29 de mai. de 2014

Hoje eu quero voltar sozinha

Hoje eu quero voltar sozinha, poder ser tudo o que eu seria.

Quero voltar sozinha por aquele caminho frio que já conheço. Quero andar sem medo de perder meus livros emprestados. Enquanto isso, soletrar palavras estrangeiras enquanto converso comigo mesma em uma outra língua qualquer. E, ao longo do caminho, ter meus olhos fixos nas janelas que são a alma das casas.

Hoje eu quero voltar sozinha, cuidar da minha casa como se ela fosse o meu coração. Reler meus trabalhos escritos que me deram tanto trabalho mas também tanta alegria. Quero correr pelo chão de cimento. Até me cansar, perder o folego, mas sorrir para vida.

Hoje eu quero voltar sozinha sob um céu azul escuro atrás de mim. Como protagonista da minha própria vida e concorrente a realizar meus sonhos. Quero escrever em um papel todas as minhas dúvidas, tristezas, pensamentos, memórias doces e conquistas. Quero tirar fotos com meus olhos e guardá-las la no fundo da minha mente distraída.

Hoje eu quero voltar sozinha por um caminho desconhecido, que passa por trás de um museu. Onde ninguém irá me ver porque quero estar sozinha. Quero fazer-me companhia porque gosto muito da minha própria presença, embora nem sempre eu me seja doce. Quero rabiscar as coisas inacabadas, dando um fim a elas. E levantar da cama ainda sem tirar as meias, sem a gastura de pisar no chão.

Desejo guardar comigo os meus segredos, porque são só meus e eu só os dividiria com minha mãe, a quem sei que me quer mais bem do que qualquer pessoa. Mas hoje eu quero voltar sozinha, voltar para um lugar que nunca deixei. Pular o muro porque acho que assim vou mais rápido. Não me importar com a semântica das palavras. 

Hoje eu quero voltar sozinha por um caminho que é meu.

26 de mai. de 2014

Uma aprendizagem ou o livro dos prazeres

A bota que bate no solo, a passos firmes, e me provoca arrepios. Olho para cima e o contorno do seu corpo é moldado por um uniforme militar.

Perco-me em suas não-curvas, em seu corpo magro, em suas pernas bonitas, como me inspira. Paro-me em seus olhos. Encaro-os profundamente até me perder e me encontrar outra vez.

O cheio forte. Os cabelos ao vento que me chamam a atenção. As palavras rudes - ou seria apenas características da língua? Os gestos pequenos, o bosque logo acima, as ruas vazias e a neve derretida.

Embaixo dos meus braços, carrego um caderno. Nele escrevo aventuras. Suspiros. Sentidos. Desejos. Nele revivo tudo o que vivi um dia. Nele, está a minha vida.

E os passos largos, com pisadas fortes, continua a caminhar. Vai para um local ao norte que eu não sei onde, e neste momento me perco sozinha no caminho. Fui deixada para trás e sinto-me como uma aluna desorientada diante da tese. Estou no vazio deste mundo imenso. Estou pequena se vista do céu. Estou desatenta. Mas estou eu mesma.

Recordo-me dos livros de história e dos debates acadêmicos. Sou invadida por indagações gélidas que me cortam os dedos mas, ao lembrar teu nome, sou consumida por palpitações.

Fica-se as marcas. A cicatriz grande e profunda, mas pela qual tenho tanto carinho. Fica-se a minha mão estendida e, de volta, uma mão que me bate o rosto. Vai embora o meu sorriso, embora tenha-o cuidado com estima para ti. Todas as pequenas coisas que ocuparam tanto espaço - não porque eram pesadas, mas porque me eram queridas.

Vai-se, o que ficou.

25 de mai. de 2014

A companhia das letras

A companhia das letras tem pintado os meus muros, sustentado o meu chão, sido o rumo do futuro, a porta sob um vão.

Nas letras, encontrei-me; encontrei o que escrevi a você; encontrei o meu encontro; encontrei a solidão. Porque as letras vem mas vão, elas não pertencem a mim, a ninguém. As letras são o senhor do mundo.

A companhia das letras tem pegado em minhas mãos. Tem guiado as pessoas sensíveis. Tem enganado os desatentos. A companhia das letras torna-se a coisa mais preciosa a cada segundo de vida que passa.

Algumas companhias são mais preciosas do que outras - isto eu sempre soube, sem nem precisar escolher. Tem-se, por exemplo, aquela letra sublime que pinta o meu entardecer com suas palavras pessoais que ecoam no vento frio. Aquela letra que me deixou tantas cartas. Aquela letra que escrevia diários desde tenra idade. Aquela letras que escreveu um romance que me inspirou a vida e me ajudar formar. Aquela letra que mudou a história. A sua companhia, que habita dentro de mim. Sabe de quem estou falando, não é mesmo?

A companhia das letras, de forma suave, deixa marcas por onde passou. Grampeia as veias da gente. Impede o sangue de jorrar. Passa rápido mas tem presença forte. Guia-nos para onde sequer sabemos que iremos.

A companhia das letras tem me habitado desde que vim para cá.

22 de mai. de 2014

In my words, in my heart.

"The infinite feeling continue to be as infinite in words as it was in the heart" (Franz Kafka)

18 de mai. de 2014

A grandeza de não ser

Sou. Todos são, coisa ou outra.

Mas, por vezes, sou uma menina dividida. Isso, porque nunca sei se percorro o caminho correto ou o caminho do meu coração. O caminho correto seria aquele da justiça, sem curvas ou entrelinhas, em que trata-se os outros como se é tratado. Mas é que sou uma menina boazinha, por pior que isto possa parecer. Embora brava, tenho um coração justo que tende para a bondade e, por mais que as vezes eu queira que as pessoas que me foderam se fodam, acabo estendendo a mão, trocando palavras, respondendo o "oi" que me foi dado, ajudando quando se precisa, sendo gentil, e todo o etc mais que couber no caminho da bondade. Ridículo isso, eu sei.

Eu juro que as vezes gostaria de tratar as pessoas como elas me tratam. Igual elas me tratam. Igual elas me tratam. Igual elas me tratam. Em todos os sentidos - sejam eles bons ou ruins.

Mas é que, na maioria das vezes, eu sou apenas eu, e meu instinto de ser Márcia acaba dominando o meu ser, e eu não consigo trocar maldades.

Oh well, broken heart. That's what you get for being kind.

12 de mai. de 2014

O direito do mais forte

O direito do mais forte é ilustrado pelos livros que compõem uma estante.

Com um sopro de vento, apaga-se toda uma história. Já não se sabe o que aconteceu. Tudo agora faz parte do passado, onde jaz a consciência.

O direito do mais forte não dá chance e nem vez. Passa rápido como um vulto, cobre inteiro um coração. Habita onde a memoria apaga, cala um grito na escuridão.

Um quadro negro foi pintado pelo direito do mais forte. De fundo vermelho, lembrando uma cruz. Mais tarde, veio tons amarelos, em formato daquilo que habita o céu. E as pessoas - estas, consideradas não-pessoas - teriam que o vestir.

O direito do mais forte expulsa-os de casa. Faz-se habitar guetos. Manda pra fora o que é seu. Toma o que é propriedade privada. Já não existe lar.

O mais forte, penso eu, deveria ajudar. Mas, por apropriar-se do seu direito, o mais forte toma, rouba, mata e extermina. Assim é o direito do mais forte.

Passam-se os anos mas ficam as memórias, e as falas, e os filmes e livros, e os testemunhos. E você.

O direito do mais forte bate-me no rosto toda vez que vejo os seus olhos em minhas lembranças. Seus olhos claros, porém manchados com sangue pela culpa que perpetua a história.

O direito do mais forte jamais irá se calar, porque para sempre será falado. Mas, agora, pela voz dos outros. Os vivos. Os fugitivos. Os que tiveram sorte. Os que se esconderam. Os que habitaram sótãos. Os que tiveram uma chance. Os que mentiram. Os que não pareciam o que eram. Os que sobreviveram... os mais fracos.

6 de mai. de 2014

Let the writers speak

"So ugly they looked - German, English, French - so stupid."

(Virginia Woolf)

5 de mai. de 2014

The magic pen

I was given a magic pen. It was given to me the day I was born. I bet mom never knew and dad never really cared. Neither did I.

The magic pen writes. It does its best. It writes the history of the world. And it writes my history as well.

The magic pen goes forward and back. It writes even when my hands shake. There can't be regrets.

The magic pen has gone through many pages. Some lovely, nice pages. Some tough pages too. But they say it's the way people's books are written. I guess I just don't know.

My pen lives in my heart, and it can be friends with my mind sometimes. It has got some blue ink, some blue ink difficult to be erased. You know?

This pen of mine has read some others' pens. Things people have written. Things that have happened. Things that have got their mark. It's History after all. You can't run away from it. You can only feel guilty, my dear.

Pens have gone through shame, through cruelty and wars. They have gone through the life of the winners, who never lost any battle, if you think about it. That's the mystery they won't solve, them the pens. The justice of life. Is there any?

I was given a pen the day I became someone. I was probably only a child, but I started to write. I had no idea what it was, though. I have written so much, even though some of the stuff I've wrote were actually lived. I was given a pen I'm not supposed to lose. And sometimes I just wanna throw it away. Have it away from me. Have it where the things I write about are - kinda far.

I don't know what I'm writing about. That's why it makes sense.

1 de mai. de 2014

A dor

Um adeus dói. Um dia de fome dói. Muitos dias aguentando a fome quando o corpo já não consegue mais aguentar dói mais ainda. Frio dói. Calor dói muito mais. Soltar as mãos de quem se gosta dói. Andar por horas a fio dói. Mas faz bem. Andar por horas a fio sem saber onde se quer chegar dói mais ainda. Graduar-se dói. Não ter possibilidades dói. Felicidade extrema dói. O músculo do cotovelo sempre dói. Não viajar dói. Arrancar as flores de um canteiro, de certa forma, dói. Algo muito gelado dói. Lembrar-se dói. Não lembrar dói em alguém. Vê-lo dói. Não vê-lo dói. Escrever muito dói. Não escrever dói demais. A saudade dói. A saudade dói de maneira gostosa mas dói também de maneira cruel. A dicotomia dói. Os erros gramaticais doem muito. As chances perdidas doem. O céu rosa ao fim da tarde fria, de tão lindo, dói. As alegrias doem. Não sabem quando usar a vírgula, que é o meu caso agora, dói. Usa-la de maneira correta também dói. Olhar através do vidro dói. As páginas escritas falam da dor. As não escritas doem. 


A dor estar aí. Basta senti-la.