4 de jul. de 2016

Apressa-te, amor

Quando olhamos para frente, com a certeza de saber nada, nos sentimos tão velhos. Mas quando olhamos para trás, ah, nos sentimos tão jovens. Parece que o dia começou ontem e só há pouco começou a clarear. A aurora que chega no fim do dia - mais precisamente, 18h - não tardará a se apressar, mas mas só para se estender devagarinho.

Será que, assim que o tempo passa, as ruas calçadas são trocadas? É que eu pisei nesta rua e queria deixar aqui sempre um passo meu. Vai que alguém se encontra perdido por aqui um dia...

Enquanto isso, apressa-te amor, apressa-te que amanhã eu morro! Vira o rosto e olha de volta para mim, que ando atrás de você. Desce os degraus como quem nunca aprendeu a andar. Mas apressa-te, amor.

Compra um leite para mim na padaria. Compra, porque leite é a minha bebida favorita. Guarda a caixa com carinho - se te ocupa lugar no coração, não há porque se ausentar de casa. Diz-se que na vida há lugar para tudo, mas o que mais ocupa espaço são as memórias das coisas vividas.

Lembra-se do dia que eu te escrevi um detalhe? Lembra de como te atentei para ele? E quando, mais vivida da vida, te segurei a mão? E te recebi num espaço e te dividi meus pais que eram até então só meus? E quando te dei as minhas roupas, porque você finalmente cabia nelas? E ainda li o que você escreveu - logo eu, eu não leio quase nada que as pessoas escrevem, porque estou sempre lendo os grandes escritores. Apressa-te, amor.

Apressa-te amor, chama o número de onde estou. São tantos números mas lembra que um deles é meu favorito. Dá um passo e entra no avião. Manda uma carta e eu vou te vendo. Prometo que não faço barulho, nem com meus olhos eu vejo, e ainda cuido do teu gato. Por isso, apressa-te, amor.

Apressa-te, meu outro amor. Inicia a letra escrita. Acaba, assinando o meu nome. Já sei qual nome é o seu. Ele está em todo o lugar e para ele tenho três pronúncias: como quer que eu te chame?

Apressa-te, amor, olha fundo nos meus olhos para nunca esquecer de qual cor eram. Pega e sente o meu cabelo, que é macio e tem cheiro de mim. Faz nascer em mim poesia que eu te escrevo - a ti me escrevo todinha. 

Repara bem nas minhas mãos, como andam perdidas. Não saem de mim, mas não me levam a lugar nenhum. Eu hoje olhei para o lado e vi seus olhos e abri um sorriso todo meu. Por isso, apressa-te, amor. Apressa-te que aqui ainda são menos horas, e você ganha mais tempo no dia. E você pode ainda se redimir, vivendo tudo o que teria vivido e não viveu - e nem me permitiu. Apressa-te, amor, anda rápido com ternura, estende os braços que irei lhe abraçar, faz um chamego ao pé do meu ouvido, fala uma palavra com um sotaque só-somente seu! Apressa-te amor, que eu não te esqueço.

Apressa-te, amor, que amanhã eu morro, que amanhã eu morro e não te vejo!

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