24 de abr. de 2015

Passagem para a vida

Procura-se.

Procura-se uma passagem que se compre e te leve para a vida, ou a passagem pela qual se passa para chegar a tal destino.

Procura-se como quem colhe aquelas flores delicadas e brancas, as quais nunca soube o nome. E com uns olhos de leão valente, como um peixinho que sou.

Passagem para a vida é como uma mochila que se carrega nas costas. Uma mochila pesada, mas não pelas coisas que carregamos mas pelas coisas que nos carregam. Nos empurra. Nos levanta. Nos impulsiona. Nos carrega, verdadeiramente, nos braços. Ou nas costas. Até nos ombros!

Passagem para vida, e um copo de chocolate quente que lhe queimou a língua porque assim será com você todas as vezes em sua vida em que comprar um chocolate quente para beber. Não se consegue esperar e tem-se sempre a esperança de que já se pode experimentar. Como se fôssemos todos adultos mais que crescidos: fortes.

Passagem para a vida é aquele lugar só seu sem sentido algum mas que tem todo o significado por representar algo grandioso. São as gotas de chuva na janela e o vento batendo. O latido do cão ao lado que não lhe incomoda tanto porque lhe transborda amor. Uma planta verde no canto que chamamos de mato, porque tudo é mato e planta quando não se sabe o nome. E quando é que se sabe nome?

Passagem para a vida é você com todas aquelas inúmeras folhas cheias de anotações sobre o genocídio na Armênia. Você não se aguentando de ansiedade porque quer discutir o tema com aquela sua amiga da Macedônia, porque acredita-se que todo mundo que venha dos balcãs seja carregado de história. A passagem se parece como uma preparação em uma tarde durante a semana, porque o maior compromisso é consigo mesma. Um beijo jogado de longe. Seu cheiro tao característico que será sempre e apenas seu, a não ser que você permita que alguém chegue próximo o suficiente para senti-lo.

Passagem para a vida sou eu e todos os meus dizeres. Muitos não ditos, tantos escritos. Sou eu com o poder de voz que me é dado, como se eu tivesse a chance de falar tudo o que penso e acho e acredito e desconfio, e sair correndo. Abrir mão de um futuro logo aqui no presente. Respirar tão profundamente que se sente o sintoma do mundo. Eu sempre estou a fazer diagnósticos, acho-me uma psicanalista muito aprofundada e fajuta, porque me formei basicamente em seriados de tv, um semestre de psicologia e livro. E, claro, todas as minhas questões teóricas que, no ar, ganham uma tonalidade roxa. Ah, como eu sou vasta e o mundo é ambíguo.

Passagem para a vida é aquele trem que a gente pega, e aquele que a gente perde, e o outro que pegamos no lugar de nenhum dos dois. Embarca-se, porque sabe-se que chegaremos em algum lugar. Apenas não se sabe onde. Quem cai, do chão não passa, e a Terra no fim é redonda. O pior já aconteceu, ou teme-se os próximos capítulos? Vida, seremos amigas de infância e eu lhe comprarei um sorvete.

A passagem para a vida inclui a mim em uma estrada verde. A cor, neste sentido, não é simbólica, mas apenas uma cor que me veio na cabeça mesmo. Eu fecho os olhos para ver e então escuto a minha respiração - eu, que estive tão ocupada. Os olhos dos vilarejos estão todos sobre você, porque espera-se tanto de uma menina pequena! Oh deuses, o que se faz quando a gente cresce e vira pessoa adulta? Ganha um certificado ou perde-se um sapato ou outro?

Passagem para a vida e uma menina e seus utensílios. Ela guardava tudo como se sobrevivesse a um regime que lhe obrigasse a dividir tudo e não ter nada e despir-se de sua personalidade. Eu lhe confesso que nem sei o nome deste regime político, pois escutei muito os sermões de minha irmã e vi uns filmes de cineastas do leste. E eles não são a mesma coisa. Diz-se que o livro do grande teórico marxista era teoria, e que a prática foi outra. Mas o que eu digo é que o que aconteceu é tudo o que temos.

Passagem para a vida e eu me acordo como num interior de sábado, porque agora não é nem de dia nem de manha nem de tarde e nem hora alguma. Agora  um minuto só meu no meio da noite que já quase entra para a madrugada, onde se ganha vida pois todos dormem e, assim, vive-se mais verdadeiramente. Estou escrevendo este negócio porque estou repleta de informações que não são minhas e eu queria mesmo era cuidar apenas dos meus interesses e que tudo mais se explodisse como um vulcão que dorme. Pois cuido do mundo e esqueço o que é meu, e no meio do caminho perco parte daquela pessoa em que me transformei, como se tudo estivesse acabado. E, assim, sabe-se que as regras e os cubos são simpáticos ao caos, e uma linha reta é sempre mais direta e o caminho certo.

Agora, neste momento, confesso ainda que não sei de nada, pois escrevi tudo, o que se escreve só faz sentido em um outro dia, e eu só sei que é assim. Enquanto isso, prepara-se pois a gente veste a roupa que está ao nosso alcance no armário, de preferência na cor azul marinho, e assume o papel que nos foi dado porque a curva é logo ali e chega logo.

Avista-se a passagem para a vida e esta não se pode deixar passar.

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