26 de mai. de 2015

Um girassol da cor do seu cabelo

Eu procurei o mundo inteiro em cada cantinho por um girassol da cor do seu cabelo.

Eu pensei nele ao subir no ônibus e olhar para trás, onde haviam todos aqueles prédios gigantes que sufocam a gente, mas, no fundo, são necessários para ilustrar o pós-modernismo.

Eu procurei com cuidado, com meus olhos certeiros, nem piscar eu pisquei, e eu sei que no mundo não há outro girassol igual ao da cor do seu cabelo.

Eu escrevi com cuidado nas folhas que usei para descrever o girassol da cor do seu cabelo e, enquanto isso, vivi ao máximo. Eu o carreguei comigo em um lugar de mim muito especial e a ele eu soprei os suspiros.

Tão pequeno e sublime, tão querido e amado, será mais que um simples girassol?

Eu consigo ver o cheiro, enquanto todas as outras pessoas apenas sentem o odor. Eu o seguro com tanto carinho que minhas mãos aquecem. Eu olho para ele o tempo todo em que me for permitido.

Um girassol da cor do seu cabelo salva o dia. Faz a noite cair de forma doce como se tudo fosse justo. Ele bate com uma mão, mas assopra com a outra. Ele deixa em mim aquela coisa que eles chamam de sentimento mas que eu não sei explicar - sei mesmo é só sentir e ser eu.

No mundo inteiro, entre todas as pessoas, só ha um girassol da cor do seu cabelo e é meu desejo guardá-lo em um potinho cheio de renda, porque ele é tao único e especial. Será que duas pessoas, se juntarem, fazem outro girassol da cor do seu cabelo? E você, faria um girassolzinho como você e me daria de presente?

Se eu olhar e lembrar, eu vou chorar. Por isso, prefiro escrever. Como vai você, girassol? Mas o girassol só será você se ele for um girassol da cor do seu cabelo.

25 de mai. de 2015

Como se fosse a primeira vez

Como se só a partir de agora eu tivesse existido, olho em seu olhos que não vejo e não sei aonde estão e me peço com tamanha ternura.

Como se só agora eu tivesse passado a existir, pois nasci e entrei no mundo sem ser consultada - posso fazer um pedido?

Vamos pensar que nasci agora neste momento, e não tenho mácula alguma, pois ainda não vivi e não perdi a paciência com as coisas: olhe a expressão em meu rosto, pois é da mais profunda sinceridade. Eu sou sempre muito sincera até quando não sei que sou. Mas olha para mim, agora estou sendo sincera de propósito e estou contado-me a ti.

Experimentei novamente tudo de novo, eu que tanto fugi e tentei me escapar. Eu perdi todas as recordações e tive que pagar um dinheiro muito caro para tê -las de volta. E agora estou cuidando direitinho, embora o processo esteja me causando muitas reflexões, incômodos e saudade. Estou até com os olhos cheios de lágrimas e vou chorar.

Onde eu guardei as coisas que eu vivi e não escrevi eu não sei. Eu sei apenas que elas existem. Eu fico pensando que, mesmo que eu não me recorde, não lembre, não pense e não de atenção, as coisas existem porque um dia elas aconteceram. Elas mudaram de estado físico, mas não deixaram de existir.

Hoje, meu coração me diz calado em um resmungo contido que tudo ainda está como se fosse a primeira vez. O que estava adormecido estava apenas adormecido e foi reanimado com um toque de minha mão.

Eu, que fui aquela menina e que ainda a sou hoje, olho em seus olhos e peço: seu senhor, faz tudo de novo como se fosse a primeira vez? E como se eu estivesse pisando neste chão que chama-se vida pela primeira vez. E como se eu abrisse a boca para falar pela primeira vez. E nem pensamento eu ainda tivesse formado em minha mente. E como se minhas memórias ainda tivessem sido construídas porque não foram ainda vividas. Quero tudo como se fosse a primeira vez, e quero de novo.

24 de mai. de 2015

Scars of sweet paradise

If you don't believe there's a price
For this sweet paradise
Just remind me to show you the scars.

Bob Dylan
"Where Are You Tonight?"

- but I got that from my book, because I don't really listen to Bob Dylan. And I wanted to mention those scars of sweet, sweet paradise.

21 de mai. de 2015

Fé cega, faca amolada

Olha e vê.

Disse-num-disse, mas, se aconteceu, existiu.

Ao deitar a cabeça no travesseiro, mantem os olhos abertos. Não pensa muito, que é para não endoidar. Limpe os óculos.

Pega um mapa e ligue os pontos. Visite os locais certeiros. Vai, que nuvem não espera - quando vê, já passou e sumiu e nem nunca existiu.

Fico pensando quem é, no fim das contas, que nos deu as mãos e o cérebro e os olhos e os livros e os meios de se saber - se não era para saber, ora pois.

Quanto mais se raciocina, menos sentido faz. Quando mais se pensa, mais se sente. Sentimos muito, está tudo desculpado. Ora pois.

Questiona. Diz não. Dá meia volta. Bate o pé esquerdo. Tenha opinião se o saber existir, mas vale ficar na dúvida. O que não vale é ter fé simplesmente porque se deseja acreditar. Ah, pois.

Olha para lá e olha para cá. Olha para cima e olha para baixo. E há de se comparar? Anos luz em nossa frente estão eles.

Tudo começou há alguns anos quando peguei um trem e fui ver de perto. Com meus próprios olhos que me foram dados pela minha mãe e meu pai. Fui, porque foi-me permitido. Eu, que tenho o coração frio. Até chorei, e voltei do leste mudada e revoltada e eu queria interrogar todos os "envolvidos" com um questionário da História.

E desde então a humanidade não aprendeu nada e temos hoje pessoas cegas e pessoas que veem muito mas nada enxergam. E eu sou uma delas, mas tomo cuidado. Porque sou dona de mim e sempre estou em dúvida, porque nada - absolutamente nada - sei. E eu precisaria ser uma pessoa muita rica e viver mil vezes para aprender o Mundo.

Lembre-se: fé cega, faca amolada.

16 de mai. de 2015

O inventor da mocidade

Lá vem ele, das esquinas dos cantos do mundo: o inventor da mocidade que não passa dos seus 50 anos.  

Ele, muito vivido, traz consigo um cacho de balões que nos entrega com carinho. Distribui cadernos com folhas em branco, cujas capas são azul marinho com desenhos de peixe em tons verde, para que possamos escrevê -las nos mesmos. Tudo muito discreto e simples. Tão singelo o senhor.

Desde que passou por aqui pelos trilhos houve assovios e troca de olhares que diziam tudo. As lojas ficaram fechadas pois um momento de silêncio era forma de respeito. E, de repente, uma gargalhada no ar que não se sabe de onde veio, mas desconfio muito que ela existia dentro de cada um.

Há os bares baratos, cujas paredes têm marcas que me parecem da guerra - ou assim me parece - e as cadeiras são brancas e de plástico. E uma conversa doída percorre os degraus de uma escada um tanto movimentada. Traz consigo todo o cheiro da memória que invade a gente, aquela memória arrebatadora - sabe de qual estou falando? Escreve com letra bonita, mas deixe a gente ser a gente mesmo. Vamos cuidar melhor das flores - ah, as flores! Eu nunca liguei para as flores pois eu sempre pensei que elas sempre existiriam por si só.

Um muro muito alto foi construído e os limites foram traçados. O passos contínuos foram seguidos e, por isso, dados. Chegou-se onde se devia chegar. Ah!

O sorriso meigo esconde a força da menina. Por meio de um sussurro tem-se uma epifania. Só é necessário o que for primordial e haverá sempre um meio de sabermos o significado de todas as palavras simples e bonitas. O mundo ainda será constituído de roupas penduradas no varal. Olharei para as suas mãos e verei um gesto. Um toque de recolher será como um convite para jantar.

Cada noite dormida será como se ganhássemos mil novos anos, e quanto mais livros lêssemos menos tempo de vida gastaríamos. Eu sei que no fim estou ganhando, mas sempre encontro-me em um confronto moral entre parar e ler um livro, ou sair vivendo com os pés por aí.

Os quietos serão percebidos e os que falam muito se calarão. Tudo será escondido porque será revelado. A noite continuará sempre sendo mais clara que o dia, pois no escuro as coisas são como elas são, e não como nós a vemos. Um teto de vidro será construído para nos proteger, e pedir conselhos será como comprar bilhetes para o cinema. Iremos mudar de lugar como em um piscar de olhos, e, com mais outro piscar de olhos, estaremos apaixonados. Viveremos até a última gota até que se acabe o último minuto com precisão e exatidão.

E então teremos vencido e vivido e recebido o senhor da mocidade com os olhos brilhantes de uma cor de outono. E tudo o que era bom será como antes.

15 de mai. de 2015

A menina do fim da rua

E todos estes últimos dias, que têm sido de tom nublado do céu e de um frio que conforta a alma, me fazem lembrar que sou a menina do fim da rua.

Sou, porque fui. A menina do fim da rua usa meia xadrez e nunca, jamais, anda descalça com os pés no chão. Anda de chinelo. Mas, de pé no chão, não.

Sou a menina do fim da rua que foi para a praça em uma tarde de sábado vazia e gelada ler o livro da minha irmã. Corta-me o coração não poder sublinhar todas aquelas passagens bonitas que soam como poesia, por isso devo anotar no papel ao lado. A autora é cantora, e cantora que compõe e morou no Chelsea é também poeta. Tá explicado.

Porque sou a menina do fim da rua, vivo sempre com medo devido ao local do mundo de onde vim, tão imensamente violento. Desconfio até do fio de cabelo porque sou tímida para olhar nos olhos. Geralmente olho para a boca das pessoas enquanto elas falam. E quase nunca puxo assunto - sei mais é observar porque assim a gente aprende mais.

Não sou eu, porque sou a menina estrangeira. E isto me dá uma infinidade de caminhos por onde me esconder sem me revelar, pois, como disse, sou muito tímida. A minha língua - ou melhor, meu idioma - é da cor de um jornal e a escrita é cheia de curvas - tão difícil entender o que querem dizer por causa da grande subjetividade. E sinto-me justificada pois também não entendo nada do que você fala. Enquanto isso, fixo meu olhar nas janelas das casas ao redor - eu sempre gostei tanto de janelas e portas, eu queria até ser arquiteta de todo o meu coração só para viver desenhando. Mas eu posso desenhar sem ser arquiteta, apenas sendo eu mesma, e é isto que venho fazendo.

Ontem um pássaro passou sobre os meus cabelos e me achei de uma sorte tão grande. Muito obrigada, pássaro.

Sempre acho que estou surda de um ouvido, geralmente o ouvido direito. Isso é apenas para mudar de assunto. Para dizer que quando o dia acaba o tempo é meu e eu posso fazê-lo como quiser. Que eu acho um desperdício essa minha mania de nunca me sujar. E fui ao parque ver como as pessoas jogam futebol porque isso é uma coisa que eu não compreendo - há tantas outras coisas para se fazer!

Os pratos na pia eu deixo porque quero porque a casa é minha e moro sozinha - tenho sempre morado sozinha. Mas só para me contrariar as vezes vou lá e lavo tudo e deixo a casa muito sem graça de tão organizada. Disso eu não gosto, então já vou deixando minhas meias espalhadas por todos os cantos e convido os gatos a entrarem se não forem me atacar. Eu sempre achei gato tão delicado, independente e elegante mas, assim como ele não quer papo comigo, nunca quis papear. O que eu gosto nele é ele não precisar de mim e gostar da minha companhia só porque quer.

A menina do fim da rua compra pela foto da embalagem e ir ao supermercado tornou-se uma rotina dolorosa, pois levo 3 horas para não entender nada. Agora, pego tudo pela gravura e dou um voto de confiança aos alimentos. Mas, também, só como macarrão, sorvete e, nas sextas-feiras, chocolate. Também tomo muito leite porque se assim não o fosse eu não seria eu. Eu sempre acho que leite salva a gente de tudo e você pode até parar de comer e só tomar leite para o resto da vida que você nunca vai morrer de inanição - é que quando eu era uma criança minha mãe mandava eu tomar leite quando estava com fome.

Me aventurei uns passos além do portão da minha casa, até entro no ônibus que, me alertaram, tem ainda os parafusos da ex-URSS. E o que tem isso? Você já viu os ônibus do país que eu venho?! Vamos caminhar mais uns mil metros com o sol longe do rosto para uma rua sem saída pois eu só quero prestar atenção aos pequenos detalhes. O resto nada importa, dada a grande relevância. Na verdade, eu queria muito nutrir as minhas sardas no rosto e, por isso, deveria tomar um banho, uma enxurrada de sol! Deixa para outro dia.

Algumas vezes, me dou um agrado que é parar em uma padaria de esquina, muito desconfiada que estou, e comprar um doce ou biscoito. Pronto, dito e feito. Ruim e sem graça e sem gosto e sem açúcar - ah, como a minha vida tinha sido doce até aqui! Coloquei muito leite condensado em tudo.

A menina do fim da rua pôs um moletom e fui correr. Mas, antes, peguei de novo o ônibus pois fui encontrar com uma amiga em um lugar muito longe. A amiga tinge o cabelo de amarelo e tem cor de cenoura pois ela vai para uma das clinicas de bronzeamento artificial que lhe deixam laranja e estão em toda e cada esquina da cidade. Ao aguardar o ônibus na volta, gosto de me demorar um pouco porque fico a observar os meninos a conversar e fico tentando adivinhar o que eles estudam. Me interessa muito o que as pessoas estudam. Mas há pessoas que não estudaram nada, mas leram e viveram muito e sabem tudo - eu conheço uma pessoa assim bem próxima de mim e eu posso perguntar tudo a ele pois ele me responde de graça. Outras coisas, no entanto, eu é que tenho que contar a ele.

Eu nunca compro muita coisa, eu sempre acho que amanhã já chega logo. Observei um disco tocando lá dentro daquela janela - eu estou sempre bisbilhotando as janelas, mas juro que é por causa do design, mas acabo vendo o que há dentro - pessoas, música, álcool e amor. E meus olhos. Uma coisa que notei aqui é que tudo é velho, mas dentro dos prédios, logo além das janelas, as pessoas e coisas são jovens.

Vou-me parando por aqui pois já estamos quase no fim da rua e por entre os galhos secos esconde a noite e já vem para definir tudo. 


11 de mai. de 2015

A vida ao redor

A vida ao redor acontece como nos campos em que vemos uma toalha de piquenique xadrez vermelha. Ou vermelha xadrez. Parece cinema alemão.

As cartas são sempre escritas com um coração todo inspirado e percorre os quatro cantos do mundo na velocidade do vento. As portas na cor marrom são sempre as mais antigas e os vidros da lanchonete são sempre pintados com decoração de natal pelos melhores alunos do colégio. Eu frequentava a aula de artes.

A vida ao redor ecoa profunda, como em um aquário que mantenho no quarto, mas que nunca existiu. Eu sempre achei aquários nojentos e sempre tive muita dó dos peixes, embora soubesse que muitos estariam em pior condição. Mas isso não isentaria a minha culpa.

A vida ao redor parece bolsa de mulher, sem querer ser sexista. Tem um jeito parecido com os degraus que desço para evitar o elevador. Pois eu sempre pensei que pudesse encontrar surpresas pelas escadas, como um casal de namorados, sabe?

A vida ao redor é calma como um chá que a gente toma de tarde. Como o começo da noite - ou cair do dia - no início do outono: extremamente doce! Tem a arquitetura vitoriana de uma biblioteca em que me refugio. Chama pelo meu nome e me dá coragem de vir para fora.

A vida ao redor, como todos já sabem, tem a cor azul marinho e é escrita com minha letra que escrevi com minhas mãos. De verdade. Soa como um poema que não li em pé la na frente da sala pois sou muito tímida. Cheira como a chuva que fecha o dia com chave de ouro - existe nisso maior perfeição?

A vida ao redor a gente percorre de bicicleta e com um carinho todo especial. Ou com meu carro que que tem um D - de Detroit - na traseira e diz para todo mundo que ele é meu-tão-meu. Ou com os patins que aposentei na adolescência pois comecei muito nova contra a vontade de minha mãe. A vida ao redor corre tão depressa e escapa como água no canto do passeio: e eu nem sei para onde vai.

Todos os pensamentos são ditos e entendidos e desvendados. Não há espaço para pausas ou dúvidas ou certezas. Vive-se um dia de cada vez. Há tempo de se parar na padaria da esquina para comer um bolo seco cheio de tédio. Abraça-se as aventuras com que trombamos na esquina. Dá-se a mão. Conversa-se ate com estranhos! Há espaço para tanta gente.

A vida ao redor tem gosto de infância. Aliás, a vida ao redor tem gosto da fase mais gostosa da vida da gente. Somos nós que escolhemos, com refrão e tudo. Como em uma orquestra, a música pode ser tocada mais de uma vez. Ah!, e dou um suspiro tão forte.

A vida ao redor vai se formando enquanto escrevo estas palavras, que saem de mim sem muita hesitação. Escrevo, apenas. Mas eu juro que é tudo verdade em algum momento de alguma forma. Enquanto isso, há uma criança rindo a poucos metros. Quanta inocência e falta de preocupação ao redor.

E as árvores, todas em tom verde escuro e muito altas, fazem sombra para que possamos caminhar melhor. Elas escondem todas as rachaduras e com isso vamos vivendo. Os edifícios vazios são abraçados porque são cheios de história e a memória vive no coração. Não há mais tristeza ou saudade porque tudo que a gente viveu agora vive com a gente. O mundo é um só, e roda para todos. Será que podemos viver mais de uma vez? ... é que a gente vive tantas vezes em uma só vida, não é mesmo?

A vida ao redor chegou despercebida, tímida e calada, mas cheia de personalidade. Ela veio como ela é e só é fragil porque foi sempre, no fundo, muito forte. Ao se cansar, senta-se com os pés para cima. Ou então sai de cena para um canto com o livro na não e vai ler. Foge da mocidade porque se é sempre jovem um pouquinho. Repara bem naquela janela, ela conta a história de um povo.

A vida ao redor em que vivo, a vida ao redor de quem sou.