2 de dez. de 2014

Meu pé esquerdo

Meu pé esquerdo mostra a parte de mim. Escancara-me os olhos dos outros e os meus próprios, tira o meu cabelo do rosto e não me deixa tempo para recuperar o folego mesmo ao correr distâncias longas.

Um pé esquerdo te dedura, te corrige e te ensina. Mostra-se presente mesmo quando não se quer. Comporta-se como o olhar sob o ponto de vista de um lápis que repousa pelo caminho de uma memória.

Mas meu pé esquerdo não toma conta de mim, pois não se apossou da menina que fui e faria. Não sei mais desenhar e nem escrever poemas, pois falta-me a inspiração e perdi os detalhes. Vejo vontade em cada esquina das coisas, mas não habito mais o mundo da imaginação que mudou-se de dentro de mim e hoje mora lá fora.

Meu pé esquerdo não mais desenha e deixou sua veia artística secar. Diz-se que são fases e que a essência da pessoa nunca morrem - o que morrem são os corpos. O diário do mundo ainda não escreveu esta página do futuro em branca, e eu já quero desenhá-la.

Sob o ponto infinito que meus olhos criaram a uma curta distancia, ando com meu pé esquerdo que me acompanha mas sempre me deixa. Sou eu mesma, dona de mim. Apenas vou aonde vou, e irei até ficar. Direi a mim repetições sem sentidos que mais parecem sons rítmicos e confesso que agora, neste exato momento, não tenho a minima ideia do que escrevo, embora tudo faça muito sentido.

O horizonte ao seu aberto mostrou o risco para nos. O humano deixou de habitar o coração e os tons de azul congelaram. Um pé esquerdo sempre sera um pé esquerdo, mas tudo depende do ponto de vista. Acredito que minhas irmãs canhotas, juntas e separadas, formam muito mais talento do que um pé esquerdo - o meu pé esquerdo - poderia aturar. Um dia toda a inspiração foge...

O fim da tarde cinzento que bate na janela preenche as cicatrizes desformes que são apenas sentidas, mas sabe-se que estão la. E, comigo, assim, levo meu pé esquerdo, porque não me separo dele e ele já não faz mais parte de mim.

Um pé esquerdo é um pé esquerdo independente de qualquer coisa, senhorita Márcia.

12 de nov. de 2014

O sol do meio dia

O sol do meio dia chegou para cegar.

Embora brilhante, era assim tão forte que me apertava os olhos de uma maneira tão fina.

Este era então o destino do sol do meio dia - embora alegre de tão terno e quente, arrancava sempre um suspiro meu.

Enquanto isso, no polo norte, vive-se o dia, experimenta-se o gosto que o frio tem ao bater nos ossos, cozinha-se como se comer fosse uma obrigação e não um privilégio, e raramente ouve-se sons vizinhos. É assim então esta história: tão gêmea mas nem tão igual.

A gente pega na mão com um carinho que nem quer mais soltar, mas os dias crescem à medida que o tempo passa. O ar fica mais rarefeito, mas os jornais dirão que é o efeito do Trópico de Capricórnio. Os soldados já se foram, mas deixaram suas marcas.

O sol do meio dia trouxe consigo a lembrança de uma irmã, que habita diariamente minha mente. Ela sempre está aqui, lembrando-me de sua lembrança, fazendo-se presente mesmo tão longe, deixando-me sozinha sem o amor de sua companhia. Como me dói estar longe da minha irmã do meio, meu grande amor. Como dói cada pedacinho de mim se a mão dela não está a uma distância ao alcance.

Mas, enquanto isso, celebra-se, pois é sol do meio dia.

14 de out. de 2014

Deixe recado

Irmãos são todos nossos porque são a gente e somos nós e são nossa mãe e nosso pai. E são a posteridade e a continuidade, mas não o que vem antes porque isto é apenas a gente - nós mesmos.

Formam, portanto toda porção de amor e apagam da memória toda a indelicadeza de um dia. Guardam para si como não palma de uma mão o sopro do vento e o ruído do coração. Falam de si ao olhar o mundo. Transgridem as leis antigas e apagam do universo toda a falta de criatividade.

É assim que deixa-se, é assim que se deixa passar. É assim que se vai e se vem como em um balanço no fim de uma rua com características soviéticas. Seria uma boa oportunidade para se falar de história, da ventania, da transgressão, das dietas calóricas de doce que consistem em engordar, das nuvens pesadas que carrego com os dedos, da luz da lua que ilumina um túnel dentro de mim, de todas as informações que meu cérebro não capitou e do amor de dividir um quarto durante a infância.

Se pensar, verá que irmãs moram longe, irmãs vão e vem, ficam aqui pouco tempo pois moram aí, levam consigo sempre um pedaço de mim. Não apenas porque se mudaram para outro país mas porque desde que nasceu divide comigo uma carga genética.

Vejo assim como é bom saber o que se tem do outro na gente, pois somos formados por todas as pessoas que passaram em nossa vida e cruzaram nosso caminho como se fosse flor.

Irmão e irmã deixam recado. Porque tudo o que eles foram e existiram moram embaixo do teto que a gente mora e vai vagando mundo afora aqui dentro do lado esquerdo do peito. Minha irmã foi-se para longe de mim mas deixou recado, porque mora aqui em mim toda ela: o seu sorriso, a sua mãozinha que eu tanto gosto de apertar, suas bochechas fofas que tanto lembram minha mãe, seu nariz que é do meu pai, seus doces que contornam a cozinha e dão forma ao meu corpo com tanto amor, seus olhos castanhos não tão escuros quanto os meus, suas mil línguas, esmaltes brilhantes e tanto mais coisa importante, única, especial e significantes que formam que você é, irmã, e faz de mim ser quem sou.

Irmã deixa recado, porque irmã faz parte da gente, mora na gente ainda que no polo norte, e perpetua o para todo o sempre.

26 de set. de 2014

Dias

E isto é apenas um dia comum. Com as cores gélidas de um centro da cidade em um dia insuportavelmente quente, e a correria das pessoas que quebram a lei.

Nunca se sabe qual scarf escolher, mas sempre se sente quando a escolha certa foi feita. O caminho é tão íngreme para se subir a pé - por que não uma carona? 

Os olhos de gato staring at you. Para sempre perdida entre dois idiomas, flutuando entre ter ganho conhecimento mas ter perdido um pouco de si. Penso que as flores são tão bonitas de se olhar, mas é tão chato ganhá-las de presente. 

Mais um dia.

Estão a milhas de distância a mão que eu mais gostei de apertar. O que me envolve mais ternamente. O azul que vejo longe da janela. As manias a serem superadas e os defeitos a serem corrigidos. 

Tudo parece tão longe e distante que nem se consegue alcançar com um grito. Assim nascem as fraquezas e, quem sabe, aptidões. Basta escolher, como se dar passos fosse algo simples. Há de haver disposição para as coisas belas e sujas, e o caderninho com pedaços de carinho anotados nunca sai de vista. 

Era uma vez uma multidão, um local inóspito, a mania de você, a certeza de ser quem se é, o coração apertadinho e o intuito de sobreviver em mais um quarto.

Afinal, trata-se apenas de uma dia comum.

23 de set. de 2014

Uma noite sobre a Terra

Uma noite sobre a Terra aconteceu em um dia qualquer. Mas o dia qualquer ganhou importância e veio habitar o meu coração.

Uma noite sobre a Terra volta-se a viver quando se deita a cabeça no travesseiro e fecha-se os olhos. Quando se perde em meio a tantas preposições ridículas do Português. Quando o espaço é um curto período de tempo. Quando a luz se apaga e nasce o dia.  

Em uma noite sobre a Terra, todos os acontecimentos de horas são revividos em segundos intensos – quem sabe minutos. E a menina, a protagonista da história mas não de sua própria vida, esta a contar os passos que da ao viver novamente um sonho.  

Soa assim tão estranho como as coisas imaginadas são tão fortes e presentes a ponto de fazerem-se sentir. Soa como o vento, que não se vê mas sabe-se que existe. Passa rápido e levemente, mas deixa marcas. E ninguém pode negar sua presença, ainda que nunca seja visto.


Aconteceu ontem na noite. Voltou acontecer e fui transportada para o local onde mais vivi e onde um pedaço de mim pra sempre irá viver, ainda que eu morra. Porque o que foi vivido com afeto dura-se uma vida inteira, e uma vida inteira acontece e, se tem sorte, é revivida em uma noite sobre a Terra.

22 de set. de 2014

Sublime


 Começarei pelo sorriso, que é o início e o fim e o meio. O caminho inteiro. O meu percurso mais doce nesta vida.  

O toque das mãos, o coração às vezes frio e o corpo tão quente. E a sensação que desperta em mim. O que chama a minha atenção e ganha importância para ser escrito. O que escrevo e transformo em para sempre, pois fica registrado no papel.

Tão sublime aquela camisa preta, e como realça a brancura de sua aura. A sua aura, que só eu vejo.

Tão sublime o olhar, por onde atravesso até chegar a seus mais obscuros pensamentos. Era uma vez um local na Terra, cenário para tudo sublime que um dia poderia acontecer em um período de tempo, não tão longo, mas tão intenso!

Sublime são as palavras, mas, mais ainda, o jeito de falar. O jeito de não falar. O barulho da risada. As manias. O modo como eu digo ainda algumas coisas como você. Aprendi contigo. Sublime é escutar a sua voz que me causa arrepios, que soa tão doce ao meu ouvido, que desperta as lembranças que fazem metade de eu ser quem eu sou. Tão sublime.

Sublime importância. Pois cuidarei com um zelo de mãe que tem um tesouro. Sublime, e tão leve, que deixa pesados meus braços e pernas, pois perco a forca. Isso tudo é desejo.

Sublime melodia, assovios que ecoam. Passeios de trem, a mão que me guia, os passos com os pés abertos – anda como o pai? Diz-se que sim, e eu lembrei

Sublime colo quentinho, onde me refugio e escondo-me de quem sou. Encaro-o nos olhos e recito os poemas e acordos internacionais e as ultimas noticias da política – tudo tem tão pouca importância. E, você, você me é tão sublime!

15 de set. de 2014

A falta que me faz

A falta que me faz habita dentro de mim. Lembra a si mesma todos os dias. Parece um corte no dedo, de onde sai sangue azul. Parece chuva de prata em um mundo tão longe.

A falta que me faz deixou presente uma neblina cinza. Parece que vai chover, mas a sensação é ao contrario. Como é suave e intensa a falta que a presença dela me faz.

Todos os dias, iguais, não mais são diferentes, porque a lembrança de ela não estar aqui soa sempre tão viva. Recordo-me de cada pedacinho de dia passado junto e, como uma dor dilacerante no peito, espero a hora passar. 

O sino da meia noite toca sozinho e eu não escuto mais as muitas línguas que ela fala. Eu também não entrego a ela todas as minhas duvidas, e todos os meus desentendimentos com a tecnologia, e tudo o que eu não sei na vida! - tudo por causa da falta que ela me faz.

Quando eu nasci, vim sozinha. Mas eu depois ganhei um presente que habitou comigo a mesma calçada 20 e tantos anos ... Ah, como é dolorido um pedacinho da gente sair de perto do que é nosso, de quem somos. 

Ando azul porque sou assim mesmo, desta cor tão bonita, até quando estou triste. Mas dentro de mim há o som de chuva que quer passar. Grito calado o nome dela pelo caminho - o nome dela é precioso como o vidro: chamo-a de irmã.

Irmã-irmãzinha, que falta você me faz. Desde que você saiu de perto dos meus braços, perdi metade de mim. E olha que eu já havia-me perdido toda anteriormente, mas ninguém na vida é mais amorosa e amada do que você!

Como eu queria ser menos egoísta, ficar feliz por você estar feliz, mesmo ai neste caminho do norte tão longe de mim. Mas acabo contorcendo-me toda, pois perdi a doçura da sua companhia. Tudo lembra você. Você esta aqui o tempo todo: nos lugares em que vou, nos locais em que fomos, nas coisas que deixou para trás, no meu pensamento, em minha casa, em meu coração. Você divide espaço dentro de mim com tão poucas pessoas, porque tão poucas pessoas me são tão preciosas como você!

A falta que me faz nasce com o amanhecer. Perdura ao longo do dia pelas tardes compridas e monótonas, e acentua-se ao cair da noite. A falta que me faz não falta, porque esta sempre aqui, gritando alto. A falta que me faz sera sempre sua, pois apenas você ocupa um lugar tão especial em meu coração. 

12 de set. de 2014

A Campeã

Esta história começa como todas as outras – aquelas que não começaram. Estas são as palavras que descrevem, de maneira debochada, a campeã.

Tudo começou com uma adolescência que veio, e as escolhas de uma mãe, e as malas pesadas, e os passos que trilham o caminho. Vem-se dias, vão-se anos, fica-se a menina – torna-se a campeã.

Era assim a campeã. Dessas que, acredita-se, é habitada por potencial. Dessas que vislumbram a lua e projeta-a em desenho para dar de presente e, assim, torna o passageiro algo eterno. Dessas que sacodem o cabelo sem notar as pequenas coisas irrelevantes que fazem-se pedras no caminho.

Então era assim a campeã. Tão precoce e porem tão forte, Já perdera a inocência porque experimentara o mundo e seu gosto mais amargo – aquele que fica no fundo do copo. Já enxergara as pessoas, já colhera as flores que murcharam, já diferenciava a subida da descida, já cantava antes do soar dos sinos. Era assim a campeã, como galo de igreja em montanha deserta, sabe como? Não, ninguém sabe.

Foi-se assim uma campeã. Assim tão jovial por dentro e tão responsável por fora. Sempre cheia de espelhos. Sempre atenta mas sem olhar. O peso das nuvens era a medida da vida, e um sopro calado era um soco no estômago.
A campeã perdeu muitas lutas. A campeã já nem sabe mais lutar. A campeã tem as mãos leves agora pesadas. A campeã descuida dos detalhes como cor de esmalte. A campeã notava as coisas que não eram escritas de forma bela e aquilo a machucava tanto.

Era uma vez uma campeã. Dessa que ganha luta enquanto perde-se um pouco da vida. Esta, que um dia esperou secar a água que irriga os olhos. Ah, como desejara ser forte, fria e malvada. Ah, como era difícil ser quem não era.

E viva a ironia. E o cansaço do mundo sobre os ombros, pois vive-se em exaustão - ou seria êxtase?


Devia-se ser a campeã, ainda que ela perdesse, ainda que ela ganhasse, ainda que ela não lutasse, conquanto que ela vivesse.

21 de ago. de 2014

Toque

Todas as coisas do mundo deveriam ser palpáveis. E não apenas sentidas, e não apenas lembradas, e não apenas vividas.

Elas deveriam caber na palma da minha mão, e estarem sempre em um local que os meus olhos pudessem alcançar.

Sei que os cheiros das coisas nunca morrem, eles vivem dentro de mim. E as lembranças mais intensas e queridas dormem em um canto especial da pessoa que sou. Mas, ainda sim, eu queria tocá-las.

E, se assim fosse, as manteria em uma caixinha antiga, dessas que compramos em brechós, cheia de significado. Sei que ela seria com detalhes azuis, pois não haveria espaço para mais nada. Eu jogaria ali dentro tudo quanto é lembrança e pedaço de vida vivido. E, talvez, não mais precisaria escrever - hoje, tudo é eterno por meio da escrita.

Se eu pudesse tocar nas coisas que me são queridas, tocaria com um gesto de carinho leve e intenso. Suave e profundo. Tão verdadeiro como a água. E iria acariciar até formar relevos de amor. E pediria para eu nunca mais chorar.

Se eu pudesse tocar as coisas que me são amadas, tocaria os dias vividos com amor. Tocaria aqueles meus dias que me foram os mais queridos, os com mais surpresa, os mais simples e por isso mais significantes. Tocaria como quem sopra ao pé do ouvido, pois sei que eles moram em um local chamado ontem. E fitaria com meus olhos castanhos que guardam tudo, sem piscar.

Se eu pudesse tocar no ontem, tocaria em você e neles, e nas folhas de caderno que me são tão preciosas pois contem poesia e literatura e versos. E você entenderia porque gosto de colecionar canetas - elas são tão importantes.

Se pudesse tocar em que fui, traria de volta a menina que sei ser. A menina dos cabelos longos e castanhos, que minha mãe tanto gostava. A menina dos cabelos que o pai gostava de ver quando era criança. Mas isso faz parte de um passado de uma idade que já não sou. Mas esta aqui comigo e, por isso, sou.

Se eu pudesse tocar nas coisas que me são tão preciosas eu tocaria com um amor tao inocente e livre de qualquer coisa, com um carinho tao verdadeiro e que não espera nada em troca, com uma vontade que mais soa como desejo, com um suspiro rápido como quando chega-se perto de um orgasmo, com as mãos que me são tao minhas, e com a sinceridade de ser quem sou.

11 de ago. de 2014

Estação Doçura

Chegue perto, estação doçura. Pois é em você que eu quero ficar.

Sopra-me os ventos do sul, e com ele traga o cheiro azedo de um alguém muito querido. Seja gelado sob meu corpo frio, envolva-me como em um laço, sem deixar-me ir. Sim, aperta-me, em sua mais doce estação.

Estação doçura é tudo aquilo que fez-me bem. Que tratou-me com carinho. Que falou-me baixinho. Que preferiu me escrever. Que olhou nos meus olhos, apenas esperando que eu abaixasse meu olhar timidamente. Estação doçura tem a aura azul.

Estação doçura é a parte mais forte e presente da vida da gente. Pode não ser a mais longa, mas é a que fica marcada, a que fica para sempre. Estação doçura é o que faz a gente ser quem a gente é, ainda que não sejamos assim diariamente. Porque as vezes a gente se esquece.

Estação doçura tem a forma de um abraço. Soa como palavras recitadas ao pé do ouvido. Parece casal apaixonado em portão com arquitetura medieval de um edifício abandonado de valor histórico. Fica gravada em folhas de um caderno bonito para ser sempre essa coisa especial.

Encanta-se a juventude, amortece os primeiros anos dessa fase adulta. Soa os sinos da igreja abandonada, pergunta-se para onde foram as perguntas. Tudo significa muito e nada faz sentido.

Estação doçura é onde quero estar. Habito um coração amolecido, e deixo-me me matar. Aos pouquinhos a gente se enfraquece toda, porque a estação doçura ficou parada em outra estação ... Dá vontade de pegar de volta o trem.

Estação doçura tem a cor que eu mais amo, tem lembrança cheirosa, tem segredos cheios de simbolismos. Ela trouxe para mim meus amigos fraternos, o carinho de uma mão, uma risada sem compromisso, uma comida que faz mal ao colesterol, e um sorvete ao fim do dia para provar que a perfeição existe.

Quero parar na estação doçura, onde habitei ternamente, e estar para sempre lá, assim cheia de ternura.

27 de jul. de 2014

Meu pé esquerdo

Meu pé esquerdo carrega comigo todas as coisas que já vivi na vida, e carrega a mim também.

Nele, apoio os ombros e meus pensamentos.

Desenho em folha de papel branca e crua a menina que fui e sou, não sabendo o que um dia serei - e se serei. Marco os contornos do meu corpo no desenho de leve, porque estou cansada dos conflitos históricos que não saem do lugar e não levam a lugar nenhum. O mundo é complicado demais, e eu faço parte dele assistindo.

Derramo tinta azul para dar alma a quem sou, porque sei que não há nada além disso e nada além de mim. Sou apenas quem sou, aqui e agora. E mantenho-me em pé sob meu esquerdo que me segura, me sustenta, divido comigo o mundo que levo nos ombros e anda comigo em círculos quando não sei para onde vou.

Diz-se que começa-se um bom dia com o pé direito mas eu muito desconfio que isto seja apenas um ditado desta região do mundo. Porque minhas duas irmas são canhotas e então o pé esquerdo só poderia trazer carinho e afeto a mim, e trazer-me para a vida.

20 de jul. de 2014

Aboli em um dia de pensamento

Aboli o mundo em um dia de pensamento.

Aboli as algemas que prendem as cabeças que não pensam. E desfiz as construções religiosas. Soprei nos ouvidos das pessoas velhinhas o soar do vento, sempre tão distinto. Amarrei com fita vermelha em forma de laço o carinho entre as pessoas.

Aboli este mundo em um dia de pensamento, e chacoalhei meus cabelos a fim de dizer não. Lembrei-me de que não sou ninguém, pois sou apenas alguém - eu mesma. Recortei com cuidado as memórias de um tempo bom que existiu e mantem-se para sempre.

No fim da rua, onde começa a União Soviética, pintei todos os muros sem vida e sem cor. Apenas para desafiar. Reli os livros que ando lendo para entender um pouco da história sobre outro ângulo - na verdade, os "maus" da história serão para sempre maus. Não há como mudar os fatos.

E, os detalhes, logo eles - sempre tão grandes aos meus olhos, embora tao pequenos e despercebidos para a humanidade! - foram sublinhados primeiramente de azul, mas depois pintei de cor de rosa, que é para alegrar este pedaço da história. A história é tão bonita e doída. E nem sei porque estou falando tanto dela - é que estou estudando em forma de lazer.

Aboli minhas mãos, as mangas das minhas blusas, cortei os cardaços dos sapatos, embora me refuse a andar descalço. Não gosto mesmo, não tem jeito. Retoquei o espelho com batom vermelho bem contornado, com traços delicados, mantendo-me viva. Olhei pela janela que mostrava a rua iluminada e escondi-me, tao tímida que sou.

Aboli este mundo em um dia de pensamento, porque os pensamentos acabam com tudo.

25 de jun. de 2014

O som das palavras ao fundo

Por vezes torna-se tão difícil expressar-me em palavras. Logo eu, que tenho apenas este recurso!

Sinto que quero escrever, mas sei que nada tenho. Vejo que, o que habita aqui dentro - este sentimento que tantas vezes transformo em palavras - vai-se indo para longe, como para o fim de uma rua na União Soviética.

Sinto que esta morrendo. Torço para que sim, reluto para que não. Vivo sempre neste redemoinho, sem conseguir libertar-me a mim mesma. Sim, eu.

O que vou lhe escrever é tão difícil, é tão silencioso. E é tão real que não precisa ser dito. As coisas são assim: quanto mais intensas e verdadeiras, mais silenciosas. Falar para que, se posso escrever?

15 de jun. de 2014

A Birthday Present ...

[...]
I do not want much of a present, anyway, this year. After all I am alive only by accident.

[...]

Can you not see I do not mind what it is. Can you not give it to me? Do not be ashamed--I do not mind if it is small.

Do not be mean, I am ready for enormity. Let us sit down to it, one on either side, admiring the gleam, The glaze, the mirrory variety of it. Let us eat our last supper at it, like a hospital plate. I know why you will not give it to me, You are terrified

[...]

I will only take it and go aside quietly. You will not even hear me opening it, no paper crackle, No falling ribbons, no scream at the end. I do not think you credit me with this discretion. If you only knew how the veils were killing my days. To you they are only transparencies, clear air. But my god, the clouds are like cotton. Armies of them. They are carbon monoxide. Sweetly, sweetly I breathe in, Filling my veins with invisibles, with the million

[...]

Is it impossible for you to let something go and have it go whole? Must you stamp each piece purple, Must you kill what you can? There is one thing I want today, and only you can give it to me.

[...]

I would admire the deep gravity of it, its timeless eyes. I would know you were serious. There would be a nobility then, there would be a birthday. And the knife not carve, but enter Pure and clean as the cry of a baby, And the universe slide from my side.

Sylvia Plath

1 de jun. de 2014

Yesterdays were like a holy sonnet

Death, be not proud, though some have called thee
Mighty and dreadful, for thou art not so;
For those whom thou think'st thou dost overthrow
Die not, poor Death, not yet canst thou kill me.
From rest and sleep, which but thy pictures be,
Much pleasure, then from thee much more must flow,
And soonest our best men with thee do go,
Rest of their bones, and soul's delivery.
Thou art slave to fate, chance, kings, and desperate men,
And dost with poison, war, and sickness dwell,
And poopy or charms can make us sleep as well
And better than thy stroke; why swell'st thou then?
One short sleep past, we wake eternally
And death shall be no more; Death, thou shalt die.

(John Donne)

29 de mai. de 2014

Hoje eu quero voltar sozinha

Hoje eu quero voltar sozinha, poder ser tudo o que eu seria.

Quero voltar sozinha por aquele caminho frio que já conheço. Quero andar sem medo de perder meus livros emprestados. Enquanto isso, soletrar palavras estrangeiras enquanto converso comigo mesma em uma outra língua qualquer. E, ao longo do caminho, ter meus olhos fixos nas janelas que são a alma das casas.

Hoje eu quero voltar sozinha, cuidar da minha casa como se ela fosse o meu coração. Reler meus trabalhos escritos que me deram tanto trabalho mas também tanta alegria. Quero correr pelo chão de cimento. Até me cansar, perder o folego, mas sorrir para vida.

Hoje eu quero voltar sozinha sob um céu azul escuro atrás de mim. Como protagonista da minha própria vida e concorrente a realizar meus sonhos. Quero escrever em um papel todas as minhas dúvidas, tristezas, pensamentos, memórias doces e conquistas. Quero tirar fotos com meus olhos e guardá-las la no fundo da minha mente distraída.

Hoje eu quero voltar sozinha por um caminho desconhecido, que passa por trás de um museu. Onde ninguém irá me ver porque quero estar sozinha. Quero fazer-me companhia porque gosto muito da minha própria presença, embora nem sempre eu me seja doce. Quero rabiscar as coisas inacabadas, dando um fim a elas. E levantar da cama ainda sem tirar as meias, sem a gastura de pisar no chão.

Desejo guardar comigo os meus segredos, porque são só meus e eu só os dividiria com minha mãe, a quem sei que me quer mais bem do que qualquer pessoa. Mas hoje eu quero voltar sozinha, voltar para um lugar que nunca deixei. Pular o muro porque acho que assim vou mais rápido. Não me importar com a semântica das palavras. 

Hoje eu quero voltar sozinha por um caminho que é meu.

26 de mai. de 2014

Uma aprendizagem ou o livro dos prazeres

A bota que bate no solo, a passos firmes, e me provoca arrepios. Olho para cima e o contorno do seu corpo é moldado por um uniforme militar.

Perco-me em suas não-curvas, em seu corpo magro, em suas pernas bonitas, como me inspira. Paro-me em seus olhos. Encaro-os profundamente até me perder e me encontrar outra vez.

O cheio forte. Os cabelos ao vento que me chamam a atenção. As palavras rudes - ou seria apenas características da língua? Os gestos pequenos, o bosque logo acima, as ruas vazias e a neve derretida.

Embaixo dos meus braços, carrego um caderno. Nele escrevo aventuras. Suspiros. Sentidos. Desejos. Nele revivo tudo o que vivi um dia. Nele, está a minha vida.

E os passos largos, com pisadas fortes, continua a caminhar. Vai para um local ao norte que eu não sei onde, e neste momento me perco sozinha no caminho. Fui deixada para trás e sinto-me como uma aluna desorientada diante da tese. Estou no vazio deste mundo imenso. Estou pequena se vista do céu. Estou desatenta. Mas estou eu mesma.

Recordo-me dos livros de história e dos debates acadêmicos. Sou invadida por indagações gélidas que me cortam os dedos mas, ao lembrar teu nome, sou consumida por palpitações.

Fica-se as marcas. A cicatriz grande e profunda, mas pela qual tenho tanto carinho. Fica-se a minha mão estendida e, de volta, uma mão que me bate o rosto. Vai embora o meu sorriso, embora tenha-o cuidado com estima para ti. Todas as pequenas coisas que ocuparam tanto espaço - não porque eram pesadas, mas porque me eram queridas.

Vai-se, o que ficou.

25 de mai. de 2014

A companhia das letras

A companhia das letras tem pintado os meus muros, sustentado o meu chão, sido o rumo do futuro, a porta sob um vão.

Nas letras, encontrei-me; encontrei o que escrevi a você; encontrei o meu encontro; encontrei a solidão. Porque as letras vem mas vão, elas não pertencem a mim, a ninguém. As letras são o senhor do mundo.

A companhia das letras tem pegado em minhas mãos. Tem guiado as pessoas sensíveis. Tem enganado os desatentos. A companhia das letras torna-se a coisa mais preciosa a cada segundo de vida que passa.

Algumas companhias são mais preciosas do que outras - isto eu sempre soube, sem nem precisar escolher. Tem-se, por exemplo, aquela letra sublime que pinta o meu entardecer com suas palavras pessoais que ecoam no vento frio. Aquela letra que me deixou tantas cartas. Aquela letra que escrevia diários desde tenra idade. Aquela letras que escreveu um romance que me inspirou a vida e me ajudar formar. Aquela letra que mudou a história. A sua companhia, que habita dentro de mim. Sabe de quem estou falando, não é mesmo?

A companhia das letras, de forma suave, deixa marcas por onde passou. Grampeia as veias da gente. Impede o sangue de jorrar. Passa rápido mas tem presença forte. Guia-nos para onde sequer sabemos que iremos.

A companhia das letras tem me habitado desde que vim para cá.

22 de mai. de 2014

In my words, in my heart.

"The infinite feeling continue to be as infinite in words as it was in the heart" (Franz Kafka)

18 de mai. de 2014

A grandeza de não ser

Sou. Todos são, coisa ou outra.

Mas, por vezes, sou uma menina dividida. Isso, porque nunca sei se percorro o caminho correto ou o caminho do meu coração. O caminho correto seria aquele da justiça, sem curvas ou entrelinhas, em que trata-se os outros como se é tratado. Mas é que sou uma menina boazinha, por pior que isto possa parecer. Embora brava, tenho um coração justo que tende para a bondade e, por mais que as vezes eu queira que as pessoas que me foderam se fodam, acabo estendendo a mão, trocando palavras, respondendo o "oi" que me foi dado, ajudando quando se precisa, sendo gentil, e todo o etc mais que couber no caminho da bondade. Ridículo isso, eu sei.

Eu juro que as vezes gostaria de tratar as pessoas como elas me tratam. Igual elas me tratam. Igual elas me tratam. Igual elas me tratam. Em todos os sentidos - sejam eles bons ou ruins.

Mas é que, na maioria das vezes, eu sou apenas eu, e meu instinto de ser Márcia acaba dominando o meu ser, e eu não consigo trocar maldades.

Oh well, broken heart. That's what you get for being kind.

12 de mai. de 2014

O direito do mais forte

O direito do mais forte é ilustrado pelos livros que compõem uma estante.

Com um sopro de vento, apaga-se toda uma história. Já não se sabe o que aconteceu. Tudo agora faz parte do passado, onde jaz a consciência.

O direito do mais forte não dá chance e nem vez. Passa rápido como um vulto, cobre inteiro um coração. Habita onde a memoria apaga, cala um grito na escuridão.

Um quadro negro foi pintado pelo direito do mais forte. De fundo vermelho, lembrando uma cruz. Mais tarde, veio tons amarelos, em formato daquilo que habita o céu. E as pessoas - estas, consideradas não-pessoas - teriam que o vestir.

O direito do mais forte expulsa-os de casa. Faz-se habitar guetos. Manda pra fora o que é seu. Toma o que é propriedade privada. Já não existe lar.

O mais forte, penso eu, deveria ajudar. Mas, por apropriar-se do seu direito, o mais forte toma, rouba, mata e extermina. Assim é o direito do mais forte.

Passam-se os anos mas ficam as memórias, e as falas, e os filmes e livros, e os testemunhos. E você.

O direito do mais forte bate-me no rosto toda vez que vejo os seus olhos em minhas lembranças. Seus olhos claros, porém manchados com sangue pela culpa que perpetua a história.

O direito do mais forte jamais irá se calar, porque para sempre será falado. Mas, agora, pela voz dos outros. Os vivos. Os fugitivos. Os que tiveram sorte. Os que se esconderam. Os que habitaram sótãos. Os que tiveram uma chance. Os que mentiram. Os que não pareciam o que eram. Os que sobreviveram... os mais fracos.

6 de mai. de 2014

Let the writers speak

"So ugly they looked - German, English, French - so stupid."

(Virginia Woolf)

5 de mai. de 2014

The magic pen

I was given a magic pen. It was given to me the day I was born. I bet mom never knew and dad never really cared. Neither did I.

The magic pen writes. It does its best. It writes the history of the world. And it writes my history as well.

The magic pen goes forward and back. It writes even when my hands shake. There can't be regrets.

The magic pen has gone through many pages. Some lovely, nice pages. Some tough pages too. But they say it's the way people's books are written. I guess I just don't know.

My pen lives in my heart, and it can be friends with my mind sometimes. It has got some blue ink, some blue ink difficult to be erased. You know?

This pen of mine has read some others' pens. Things people have written. Things that have happened. Things that have got their mark. It's History after all. You can't run away from it. You can only feel guilty, my dear.

Pens have gone through shame, through cruelty and wars. They have gone through the life of the winners, who never lost any battle, if you think about it. That's the mystery they won't solve, them the pens. The justice of life. Is there any?

I was given a pen the day I became someone. I was probably only a child, but I started to write. I had no idea what it was, though. I have written so much, even though some of the stuff I've wrote were actually lived. I was given a pen I'm not supposed to lose. And sometimes I just wanna throw it away. Have it away from me. Have it where the things I write about are - kinda far.

I don't know what I'm writing about. That's why it makes sense.

1 de mai. de 2014

A dor

Um adeus dói. Um dia de fome dói. Muitos dias aguentando a fome quando o corpo já não consegue mais aguentar dói mais ainda. Frio dói. Calor dói muito mais. Soltar as mãos de quem se gosta dói. Andar por horas a fio dói. Mas faz bem. Andar por horas a fio sem saber onde se quer chegar dói mais ainda. Graduar-se dói. Não ter possibilidades dói. Felicidade extrema dói. O músculo do cotovelo sempre dói. Não viajar dói. Arrancar as flores de um canteiro, de certa forma, dói. Algo muito gelado dói. Lembrar-se dói. Não lembrar dói em alguém. Vê-lo dói. Não vê-lo dói. Escrever muito dói. Não escrever dói demais. A saudade dói. A saudade dói de maneira gostosa mas dói também de maneira cruel. A dicotomia dói. Os erros gramaticais doem muito. As chances perdidas doem. O céu rosa ao fim da tarde fria, de tão lindo, dói. As alegrias doem. Não sabem quando usar a vírgula, que é o meu caso agora, dói. Usa-la de maneira correta também dói. Olhar através do vidro dói. As páginas escritas falam da dor. As não escritas doem. 


A dor estar aí. Basta senti-la.

29 de abr. de 2014

Coisas belas e sujas

Coisas belas e sujas, porque hoje estou assim, mas amanhã estou de outro modo.

Coisas belas e sujas, porque a ordem das palavras foge a qualquer indício de lógica existente ou criada. Belas e sujas, porque preciso comer mas também sobreviver. Belas, porque mantenho os cabelos soltos. Sujas, porque não os dou importância.

Coisas belas e sujas, porque esta não foi a vida que eu esperei para mim. Coisas belas e sujas, porque os portões da rua nunca deveriam ser trancados. Belas e sujas, porque tudo é tão simples que chega a ser complicado. E o complicado faz-se tão simples: basta não entender.

Coisas belas e sujas onde as pegadas marcaram de forma forte e envolvente. Onde soam como um abraço e uma sensação de sufocamento. Onde o toque deixou marcas dos dedos. Onde o sussurro fez-se ouvir. Coisas belas e sujas, quando olha-se os meus olhos escuros. Belas e sujas, nesta minha alma transparente mas também tão escondida. Minha.

As coisas do mundo são belas e sujas, são minhas e suas, são deles e de ninguém. São minhas sem ser. As coisas são belas e sujas, porque são sem existir. Belas e sujas como tudo.

Coisas belas e sujas, todos os dias.

24 de abr. de 2014

The Sun Also Rises

" 'Oh, Jake,' Brett said, 'we could have had such a damned good time together.' Ahead was a mounted policeman in khaki directing traffic. He raised his baton. The car slowed suddenly pressing Brett against me. 'Yes', I said. 'Isn't it pretty to think so?' "

(Ernest Hemingway)

8 de abr. de 2014

Laurence Anyways

(A princípio, seria apenas um filme)

O sentimento vem. Ao fim do dia, quando a pressa da rotina já perdeu o seu lugar e sumiu da minha frente.

Há espaço para você.

Por vezes a raiva me toma as mãos que comandam a minha vida. E, por mais que dure, ela é derrotada ao fim do dia, quando vem a lembrança e volta você, "anyways". Eu diria que correto é "anyway", by the way.

E por falar em raiva, as vezes pego-me questionando até quando ela virá e vai passar. Fico me perguntando se um dia ela vira e ficará para sempre, tomando o lugar de todo e qualquer sentimento carinhoso que ainda perdura por aqui. I wonder. Let's see.

Vivo em uma balança; ora tendo para um lado, ora tendo para o outro. Ora sou roubada por um, ora sou roubada por outro, quando quero ser apenas minha. Mas, ao fim do dia, vem aquele, anyways.

Meus pensamentos fogem de mim. Agrada-me tanto quando não me pego pensando no ato de pensar. Quando meus pensamentos adormecem. Ou quando eles tornam-se simples. Estou cansada dos pensamentos complexos. Eles me deixam exausta e não me levam a lugar nenhum. Afinal, nunca descobrirei nada com eles - tudo já foi descoberto - a não ser viajar sem sair do lugar.

Gosto também quando fico um dia todo sem ser visitada pela lembrança de você, pois, assim, garanto a mim mesma que ainda estou sob o meu controle. A lembrança da sua existência é uma coisa linda, mas também me doí muito. E, independente do decorrer dos acontecimentos, com certa frequência você visita algum cantinho meu - anyways.

Sinto-me leve, e acredito que estou me movendo. Mas então recebo a lembrança do seu rosto bonito e penso comigo: oh, anyways...

No matter what, it seems it's Laurence anyways.

Laurence, anyways...

1 de abr. de 2014

Entardecer

O entardecer me traz a lembrança de muitas coisas. Ele traz consigo a menina que fui eu. Ele sopra o vento com cheiro específico, pinta o fundo do céu, no fim da tarde, das cores doloridas.

O entardecer vem como um sopro doce. Chega de mansinho e vai tomando conta de quem sou eu. Cuida bem de mim. Mas, então, me da um soco no estômago.

O entardecer trouxe consigo minhas melhores horas, aquelas que nunca contei porque jamais conseguiria quantificar tamanha alegria. Ele traz consigo rastros de quadros em uma parede no fim do corredor, onde, logo mais, ficaria um quarto repleto de lembranças, almofadas, cheiros, desejos e beijos. E outro quarto logo a frente, nunca usado - apenas uma vez. Eu queria testá-lo, recorda-se?

O entardecer é frio. Ele é também escuro. Pesado. Profundo. Misterioso. Cheio de pensamentos que possuem significados. O entardecer, eu carrego comigo na manga da blusa. 

O entardecer me conta histórias vividas. Vividas em seu máximo. Vividas com o mais profundo amor. E, por isso e outras coisas mais, o entardecer, vez ou outra, dói. O entardecer grita comigo. Enxuga uma lágrima transparente que cai dos meus olhos escuros. Bagunça meus cabelos com o vento que traz no cair no dia. Tenta me levar para longe, como seu eu fosse leve. Prende-me ao presente. Soa como o futuro. Leva e traz de volta o passado.

O entardecer é meu amigo. Traz consigo o maior amor que eu já senti na vida. Faz doer minha barriga. E doem também as minhas mãos, os meus olhos, as minhas bochechas, o meu sorriso, o meu olhar, o meu falar e, principalmente, o meu coração.

O entardecer termina no fim do dia. Mas vem um novo amanhecer e, em seu decorrer, volta aqui o entardecer em minha vida.

16 de mar. de 2014

Coisas que perdemos pelo caminho

Perdemos a idade, porque ganhamos anos. Perdemos horas. Folhas de um calendário. Canetas variadas que ficaram espalhadas por aí.

Perdemos o dia mais importante que já aconteceu. Perdemos a oportunidade. Perdemos o cheiro que invade o nariz e adormece no coração para lá morar para sempre. Perdemos a batalha contra a natureza, ainda bem. Perdemos o ônibus, o metrô e a vontade.

Perdemos chances. Perdemos o amigo que um dia nos foi tao querido. Perdemos um amor. Perdemos inúmeros dias de chuva por não saber aproveitá-los - logo eu, que tanto os amo.

Perdemos noites de sono. Perdemos sonhos felizes. Perdemos o desejo de um dia a mais. Perdemos mais um amanhecer. Um dia, perderemos o sol para sempre. Mas, até lá, este dia nunca chega.

Perdemos as meias na escada. Perdemos a vergonha e o pudor. Perdemos beijos não trocados. Perdemos os números de telefone escritos em papel. Perdemos o desejo.

Perdemos chances de andar de mãos dadas. Perdemos o carinho em nossos cabelos. Perdemos um cílios que cai dos olhos com olhar profundo. Perdemos o tempo - o tempo, dá para ser perdido? Oh! It hurts, if you only knew...

Perdemos a vontade de caminhar. Perdemos as lembranças de infância que formam tantos "eus". Perdemos as pessoas que cruzam nossos caminhos. Perdemos também aquelas pessoas que deixam nossos caminhos.

Perdemos a juventude. Perdemos o rigor. Perdemos as oportunidades e perdemos conselhos. Perdemos a palestra, a folha de rascunho, a risada guardada e o segundo do tempo. Perdemos o especial. Perdemos a paciência. Perdemos o sensível. Perdemos o bruto com um soco no estômago. Perdemos farpas, o programa favorito na tv, a reprise de um dia marcante e a hora certa de atravessar uma rua.

E então, perde-se. Pois perdemos a nós mesmos.

9 de mar. de 2014

Little Fuge, by Sylvia Plath

[...]
I see your voice,
Black and leafy, as in my childhood,

A yew hedge of orders,
Gothic and barbarous, pure German.
Dead men crying from it.
I am guilty of nothing.

The yew my Christ, then.
Is it not as tortured?
And you, during the Great War
In the California delicatessen

Lopping the sausages!
They colour my sleep,
Red, mottled, like cut necks,
There was a silence!

Great silence of another order.
I was seven, I knew nothing.
The world occurred.
You had one leg, and a Prussian mind.

Now similar clouds
Are spreading their vacuous sheets.
Do you say nothing?
I am lame in the memory.

6 de mar. de 2014

O que você faria

Me diz o que você faria quando soubesse o que não fazer mais.

Diz para mim qual a metade do segredo das coisas simples e importantes. Conta-me o nome delas. Sopre ao meu ouvido, mantendo uma certa distância, para eu não me apaixonar.

Me diz o que você faria se você pudesse falar comigo. Se pudesse encostar em mim. Se olhasse outra vez em meus olhos. Se tocasse em minhas mãos macias.

Diga-me por onde tu andas e ensina-me o caminho de volta para casa.

Ensina-me a viver como quem come noz moscada. Como quem não liga para cores diferentes. Como quem esquece a graça de sorrir. Como quem partiu sem deixar para trás.

Me diz o que você faria como se me contasse um segredo. Chega perto do meu ouvido mais uma vez. Conta-me devagar, sorrindo. Fale baixo ao falar comigo. Conta-me o que você faria.

Diga-me como acontece a escrita. Como me encontro, eu que estou meio perdida. Como pulo do alto sem cair no chão. Como corro com estas pernas que já me levaram tão longe.

O que você faria se pudesse me encontrar e me contar, me contaria? O que você faria se eu lhe pedisse para me dizer o que fazer? O que você faria se, enfim, se desse conta que preciso que pegue em minha mão e me guie pelo cheiro dos seus olhos que só eu, apenas eu, pude encontrar? O que você faria se o mundo pudesse ser pintado de uma, e apenas uma, cor? O que você faria se todas as coisas fúteis tornassem um dia importantes? E se eu lhe dissesse que não me importo mais com sua pontuação incorreta nas frases?

Me diz o que você faria. Divide um pouquinho desta estrada comigo. Estou sem caminho.

Me diz o que você faria, porque quero tanto lhe ouvir.

5 de mar. de 2014

Houve uma vez um verão

Houve uma vez um verão.

Um momento que dediquei-me ao teu, ao que não era meu, ao que estava ao meu lado, ao que mais gostava, ao que mais desejava, ao que mais olhava, ao que mais existia.

Houve uma vez um verão e notei os pássaros a cantar. Eu, que nunca prestei atenção nestas coisas. Sei que a construção gramatical não está correta, mas esta sou eu e eu adoro quebrar regras.

Houve uma vez um verão em que te dediquei. Chamei-o de seu, dando-lhe o seu nome. Criei-o do nada, como quem cria um mundo que nunca existiu. No fundo, nada existia, pois as coisas todas foram criadas. E, durante a criação, esqueceram de você. Logo você, meu bem tão especial.

Houve uma vez um verão, listras coloridas que formavam ele, lábios frios contra o vento, cabelos longos batendo em meu rosto, leituras nunca em dia. Afinal de contas, o que valia a pena eu não havia escrito ainda.

Houve uma vez um verão, e eu te escrevi muitas letras que formavam palavras. E as palavras, significados. Formei-me a mim, dei-me a você. Tirei uma parte do meu braço, até hoje a sangrar, a doer. Ofereci o meu sorriso mais sincero, o meu raro sorriso. E meus olhos escuros, embora sempre muito claros, a fitar você.

Houve uma vez um verão e uma criação toda que criei para lhe comemorar. Um local ao subsolo. Comidas baratas, musica ao fundo, noite escura sem estrelas porque era sinal de chuva. Houve uma vez um verão e eu o criei com todo o cuidado, carinho e pedaço de mim.

Houve uma vez um verão que nunca deixou de ser e sempre irá existir. Este verão não entra no calendário e por isso foge das estações. Mas está ali, mais real do que nunca, porque me lembra você.

27 de fev. de 2014

O inventor da mocidade

O inventor da mocidade não sabia o que estava fazendo quando criou você. Quando criou eu. Quando criou todos nós.

Ele, o caro amigo, andava para lá e para cá e, embora sem rumo, chegava a algum lugar. O inventor da mocidade tinha planos maliciosos e um perfume de jasmim. Ele escrevia letras e desenhava frases inteiras que, mais tarde, viravam cartas. Cartas nunca escritas, imaginadas ou enviadas. Estava mesmo era planejando o futuro.

O inventor da mocidade tinha todas as cartas na mão. E um sorriso de lado, do lado esquerdo do rosto. Em seus olhos, podia-se enxergar tudo. E fazer chover. O inventor da mocidade muitas vezes molhou-me com lágrimas.

A mocidade toda vivia o momento, como um que jamais iria chegar. Os dias iam contando, as pessoas iam passando, as rotinas jamais ficaram e as lembranças foram cravadas no solo. Vivia-se um dia de cada vez, até mesmo com um pouco de dificuldade. Isso, porque havia muitas horas para gastar e quase pouco para se fazer quase nada. Tudo, porque eram jovens e formavam a mocidade.

O inventor da mocidade não reparou no erro que cometeu. Se distraiu em uma esquina de um campus, logo ali no local onde não deveria estar. O vento espalhou suas folhas de rascunho e as histórias se encontraram. Como era distraído o inventor da mocidade. E, agora, eles teriam que pagar o preço - mais tarde, ela pagaria pelos dois.

E os dias demorados passam mais lentos, porque são os mais dolorosos. Tudo o que é bonito um dia ficou. As nuvens foram empurradas como sopro de vento e no tecido macio ele encostou. Ficaram apenas as marcas dos dedos.

Ao inventor da mocidade dedicou-se muitas músicas. Muitas leituras. Muitos autores. Poucas flores e um vaso de porcelana. O inventor da mocidade, sempre acreditei, era um cara malvado e sem escrúpulos, que veio este mundo a passeio enquanto escrevia seus poema macabros. Vendo a brisa chegar e vivendo os segundos dos relógios antigos que pararam no tempo, o inventor da mocidade conectou corações, deu de ombros, gargalhou e foi embora.

Tudo o que restou foram eles, um dia jovens.

23 de fev. de 2014

A questão humana

A questão humana é muito mais simples do que se imagina. Tudo o que se precisa é um debruçar na janela.

A questão humana envolve dias frios com horas contadas, espera em consultórios como se as horas não valessem nada, a saga do capitalismo, gostar mais de cachorros, a grama sendo cortada e uma mão no bolso.

A questão humana pede que se esqueça as decepções que até então foram guardadas. Que se maneje bem a fechadura da porta. Que tire o cisco do olho com um sopro leve.

A questão humana é muito mais simples do que se parece. Envolve cartas guardadas, miolos de pão, feiras ao ar livre, coisas sem valor, listras de cores não combinando e palavras não ditas. A questão humana é algo assim bem chato.

Pede-se paciência e prudência para a menina que nunca soube esperar. Logo ela que se vê correndo pelas ruas sem freio, quando, na verdade, não sabe nem respirar. Apaga-se então essas contas matemáticas sem rumo, guarda-se as anotações sociais, passa-se a borracha, pula-se um muro. Nada, e tudo mais.

A questão humana nunca envolveu pessoas. E, por isso, ela, a menina, nunca fez parte. Como uma marginal, observa a sociedade da qual não faz parte. Tudo, porque as coisas giram em torno da questão humana.

Na verdade, ao fim do dia ela percebe que a questão humana é muito mais difícil do que se parece. Isso, porque será exigido dela aquela caminhada que ela não fez, os números das casas memorizados, o ônibus que perdeu, as cercas delicadas das casas, as flores que nunca teve interesse em comprar, o Estado estrangeiro ao longe, as grades fixas nas janelas do oriente, as decepções e coração cortado, a tesoura que lhe cortou o cabelo e doeu, o cão do vizinho que ora latia, ora a observava.

Ela, no final, preferiria não estar envolvida em questões como esta.

16 de fev. de 2014

It's been

It's been so long. It's been tense. It has always been present tense.

It's been through the windows, behind the doors. It's been my steps, it's been the way I look around, it's been how I hide my eyes.

It's been written, it's been reread, it's been many times. It's been blue, it's been warm, it's been real and it's been cold. It's been in the kitchen, perhaps in the garden. It's been all about the books. It's been important. It's been so simple.

It's been forgotten, it'll always be remembered. It's been difficult and it's been done.

It's been high. So fucking high. That kinda high.

It's been it. It's been this. It's been that. It's been all but also none. It's been all I care about, it's been all I am not. It's been a word I created.

It's been fiction, it's been novel, it's been mostly poetry. It's been English as well. It's been grammar and it's been that kinda math. It's been superficial and therefore so deep. It's been whatever.

It's been and it is.

14 de fev. de 2014

A diferença do mesmo

A mesma mão que aconchega quebra-me em pedaços.

O mesmo rosto que olha para mim, vira em direção contrária.

A mesma luz que brilha de dia faz morada noite afora.

O mesmo vento de outono sacode as flores na primavera.

Os degraus levam para cima e para baixo, os mesmos degraus de uma mesma escada.

O norte e o sul são apenas a mesma direção, distantes.

O frio que me acolhe também gela minha alma e corta meu rosto.

O cheiro que traz alegria é o mesmo que trouxe lembranças doloridas.

O que foi prazer ontem sequer é sabedoria hoje!

A cerca reparte dois lados de um mesmo local.

Os dias são, no fim das contas, apenas números.

Tudo se apaga e só é verdade o que um dia existiu.

12 de fev. de 2014

Pedaços de uma vida

Pedaços de uma vida guardam os dias como este na memória. Conta-se os passos. Observa-se o caminho - para não errar, para voltar a trás, para passar por lá outra vez.

Pedaços de uma vida tem cheiro e cores, e uma marca guardada no cimento de um prédio antigo abandonado de arquitetura medieval. Contorna-se de vermelho, preenche-se de azul. Vive um dia inteiro. Guarda a noite na palma da mão com carinho. Pedaços de uma vida são escritos.

Pedaços de uma vida guarda para si os lembretes doces de alguém que um dia existiu. Tenta-se esquecer qualquer dor, qualquer choro e qualquer ruído a fim de manter intacta a memória de um amor. Pedaços de uma vida são difíceis de rasgar.

Pedaços de uma vida, se correr, vê passando na beirada da estrada. Lá longe, onde não há mais nem horizonte. Pega-se um trem, fica-se perdida, conjuga-se verbos, rasga-se mapas e desiste-se de tudo. Principalmente da língua - quero dizer, idioma.

Pedaços de uma vida são as mensagens escritas carinhosas que recebo vez ou outra no telefone. A caixa inútil dos correios de Budapeste que era cheia de propagandas. O jardim das tulipas que nunca reguei e sempre floriu - que nunca entendi. Os enfeites que não tinham nada a ver comigo e por isso joguei fora. Minha curiosidade em manter-me segura. A casa do vizinho. O menino que escutava rock. A noite cheia de estrelas comigo na madrugada. E uma rua vazia.

Pedaços de uma vida sou eu andando sem rumo, pois assim sempre fui eu - descobrindo pelo caminho. Mudando a rota. Nunca fazendo ninho. Pedaços de uma vida são estralha746278 - eu não sei como escrever esta palavra! Mas algumas pessoas sabem o que quero dizer. Desenvolvi uma coisa só minha, em que falo com os olhos, com mímicas e em outra língua. Coisas dessa minha memória fraca, forte e teimosa.

Pedaços de uma vida estão espalhados em todos os lugares em que fui. Eles concentram-se em alguns locais especiais, é verdade. Mas estão em toda parte, basta cheirar. Pedaços de uma vida fazem pirraça, cansam-se fácil, tentam correr mas no fim apenas respiram fundo.

Pedaços de uma vida a gente tenta manter antes de desaparecer.

9 de fev. de 2014

Leste-Oeste

Era era o Leste. Ele, o Oeste.

Ela tinha seus longos cabelos castanhos e fugia do esteriótipo do velho continente. Ele, era a sua encarnação. 


Ela deixava-se levar e balançava quando o vento a tocava.. Ele era rígido como uma pedra.


Ela tinha um sorriso sincero, embora tenha chorado infinitas vezes durante sua jovem vida. Ele, mais jovem ainda, havia chorado poucas vezes e mais raras ainda eram as vezes em que ele sorrira com o coração. -algumas vezes teria sido para ela, como ela esperava acreditar?


Ele era mais alto e ela, embora mais baixa e frágil, sempre fora mais forte. Não tivera escolha. A vida a fizera assim.


Ela, o Leste, tinha sua janela detalhada e por ela via-se sua alma, sua identidade, suas manias, seus defeitos, suas coleções, seus livros espalhados pelo carpete e os outros empilhados, suas presilhas de cabelo, sua vida despedaçada em cores. Ele tinha uma janela monótoma e monocromática que nada mostrava.


Ela escrevia com as mãos, ainda que não no papel. Doava um pouco de si em cada uma das vezes, embora sempre fora inteira. Por isso, era tao verdadeira. Ele era frio e distante, como uma rocha onde coloca-se as estatuas dos ditadores, Führer, presidentes, chanceler, e tantos outros títulos políticos desnecessários que fizeram a diferença na humanidade.


Eles eram dois verões, dois invernos e um outono. Tinham suas almas na primavera quando se encontraram pela primeira vez. Eram dois extremos, dois opostos, dois jovens, dois adultos, duas estações de trem, dois segredos, dois pontos geográficos. 


Ela sempre seria a mais longe e ele sempre seria o mais distante. Ela sempre guardaria os mistérios e os encantos do Leste em sua alma descarada e aberta. Ele sempre mostraria suas mãos abertas, duras, cerradas e prontas para escrever um paragrafo da historia, mesmo que as vezes de forma cruel. 


Quantas pessoas haveriam passado sob os olhos dele e ele teria visto morrer? E ela, por quantas pessoas inocentes havia chorado? Eram dois corações, um gelado e um quente. Um fraco e por isso forte, e um frágil. Ela teve as portas abertas nos lugares de seus outros amigos e jamais encostou os pés onde ele estava. Seria ela destruída também?


Assim continua a historia que começou entre eles, entre o Leste e o Oeste, entre a Lua e o Sol, entre a menina e o forte ditador, entre dois mundos e um sentimento. O Leste seria cada vez mais jogado para leste, para longe, enquanto o Oeste fincaria seus pés no coração do continente, duro como uma pedra que só ele sabe ser, ditando as regras e cortando a alma dela, o Leste, como podia-se ver por meio dos seus olhos castanhos que choraram.

6 de fev. de 2014

Sonata de Inverno

Na sonata de inverno, encontram-se os mundos desconhecidos. Os mundos que nem existem, pois não foram ainda imaginados. 

A sonata de inverno comporta xícaras de cafe com as quais enfeito minha sala, longos passeios distantes que levam a lugar nenhum, uma rua sem saída no fim do mundo e os cabelos na cara. O vento, que vem em direção oposta, leva para longe as folhas de caderno escritas. Guarda-se para si o que fora escrito mas nunca enviado. Repara-se nos carros antigos estacionados em garagem. O mundo parou no tempo, não vale a pena mais evoluir. Já foi tudo, humanidade.

Em minha sonata de inverno, há uma musica triste tocando ao fundo. Quem toca é um cigano que encontrei em uma esquina qualquer porque, na querida velha Europa, a dona Sabedoria fala-se assim. Vamos discutir questões de colonização - todas as que não estão nos livros. Vamos fugir pelas portas do fundo. Vamos nos esconder e colocar a culpa na economia. Vamos aproveitar as férias e fugir para os países colonizados. Vamos ser nós mesmos. 

E a sonata de inverno, que continua, some pelo caminho de forma suave. Se eu tivesse direito a uma sonata de inverno, eu nunca jamais deixaria-a parar de tocar. Ela ficaria se repetindo em minha cabeça e contornando os meus pensamentos. Dando forma para as minhas ideias não tão brilhantes.

Em minha sonata de inverno, quem escreve a letra sou eu. Escrevo quando me dá vontade. Vivo a minha vida do meu jeito e, por isso, vou tomar sorvete no jantar. E, quando escuto a música, vejo a cor azul, em seus diferentes tons, e lembro que as pessoas dão nome para isso.

Em uma sonata de inverno, cabem meus versos, meu silencio e meu desejo. Cabem as coisas que abandonei, as coisas que nem comecei e as coisas que ainda não existem. Cabem flores não muito coloridas, papéis e mais papéis, minhas mãos firmes mas suaves, minha memória, as marcas do tempo e tudo aquilo que não sou. 

Pois isso, sou eu também.