30 de jun. de 2016

Onde nunca é noite e nunca madrugada

Este momento nunca é noite e nunca madrugada: é entardecer por fora, é amanhecer por dentro.

Mas nao se engane: amo a noite e tenho preguiça do dia. É que de dia todos estao sendo todos, e todas as coisas sao todas as coisas, e as pessoas andam sempre acordadas quando poderiam estar dormindo. De dia, todo mundo faz o que tem que fazer: é de noite que se vive o que se pode ser.

Aqui, neste momento desta época do ano, o sol caiu e não se pôs. Ficou ali escondido, como quem olha ressabiado, pedindo permissão para sair e ouvir um "não!". Fica aí, sol, que todo este tempo nesta época do ano é todo meu.

Um dia eu acordei como acordo todo dia mas não era noite - nem era tarde, nem era dia. Era apenas o entardecer de uma nova contagem no relógio: conto em meus dedos quais dias choveram, quais dias ventaram, quais temperaturas fizeram, em quais horários escureceu mais cedo. Conto os dias contados, conto todos em minhas mãos. Conto as vezes em que no cinema estiveram os filmes bonitos e conto quantas vezes eu saí de casa e fui ver; conto quantos olhares troquei com amores interessantes; conto quantas vezes o céu ficou rosa e a lua apareceu mais, dando-me o ar da graça; conto cada banho delicioso que tomei e penso "será que todo mundo toma banho também em todo lugar do mundo", e já me respondo "ah, não". Mas não tem problema. Eu uma vez gostei de uma pessoa que não tomava banho, e até para ele não tomar banho eu pedia, só para ficar com mais do cheiro dele para mim.

Onde nunca é de noite e nunca madrugada passou rápido porque poderia durar. Mas também passou tão devagar-devagarzinho! Eu vivi cada dia dele e eu fui eu mesma até o fim, até me cansar de mim e me ser toda-todinha de novo novamente.

Lembro como as pessoas são mais bonitas onde nunca é de noite e nunca madrugada, e como sabem até se vestir. Eu coloquei meu lenço que carrego com as mãos e o coração no pescoço e me fui: me fui por aí, onde nunca é de noite e nunca de madrugada porque é sempre entardecer, quando a gente sente que viveu o dia.

Ele hoje se enrola nas cobertas - bem naquela coberta gostosa que minha avó comprou para ela mas me deu, sobre a qual eu liguei para agradecer muitas vezes, tamanho o amor que estou pela minha coberta em minhas noites - deita no meu ombro e sente o meu cheiro, que vai levar consigo durante os próximos meses que atravessar e tiver que percorrer.

Leva um pedaço meu consigo, leva que é para você se lembrar de fazer todo dia como nunca de noite e nunca de madrugada.

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