22 de jun. de 2015

Como era verde o meu vale

Como era verde o meu vale! Tinha até cor de-não-sei-o-que, porque este era o detalhe menos importante.

Eu estava sempre com pressa, sempre correndo e sempre atarefada - a abraçar o mundo! Eu andava depressa que era para não dar tempo de a lua abaixar, pois assim já chegava a noite e eu nem tinha começado a viver a metade do dia. E, quando escurecia, eu me revivia toda e começava a ser eu mesma do ponto zero, porque sentia um sopro de vida na janela.

A minha juventude foi tão nova e tão velha. Foi tão calma e certeira. Foi tão fria e tão doce. Foi de um jeito todo especial de ser. Fui montando-a com carinho e, no fim, parecia um troféu que enfeitei a estante.

Em meu vale, que é um local mais do que físico - psicológico - eu mergulhei tão fundo como um peixe, sempre prendendo o ar para soltar depois assim de uma vez - cheia de prazer. Eu vivia aqui e vivia ali; eu escrevia a e redigia b. E ia vivendo.

Tive todas as minhas aventuras, que chamo de crescimento, patrocinadas com a ajuda de quem mais me via como uma atleta prestes a chegar ao pódio. Eu ia vivendo um dia de cada vez e, ao fim do ano, eu tinha conquistado tanta coisa que fazia uma mala e me mandava para um lugar todo novo.

E, assim, vivi mil vidas, mas sempre sendo eu. Dei um giro de 360 graus e nunca caí da escada. Minha maior preocupação era entender poemas. Eu me contorcia toda para escrever mil folhas e, quando acabava, parecia que eu tinha parido um filho lindo. Ficava cheia de graça.

Meu verde vale era como um transe. Era como acordar para a percepção mas esquecer, simplesmente deixar para lá. Era viver sempre devagar mas com vontade. Era deitar a cabeça no travesseiro como se o amanhã fosse como o melhor de hoje. Tomar um banho de chuveiro quente. Caminhar só porque não tenho nada mais para fazer. E me cansar. E então começar tudo de novo porque me resta apenas todo tempo do mundo.

Como era verde o meu vale, e eu pegava no sono. Observava uma manchinha de leve no rosto que desenhava o seu ser. Fugia para encontrar tempestades de neve como se elas fossem parte de mim. Toda dor me fazia mais forte e eu saía como uma pessoa melhor. Eu tinha um olhar detalhado para aquilo que me fazia bem. E as moças que trabalhavam na casa dos meus pais faziam de mim gente, sempre me dando a mão e de prontidão. Quanta doçura fazem um vale verde.

O meu vale era um menino descalço na rua que me chamava para brincar, e eu ia. Era uma estrada ainda não desbravada que me convidava a experimentá-la, e eu ia. Era um encontro para tomar chá, e eu enrolava mas ia. Eram meus medos transformados em frio na barriga com um pouco de ternura. Era pegar um trem que passa na estação de madrugada. Era contar o tempo como meu, fazendo o que eu quiser na hora em que bem entendesse. Tomar um sorvete no meio da tarde assim de bobeira como quem não quer nada. Perder a chave de casa e encontrar de novo.

Um dia eu dormi deitada e eu me senti deitada também. Deitada na vida. E na vida a gente tem é que se levantar. Eu digo isso porque um dia a gente cresce. E então me lembrei de como era verde o meu vale, de como sempre fiz o que desejei, da ajuda que recebi dos meus pais com todo o carinho que um pai e uma mãe podem dar para um experimento que eles puseram neste mundo tão vasto, da imensidão do mar azul sempre em frente, do telhado da casa vitoriana que enfeitou infâncias, do não entendimento mas toda compreensão da minha avó, das minhas manias, vontades e desejos, e, acima de tudo, do acontecimento.

Ah, como era verde o meu vale!

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