20 poucos anos esta noite foi o tempo que minha mãe me deu você. Me deu você como um presente, e me deixou escolher seu nome com tanto capricho e carinho.
20 e poucos anos foi tudo o que durou uma presença vivida, dessas como de filme de cinema, em que a pessoa está de pé ao seu lado. Estende-se a mão e se encosta nela. Esta noite.
E virão muito mais noites em que eu, parada ao pedestal de uma ponte sob o vento frio cortando o rosto e mexendo os cabelos, me perguntarei como escolher uma jaqueta azul sem a sua presença ao meu lado. Até minha mão parece com a sua, e como assim você está tão longe neste momento e em todos os outros que virão?
20 e poucos anos esta noite fazem que conheci você. Que a deixei tomar conta e espaço, que dividi o meu olhar contido. E todos os sonhos me foram embora como um sopro denso e breve. E a linha do tempo continuou reta até perder-se de vista. Onde tudo já era vivido, sobrou-se muita coisa: sobraram umas folhas de caderno em branco ainda nada escritas, os lugares interessantes em que viveu apenas por eu contar-te, as noites gélidas e quentes com muito amor, a exatidão dos minutos, a receita de um bolo, a letra escrita e toda trabalhada, a minha análise sob os centímetros, os nomes de filme com significado que me tocariam o coração e, claro, uma presilha de cabelo castanho meio curto, assim como você.
Todas as manhãs do tempo, e você não me está aqui. E me estou sozinha. E nem te chamo porque se te amei um dia você nunca irá-se embora. Neste momento, estou fazendo um uso exacerbado dos pronomes pessoais e possessivos porque, sem saber direito o que são, embora sejam. E encontro-me despida. Daí o uso frequente sem consultar gramatica alguma. Enquanto isso, o sol é o sol e o céu é azul no fundo.
20 poucos anos esta noite e tantas histórias ainda para se viver e outras tantas mais para se contar. O mundo é tão pequeno até que se dê uma volta no pólo norte. Sabe aquelas coisas que não lhe contei ainda, e os segredos que ainda nem percebi e as multidões paradas no ponto de ônibus? Sabe aquela mistura de cartões postais, os quais eu esqueci o nome? E a borda da bandeira marrom? Lembra-se dos grandes poetas no meio da noite? Sairão todos da minha boca pelos quatro cantos vazios onde ecoam-se os ecos e nada mais.
Há tanta coisa para se falar, para se dizer, para se calar e se entender. Há ainda tanta vida para ser vivida, e só tivemos 20 poucos anos esta noite. E todas as coisas que eu gostaria de lhe perguntar porque sei que jamais irei saber eu mesma? E toda aquela coisa de cientistas que você me conta de um jeito cor de rosa-shocking? As portas que batem, ainda que de vidro? E sobra um barulho ensurdecedor.
Lembro-me ainda dos poucos anos, em que éramos nada mais do que pequenas, e como eramos grandes. O tempo levou tudo isso para um esconderijo que é como uma caixinha de mãe, onde moram todas as ternuras do mundo.
20 poucos anos esta noite e eu ainda tenho o que me lamuriar, e sair para comer hambúrguer, e prometer nunca mais comer tanto só para deliciosamente ter esta promessa quebrada, contar os degraus de uma escada que significa tanta coisa na vida da gente, e ha também os livros que não lemos juntas e agora iremos ler em momentos separados. As letras de um alfabeto nórdico chegarão sempre com atraso e eu irei me perder toda, e ha ainda os caminhos molhados pela chuva. São apenas 20 poucos anos esta noite e ha tanto vivido e muito mais a se viver. Ha os momentos de uma juventude e a certeza de não saber. O jardins da biblioteca que poderia ser nosso refúgio, e as bandeirolas que caem sobre o parapeito da janela. O mergulho no azul marinho e o sorriso mais sincero da esquina dos charmes.
Oh, como é breve o tempo em que se vive perto, porque vive-se muito junto-separado, onde cá é sempre sol e verão, e lá é sempre outrora um inverno. Era uma vez um verão em nossas vidas, e o cheiro era tão bom que parecia outono. Tínhamos apenas 20 poucos anos e éramos irmãs tão diferentes mas parecidas, quase gêmeas. E éramos da mesma família e tínhamos juntas o gosto musical que você passou para mim. E tudo soou tão breve.
6 de abr. de 2015
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