21 de dez. de 2016

O fio da memória

O fio da memória é tão delicado: se quebra a qualquer momento. É que a memória é um fio.

A memória é um fio: um sorriso, um riso, ou a cor dos olhos dele.

A memória é um fio que risco: vou de uma página à outra. Rabisco letras abertas, que são nomes de pessoas como a gente. Somos nós. Posso dizer seu nome aqui para você saber que é você? É de você que falo quando escrevo. 

O fio da memória hoje passou por aqui: peguei um caderno e escrevi. Escolhi uma foto. Lembrei do jeito, do dia, da temperatura, para que lado ia o vento e o cheiro da água da chuva. A memória tem tantas facetas e faces. A memória tem a cara da gente, e eu te vejo nela.

O fio da memória hoje passou por aqui: cruzou a rua quando eu menos esperava, e eu me peguei sorrindo. Bati a mão, dei de ombros e continuei caminhando, porque minhas memórias levo comigo.

O fio da memória parece tão fino mas, se vem rente, corta e traz dor. Parece um fim de domingo, mas tudo aconteceu num sábado. Claro, são tudo metáforas porque a vida é o significado que a gente dá para ela: qual livro você está lendo neste momento?

O fio da memória tem a cor dos fios do seu cabelo. Tem o sorriso do seu rosto. Tem o cheiro do seu corpo. Tem a voz da sua fala. E, tudo isso, porque eu lembro assim. Porque a memória, num primeiro momento, sequer existia. Mas, depois que se vive, ela aparece e pronto: taí.

Eu hoje cruzei com o fio da memória e o encarei nos olhos - não com coragem, mas com ternura: eu sempre precisei ser corajosa, mas sou fraca no coração. Derreto-me como manteiga, sigo o caminho por não ter jeito. Mas, hoje, o fio da memória passou e eu não disse não. O aceitei, porque o criei um dia na vida e agora só me resta carregá-lo comigo. Ora choro, ora alivio, mas sei que é tudo o modo como olho para ela, a memória doce das coisas que vivi.

O fio da memória: será que eu me lembro?

18 de dez. de 2016

Levo meu rumo na minha mão

Mãe combina com mão. E é isso, mãe: levo meu rumo na minha mão.

Caminho para onde vou. Quase a chegar lá. Passos contidos, porém largos. Passos sozinhos. Passos meus.

Mãe, caminho nos trilhos e levo o meu rumo na minha mão.

Filho nasce e faz seu caminho, e então lembra que o rumo é seguir o / com o coração.

Um dia eu nasci e logo em seguida me dei conta. Mas, até lá, passaram-se anos. Mas era como se tudo fosse colocado num espectro do tempo e, como não havia nome, pensou-se que suficiente era respirar.

Mãe, se hoje caminho, levo meu rumo nas minhas mãos.

Um dia eu cresci aos olhos e eu fui ser quem eu era. Eu sempre era eu mesma, até de cabeça para baixo. O pai tenta ter influências, o pai apita com precisão - mãe, se hoje caminho, levo meu rumo nas minhas mãos.

Vieram as outras, aquelas que são depois de mim. Eu continuaria a ser a mesma, a primeira na escuridão. Seguia meus próprios passos, e levava meu rumo na minha mão. Mãe, quem é que me deu o que deveria ser dado naquele momento? E amanhã, quem será? E o dia de ontem, já passou?

Pois pisco meus olhos, pois há cisco nos cílios. Eu lembro que há de seguir e que para baixo é para cima, só não se vê bem porque são dias maravilhosamente nublados. Mãe, que rima com mão, falamos baixo para não acordar o pai, que é resumido pela falta de todas as palavras que existem - elas fogem, é sempre segunda guerra mundial: hoje eu caminho, e levo meu rumo nas minhas mãos.