Todos os sonos em que lhe tenho no sonho me são cansativos. Acordo como quem nem dormiu. Abro a janela para ver a luz do dia e não vejo nada.
Era uma vez uma menina - no caso, eu - e algumas cidades, e alguns tempos que aqui prefiro contar os minutos, e uns lugares, e lembranças, e letras escritas mas nunca lidas, e o lugar do lado de fora. Era uma vez tudo isso porque não foi nada. É por isso que eu lembro do que não existiu.
O que não existiu levo comigo. Vez ou outra, paro, encaro-o nos olhos e penso: precisa sair do mundo das ideias de Platão para ganhar lugar, ou só de nascer já é? Não sei, mas levo comigo enquanto caminho.
Um dia eu deitei a cabeça no travesseiro e dormi culpada e acordei mártir. Eu fui a menina inocente que estava apenas fazendo o seu melhor - ainda que não o suficiente (espera, quem foi que disse?). E levantei da cama e fui viver meus dias que ainda restavam. Mas então, no meio da tarde, eu era lembrada do que não existiu: como isso era possível?
E você, porque não me deixa olhar os seus olhos? O motivo tem um nome, me diga qual é.
Era uma vez uma outra pessoa, desta vez um menino, e as ligações não feitas, e acordos implícitos não cumpridos, e tentativas que nem nasceram, e um monte de coisas dentro de si. Havia também a relutância em visitar um local ou outro que tivesse qualquer lembrança dela (eu, a menina), e os olhos voltados para baixo, como que fechados, para eu nunca mais ver a sua cor: como se eu precisasse ver de novo para saber, ha.
Um menino na vida e as trilhas percorridas, e os trens que cruzam países, e a passagem ridiculamente barata, e uns trocados jogados no fundo da mochila, e um cachecol enrolado no pescoço que lhe permite ir aonde se quer ir, e um pedaço de papel que não foi escrito, e uma boca calada de palavras não ditas, e um muito obrigado, e o meu muito obrigada, e umas lembranças que faríamos mas deixamos por fazer, e todos os outros amigos que ganharam lugar em sua vida e o prazer de sua companhia, e o tempo perdido, e o tempo vivido, e o tempo que hia de vir mas não veio - e minha gastura com os verbos no português, porque não sei me expressar direito e nem sei se este verbo, "hia", existe e, ao procurar, só achei uns escritos em latim - , e eu a menina porque sem eu não haveria a sua história, e a relutância em me ver como se para isso doesse os olhos.
De tudo isso, eu apenas queria dizer, com os ombros encolhidos e o coração em dor que se manifesta acima do peito e abaixo da garganta, que me lembro do que não existiu. Que me fazem visitas os pensamentos que estão atrás da mente mas que não coloco em palavras que virariam frases e expressariam o que estou sentindo. Que há os dias que não vieram e, por isso, não se foram. Que há a imagem de uma velha na esquina de uma padaria a comprar pão em uma cidade do fim do mundo em que fui habitar sozinha - tão valente que sou - e há os dizeres imperfeitos.
E eu queria expressar de alguma maneira que sempre sou invadida pela ausência de você, como se você estivesse aqui. E é sempre a mesma coisa: você tem que ir, pois o avião já parte; você mora em uma rua paralela a minha, mas não na minha casa; muitos conversam contigo a te olhar nos olhos, mas eu sequer consigo lhe escrever; chego no fim do sonho e encontro um lugar vazio, pois você foi embora e não me deu sequer a proper tchau. E porque fico ali, no fim da rua, a lembrar-se do que não existiu. E, dolorida, acordo para o novo dia.
Por fim, quero dizer que isto acontece nos sonhos que me invadem o sono da madrugada ou do dia (é que na noite estou acordada). E estou contando aqui o mais íntimo do meu ser, a me revelar todinha. Olha, eu sou muito sincera e honesta, mas há vezes em que doo-me toda para você me ler.
23 de jun. de 2016
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