27 de set. de 2015

Domingo poderia ser sempre de dia

Ele custa a chegar. Ele chega, toca o sino e vem a tarde, e já vai perdendo a sua luz.

Domingo poderia ser sempre de dia. E eu me estenderia para gastar cada minuto de ti.

Pois, neste dia, as horas têm preguiça da vida, o estômago dorme sem fome e eu me encontro no que é meu. Domingo é a magia do tempo que o relógio não levou. Sou eu levantando cedo ou tarde - depende da minha vontade - e começando tudo do zero. Porque a sensação é que este dia é longo e é só meu, porque ele é de todos nós.

Domingo, as horas passam de dia, e, quando acaba, elas passam de tarde para só então a noite chegar. E a noite chega deitada, como que espreguiçada, tamanha a preguiça de deixar que o dia acabe.

Domingo poderia ser sempre de dia porque, no meu coração, ele demora a passar. Ele passa doído, porque não quer acabar. Domingo é apenas o último dia da semana, mas todo mundo o vê como se fosse o primeiro. Não é, não; domingo é o fim dos dias, é ele dizendo adeus, indo dormir, cheio de ternura e pouca vontade para o que não lhe convém.

Domingo parece um campo verde de futebol americano estendido - sabe como? Não, né? Nem eu sei, eu apenas meio que sei, mas ele é. Domingo parece um chá da tarde que tomo gelado, porque chá quente todo mundo já toma. Domingo se parece com folhas brancas mas escritas bagunçadas pelo chão. Ele se parece com os minutos em uma cidade pequena. Ele lembra abraço apertado como que não deixando ir, sabe como?

Domingo é o final de todos os dias. Mas é também o começo de todos os outros dias - volto a repetir.

Domingo já foi feio e sombrio, mas eu sempre vou na contra-mão e queixo-me se não sou eu mesma, então eu o pego para mim como um presente de embrulho, fito-o nos olhos e lhe digo: domingo, você é tão meu. E não vou deixar você ser de nenhuma maneira que não seja a minha. Pronto, domingo é agora o dia da semana que parece ser sempre de dia.

Ah, quantas coisas se pode fazer em um dia de domingo! E pode-se não fazer nada, que é também uma coisa muito boa de se fazer. Domingo, vem cá que eu lhe dou uma piscadela, puxo você para perto e vamos andando de mãos dadas - fica sempre comigo?

Eu quero viver todos os domingos da minha vida porque mesmo quando a vida acaba os domingos hão de existir. Ele parece um deus nórdico bravo, mas ele pode ser terno como uma folha de outono a cair em meus cílios. Ele é do jeito que você o trata, todo assim, cheio de personalidade. Os dias da semana são, afinal, como gente. Que coisa estranha.

Não vou me estender mais porque hoje é domingo, e cada minuto que passa é a tarde indo embora e eu não queria que este dia acabasse nunca, pois neste dia faço tudo o que eu quiser e apenas o que eu quiser e até nada que eu quiser se eu não quiser fazer nada.

Não vá embora não, Domingo. Se estenda mais um pouquinho, faça seu caminho, segura a minha mão. E então me guia para o dia seguinte, para a semana seguinte, para o ano seguinte, para a vida dos meus dias.

23 de set. de 2015

Quantas estrelas custa?

Quanto será mesmo o preço disto? E daquilo? E de ir?

Me diz quantas estrelas custa isso, e lhe dou meu livre-arbítrio e malas cheias de roupas e bugigangas e uma vida cheia de histórias.  

Fecho a cortina, começo tudo de novo. Levanto da cama em um dia comum que nasce de novo depois o sol se põe e terminou seu processo. Nem piscar eu pisco, e lhe dou a minha palavra como escrita em papel.

Quantas estrelas custa? Me diz porque eu quero muito saber. E vou levar um cantinho comigo, e vou deixar o vento passar e ir. Pergunto o preço porque quero ir junto, e sei que a rua não tem saída. E acho que nem dou a mínima. Quero mesmo ir.

Conto os dedos da minha mão, escrevo em uma folha rabiscada que achei por aí, retiro o cabelo do meu rosto e penso nas coisas materiais que compõem a vida de uma pessoa. Me diz - quantas estrelas custa? - e eu vou viver uma vida toda de renda como se fosse uma obra de arte feita por minha avó, e lhe mostro todos os meus dedos abertos porque entre eles não guardo nada, e não levo nada comigo. Doarei os meus poemas preferidos que habitam dentro dos livros no meu quarto - há sempre alguém que ainda nãos os leu. Sim, abro mão de todos eles se você me disser quantas estrelas custa.

Quantas estrelas custa e haveria apenas um preço. E eu sei que haveria dinheiro no mundo para pagar um sonho tão meu, mas o que me falta é a mão no caminho, mas sigo o rio e sou quem sou. A essência nada muda, o que muda são as estações do ano e a cor das folhas nas arvores, e eu acompanho tudo de longe. E eu presto atenção em tudo isso com um coração contido e doído e pergunto novamente: quantas estrelas custa?

Me fala o preço porque para o desejo não há o que se pagar - quantas estrelas custa?

9 de set. de 2015

Sob o peso da história

Sob o peso da história, e eu estaria mais leve.

Eu até jogaria meus cabelos ao vento, eu, com cara emburrada mas coração tão terno. Eu falaria baixinho um monte de repetições insensatas como se fossem criptografias. E seguiria meu caminho.

Sob o peso da história, e eu estaria mais leve. E seria mais eu. E piscaria meus olhos escuros sem parar. E ainda ousaria soltar uma gargalhada contida, pois não sou fã de barulhos demais. Seria uma celebração singela e as cores em branco representariam a vitória dos aliados. E estaríamos livres e sem o peso da história.

E neste momento eu não estaria falando mais do que de mim mesma. Então, pegue as anotações e lembre-se: falo do peso da história que alguns trazem consigo e, por isso, esqueça países. Falo de pessoas, falo de sentimentos e problemas, falo do que não quero viver, falo de um bebê chorando, falo de uma criança pirracenta e de um idoso segurando flores ao atravessar a rua, falo de um senhor mal humorado e paro para pensar se mau se escreve com "u" ou com "l" e, como sei que é com os dois - ah, como sinto o peso da história neste momento! - desmancho-me em pedaços de mim e sigo o vento disfarçado de brisa. Mas eu não me engano.

Um dia eu lhe disse que o caminho era duro. Não havia tanques de guerra nem trovões, mas era duro. Não havia rajadas de vento e nem cortinas as minhas janelas tinham, mas havia um peso, e um sobrepeso, e havia eu tão pequenininha. Pai, você está aí? Olhe aqui para mim deste lado, abre a porta pois a fechadura é pesada, puxa uma cadeira e se assenta para ouvir a estória que eu vou contar. Pai, você poderia? Você faria isto por mim?

Mas, neste momento, saí correndo.

E não se engane: não me refiro aqui aos noticiários e nem ao zum-zum-zum de comentários da imprensa internacional. Também apaguei as linhas dos mapas com minha borracha de escola e eu nem me lembro do dia. Mas eu gostaria muito de conversar sobre o assunto dos últimos tempos com você. Não estou fazendo julgamentos sobre a história vivida e nem sobre a história construída. Não estou colocando a culpa nas potências e nem redimindo os oprimidos.

Estou apenas carregando em mim e comigo o peso da história ...

E como pesa!