depois que a gente for embora.

Outro dia era esse mesmo dia de hoje, só que outro dia, ainda que do mesmo nome e mesmo número. Fazia um pouco de frio mas eu gostava de sentir um pouco de frio, então eu não vesti blusa de frio alguma - eu estava sendo eu. E chovia. Ou melhor, chuviscava. Havia umas árvores no caminho que eu nunca esqueci a cor: eram verde escuro. Uma bicicleta parada na esquina, e carros estacionados na diagonal. Atrás, havia os prédios de tijolos que eu bati o olho e os vi para sempre: jurei que iria desenhá-los em folha de papel, como eu fazia quando era jovem, mas desenhei mesmo foi na memória. Éramos cinco, depois éramos sei, e então sete. Mas faltava mais um: você, que faria de nós oito, e de mim inteira, e de nós dois quase um, só que dois, porque dois é número inteiro: são duas pessoas inteiras juntas. Você não estava, mas já era presente. Eu já te notava, mas não ousava te olhar. Era então onze horas da noite e você chegaste com um cartaz em mãos: e eu o vi, mas olhei mesmo foi para os seus olhos e o seu cabelo e o seu sorriso e o seu jeito de andar e o tom da sua voz e as palavras que você falava e o modo como você discorria e o seu cheiro que eu sentia. Eu só notei, e continuei sentada no sofá.

O tempo que o tempo tem, penso eu, deve caber dentro de uma caixinha. Eu fico pensando se o tempo tem mãos: que é para se segurar.

Se não, vivemo-lo. Até o último minuto, e todos os segundos, até o último dia da vida, e o que foi ontem, e o que é hoje, e o que já é quase amanhã. Vivamos, enquanto é tempo, o tempo que o tempo tem.

E, enquanto isso, o tempo entre os tempos, aquele no meio do caminho, entre o passado e o futuro: vivamos.