1 de jun. de 2015

Debruçar-se para o dia seguinte

Começava fazendo tudo perfeito. Escolhia o vestido preferido, aquele que fosse cheio de detalhes e que parecesse sair dos anos 60. Jogaria o cabelo para trás ao se olhar no espelho e, suspirava - ah! - porque fui cortar o cabelo tão curto se assim não fico parecida comigo? Agora só resta aguardar.

E então tomava conta dos mínimos detalhes. Aqueles cantos da casa que nunca varria seriam limpos e ela ajeitaria a escrivaninha do quarto. Os livros, pelo menos, já estavam ajeitados, embora não da maneira que sonhava - é que ela queria organizá-los por tema, os temas que ela gosta, e que são muitos, mas não havia espaço. Como o mundo é pequeno!

Estava na hora de ser quem é porque amanhã é grande dia. O dia que foi feito só para ela, embora acreditasse que ele só passara a existir deste jeito depois que ela nasceu. Olhou para a janela e tinha cheiro de chuva, o que lhe abriu um sorriso no rosto. Não precisa molhar, mas os tons cinzas e o vento frio lhe davam a lembrança de um dia em sua casa no mundo. Ela nunca sabia onde deveria morar.

Dançou a primeira dança com tanta coragem e escolha que ela também poderia ser a última dança. Para isso, pusera o vestido. Abriu os olhos, pois queria se lembrar de todas as coisas doces que já lhe acontecera na vida desde que ela passara a existir. E então veio a hora de calçar as suas meias azul marinho meio xadrez - estava vestindo meias frequentemente nos últimos tempos, mas uma coisa a fez parar e pensar: todo mundo na vida usava meias pretas, e apenas ela teria meias assim tão coloridas. Por que é que todo mundo na vida usa meias pretas e de uma cor só e em um tom tão triste e sem graça? Ela não sabia e não conseguira entender. E então foi vivendo.

Era hora de pintar as unhas para esperar que o esmalte começasse a sair, pois não ligava muito. E observou o tom castanho de seus cabelos e imaginou como aquilo era tão seu. O vento levou as folhas secas que ela havia varrido e então ela se ajeitou no sofá de um jeito que não fosse dormir.

Com quem dividia a casa, falava o mínimo de palavras possíveis, porque ela achara que palavras eram sempre tão especiais e só deveriam ser usadas com quem as merecia. Estava chegando a hora de tornar-se si mesma e mergulhar na histeria de um amanhecer, pois já quase era hora, e ela iria entregar-se a seu coração de ternura e, debruçada na janela, esperar as horas passarem pela rua.

Calma, já quase chega a hora de ser quem se é, a hora mais profunda do dia, o momento de ser quem viemos ser, e o instante de se transformar em quem se teria sido.

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