15 de jun. de 2016

Eu era o que sou mesmo

Esqueci de escrever: eu era o que sou mesmo.

Foi-se mas não perdeu-se. Ficou e se manteve. Se redescobriu sem deixar de ser. O que ela era, sempre existira. Bastava apenas olhar de novo, com os olhos fixos, a piscar devagar.

Um dia, andando pelas ruas da vida que eram cercadas por bosques, vi-me em mim e me disse: sou.

E eu, que sou-me, serei-me. Hei de ser, não há escapatória para a delícia de ser quem se é.

Quando eu fui feita, me deram as minhas mãos para eu escrever no papel; os meus olhos para eu ver e nunca mais esquecer; meus pés para eu dar os passos que eu quiser; bochechas gordas para dizer que sou filha da minha mãe; o resto dos detalhes do rosto para dizer que sou filha do meu pai; um cérebro para brigar comigo; e meu coração, onde moro. E todo o resto que sou eu.

Eu fui feita numa noite, não duvido. E nasci na madrugada do meu dia. Era quase de manhã, porque a noite havia há pouco dormido. Era ainda o dia mais frio dos dias frios de que se tem notícias, e eu pensei que era uma hora boa para chegar.

Desde então sou a minha biografia que vivo enquanto escrevo e que escrevo na medida da minha vida.  Sou raios de sol fracos por trás das nuvens e o rajar forte do vento. Sou uma coisa escondida na esquina da rua das casas com números pares, e sou destra apenas para ser diferente de tudo mais que fosse haver aqui em casa. E sou também os dias que vivi, e até os que tive preguiça de acontecer. Sou o bom dia não dado, essa mania de me ser sempre sincera, a doçura de se permitir.

Um dia eu me dividi contigo, e eu fui metade de mim. Há a outra parte que guardo comigo, e levo sorrindo, para o futuro a chegar para ele, irei inteira.

E, enquanto vou-me sendo, pego os pedaços de mim que me são comigo, e as lembranças que lhe são contigo, e vou indo: eu era o que sou mesmo - pois sou.

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