Este momento nunca é noite e nunca madrugada: é entardecer por fora, é amanhecer por dentro.
Mas nao se engane: amo a noite e tenho preguiça do dia. É que de dia todos estao sendo todos, e todas as coisas sao todas as coisas, e as pessoas andam sempre acordadas quando poderiam estar dormindo. De dia, todo mundo faz o que tem que fazer: é de noite que se vive o que se pode ser.
Aqui, neste momento desta época do ano, o sol caiu e não se pôs. Ficou ali escondido, como quem olha ressabiado, pedindo permissão para sair e ouvir um "não!". Fica aí, sol, que todo este tempo nesta época do ano é todo meu.
Um dia eu acordei como acordo todo dia mas não era noite - nem era tarde, nem era dia. Era apenas o entardecer de uma nova contagem no relógio: conto em meus dedos quais dias choveram, quais dias ventaram, quais temperaturas fizeram, em quais horários escureceu mais cedo. Conto os dias contados, conto todos em minhas mãos. Conto as vezes em que no cinema estiveram os filmes bonitos e conto quantas vezes eu saí de casa e fui ver; conto quantos olhares troquei com amores interessantes; conto quantas vezes o céu ficou rosa e a lua apareceu mais, dando-me o ar da graça; conto cada banho delicioso que tomei e penso "será que todo mundo toma banho também em todo lugar do mundo", e já me respondo "ah, não". Mas não tem problema. Eu uma vez gostei de uma pessoa que não tomava banho, e até para ele não tomar banho eu pedia, só para ficar com mais do cheiro dele para mim.
Onde nunca é de noite e nunca madrugada passou rápido porque poderia durar. Mas também passou tão devagar-devagarzinho! Eu vivi cada dia dele e eu fui eu mesma até o fim, até me cansar de mim e me ser toda-todinha de novo novamente.
Lembro como as pessoas são mais bonitas onde nunca é de noite e nunca madrugada, e como sabem até se vestir. Eu coloquei meu lenço que carrego com as mãos e o coração no pescoço e me fui: me fui por aí, onde nunca é de noite e nunca de madrugada porque é sempre entardecer, quando a gente sente que viveu o dia.
Ele hoje se enrola nas cobertas - bem naquela coberta gostosa que minha avó comprou para ela mas me deu, sobre a qual eu liguei para agradecer muitas vezes, tamanho o amor que estou pela minha coberta em minhas noites - deita no meu ombro e sente o meu cheiro, que vai levar consigo durante os próximos meses que atravessar e tiver que percorrer.
Leva um pedaço meu consigo, leva que é para você se lembrar de fazer todo dia como nunca de noite e nunca de madrugada.
30 de jun. de 2016
29 de jun. de 2016
Assim estava escrito
O mundo estava escrito no dia em que ganhou forma.
E tudo, desde então, tem estado ou sido escrito. O que não foi, vai ser ainda. E tudo não será mais do que palavras. Que serão tudo. Porque palavras dão significados para os nomes e números. Tudo é feito de palavras, não está lendo?
Um dia alguém pegou uma caneta, que naquela época era apenas chamada "tinta" ou algo assim, e escreveu em uma folha de papel. Sim, porque antes de se desenhar, tem-se que estar planejado. E pensamentos não são mais do que palavras a ganhar forma.
Pois assim estava escrito.
O que ela iria ser nem ela sabia, mas estava escrito. Todas as coisas do mundo, antes de serem, já estavam escritas - quero deixar claro que não estou falando de destino muito menos de profecias: estou falando de escrita, de traços, de linhas.
E, porque tudo estaria escrito, acabou-se o medo. E não morreu a esperança: nasceu o leve suspirar por esperar pelo que traz o amanhã.
Assim estava escrito era a desculpa para a procrastinação da moça com dois braços e duas pernas, e o estoque das coisas bem-quistas, e o deboche interior uma vez ou outra, e até o modo como ela prenderia o cabelo. Era também os olhares que ela dava e guardava para si, pois era tímida e não queria que eles soubessem que os estava vendo - digo, admirando - e o jeito metódico com que analisava o modo como as pessoas escreviam: só depois lia o que queriam dizer.
E até o que não estava escrito assim o era porque estava escrito, porque tudo o que foi imaginado será um dia vivido. Enquanto isso, escrevamos o presente, que é futuro até ser colocado em palavras, que tomam conta de um papel a garantir que o passado existiu.
Assim é, porque assim estava escrito.
E tudo, desde então, tem estado ou sido escrito. O que não foi, vai ser ainda. E tudo não será mais do que palavras. Que serão tudo. Porque palavras dão significados para os nomes e números. Tudo é feito de palavras, não está lendo?
Um dia alguém pegou uma caneta, que naquela época era apenas chamada "tinta" ou algo assim, e escreveu em uma folha de papel. Sim, porque antes de se desenhar, tem-se que estar planejado. E pensamentos não são mais do que palavras a ganhar forma.
Pois assim estava escrito.
O que ela iria ser nem ela sabia, mas estava escrito. Todas as coisas do mundo, antes de serem, já estavam escritas - quero deixar claro que não estou falando de destino muito menos de profecias: estou falando de escrita, de traços, de linhas.
E, porque tudo estaria escrito, acabou-se o medo. E não morreu a esperança: nasceu o leve suspirar por esperar pelo que traz o amanhã.
Assim estava escrito era a desculpa para a procrastinação da moça com dois braços e duas pernas, e o estoque das coisas bem-quistas, e o deboche interior uma vez ou outra, e até o modo como ela prenderia o cabelo. Era também os olhares que ela dava e guardava para si, pois era tímida e não queria que eles soubessem que os estava vendo - digo, admirando - e o jeito metódico com que analisava o modo como as pessoas escreviam: só depois lia o que queriam dizer.
E até o que não estava escrito assim o era porque estava escrito, porque tudo o que foi imaginado será um dia vivido. Enquanto isso, escrevamos o presente, que é futuro até ser colocado em palavras, que tomam conta de um papel a garantir que o passado existiu.
Assim é, porque assim estava escrito.
26 de jun. de 2016
E o sorriso que eu te levava desprendeu-se e caiu de mim
Mas não se engane: ainda há sorriso.
Mas o sorriso, que era seu em mim, materializado em minha boca como resultado de algo em você, se desprendeu. Caiu de mim.
Hoje os meus olhos veem até tons de azul diferente - eu nunca liguei para tons de azul, eu gostava apenas da cor em si. (sim, isto é uma metáfora)
Hoje o sorriso que eu te levava, se existe, está dormindo. Está colocando as meias no sapato. Está se preparando para deitar.
Porque, hoje, o sorriso que eu te levava volta a ser meu. Ele, que sempre morou em mim. Nasceu comigo no dia em que eu vi ao mundo e, ainda assim, chorei. É que a gente chora ao nascer com saudade da mãe da gente, mas logo se acostuma com o mundo.
Hoje os meus olhos voltam a ser meus, e eu olho para quem eu quiser. E vejo-os olhando para mim - sim, eles. Minhas mãos dão rumo aos dias, como a marcha que passo ao dirigir meu carro. Elas não mais estão a esperar pelo seu toque, porque não te alcançam e nem se importam. E os meus braços, que são os meus dois lados, também não se lembram de um toque seu.
Hoje, o sorriso que eu te levava desprendeu-se e caiu de mim. Nem parei para pegá-lo: tomei rumo e segui.
Sorri para ela e para ele, que são meus amigos feitos pelo caminho que um dia a vida me deu. Levo-os sempre comigo, no meu coração e em meus escritos, porque me permitem. São e estão presentes. Ah, que saudade eu sinto dos que me são queridos - sinto o tempo inteiro! Eu já acabo de os escrever e estou com saudades. Ela, que mora em um lugar que está apenas 1 hora de antecedência de mim mas há milhares de quilômetros de distância - como pode um lugar tão longe pelo tempo parecer tão perto?
E você, que está a 5 horas de distância de mim? Está mais longe ou mais perto? E estou contando isso de acordo com o relógio regulado pelo horário de verão? Quando é o horário de inverno, todo o outro tempo? Pego-me envolvida com estas burocracias e me dou conta: o sorriso que eu te levava desprendeu-se - caso contrário, eu estaria escrevendo-te poesia.
Hoje, meu sorriso volta a ser meu e para as pessoas que me se fazem queridas.
P.S.: You don't own my smile. You don't even have it anymore. But I'm still nice. Because I am nice. Don't get me wrong ;)
Mas o sorriso, que era seu em mim, materializado em minha boca como resultado de algo em você, se desprendeu. Caiu de mim.
Hoje os meus olhos veem até tons de azul diferente - eu nunca liguei para tons de azul, eu gostava apenas da cor em si. (sim, isto é uma metáfora)
Hoje o sorriso que eu te levava, se existe, está dormindo. Está colocando as meias no sapato. Está se preparando para deitar.
Porque, hoje, o sorriso que eu te levava volta a ser meu. Ele, que sempre morou em mim. Nasceu comigo no dia em que eu vi ao mundo e, ainda assim, chorei. É que a gente chora ao nascer com saudade da mãe da gente, mas logo se acostuma com o mundo.
Hoje os meus olhos voltam a ser meus, e eu olho para quem eu quiser. E vejo-os olhando para mim - sim, eles. Minhas mãos dão rumo aos dias, como a marcha que passo ao dirigir meu carro. Elas não mais estão a esperar pelo seu toque, porque não te alcançam e nem se importam. E os meus braços, que são os meus dois lados, também não se lembram de um toque seu.
Hoje, o sorriso que eu te levava desprendeu-se e caiu de mim. Nem parei para pegá-lo: tomei rumo e segui.
Sorri para ela e para ele, que são meus amigos feitos pelo caminho que um dia a vida me deu. Levo-os sempre comigo, no meu coração e em meus escritos, porque me permitem. São e estão presentes. Ah, que saudade eu sinto dos que me são queridos - sinto o tempo inteiro! Eu já acabo de os escrever e estou com saudades. Ela, que mora em um lugar que está apenas 1 hora de antecedência de mim mas há milhares de quilômetros de distância - como pode um lugar tão longe pelo tempo parecer tão perto?
E você, que está a 5 horas de distância de mim? Está mais longe ou mais perto? E estou contando isso de acordo com o relógio regulado pelo horário de verão? Quando é o horário de inverno, todo o outro tempo? Pego-me envolvida com estas burocracias e me dou conta: o sorriso que eu te levava desprendeu-se - caso contrário, eu estaria escrevendo-te poesia.
Hoje, meu sorriso volta a ser meu e para as pessoas que me se fazem queridas.
P.S.: You don't own my smile. You don't even have it anymore. But I'm still nice. Because I am nice. Don't get me wrong ;)
23 de jun. de 2016
Lembrar-se do que não existiu
Todos os sonos em que lhe tenho no sonho me são cansativos. Acordo como quem nem dormiu. Abro a janela para ver a luz do dia e não vejo nada.
Era uma vez uma menina - no caso, eu - e algumas cidades, e alguns tempos que aqui prefiro contar os minutos, e uns lugares, e lembranças, e letras escritas mas nunca lidas, e o lugar do lado de fora. Era uma vez tudo isso porque não foi nada. É por isso que eu lembro do que não existiu.
O que não existiu levo comigo. Vez ou outra, paro, encaro-o nos olhos e penso: precisa sair do mundo das ideias de Platão para ganhar lugar, ou só de nascer já é? Não sei, mas levo comigo enquanto caminho.
Um dia eu deitei a cabeça no travesseiro e dormi culpada e acordei mártir. Eu fui a menina inocente que estava apenas fazendo o seu melhor - ainda que não o suficiente (espera, quem foi que disse?). E levantei da cama e fui viver meus dias que ainda restavam. Mas então, no meio da tarde, eu era lembrada do que não existiu: como isso era possível?
E você, porque não me deixa olhar os seus olhos? O motivo tem um nome, me diga qual é.
Era uma vez uma outra pessoa, desta vez um menino, e as ligações não feitas, e acordos implícitos não cumpridos, e tentativas que nem nasceram, e um monte de coisas dentro de si. Havia também a relutância em visitar um local ou outro que tivesse qualquer lembrança dela (eu, a menina), e os olhos voltados para baixo, como que fechados, para eu nunca mais ver a sua cor: como se eu precisasse ver de novo para saber, ha.
Um menino na vida e as trilhas percorridas, e os trens que cruzam países, e a passagem ridiculamente barata, e uns trocados jogados no fundo da mochila, e um cachecol enrolado no pescoço que lhe permite ir aonde se quer ir, e um pedaço de papel que não foi escrito, e uma boca calada de palavras não ditas, e um muito obrigado, e o meu muito obrigada, e umas lembranças que faríamos mas deixamos por fazer, e todos os outros amigos que ganharam lugar em sua vida e o prazer de sua companhia, e o tempo perdido, e o tempo vivido, e o tempo que hia de vir mas não veio - e minha gastura com os verbos no português, porque não sei me expressar direito e nem sei se este verbo, "hia", existe e, ao procurar, só achei uns escritos em latim - , e eu a menina porque sem eu não haveria a sua história, e a relutância em me ver como se para isso doesse os olhos.
De tudo isso, eu apenas queria dizer, com os ombros encolhidos e o coração em dor que se manifesta acima do peito e abaixo da garganta, que me lembro do que não existiu. Que me fazem visitas os pensamentos que estão atrás da mente mas que não coloco em palavras que virariam frases e expressariam o que estou sentindo. Que há os dias que não vieram e, por isso, não se foram. Que há a imagem de uma velha na esquina de uma padaria a comprar pão em uma cidade do fim do mundo em que fui habitar sozinha - tão valente que sou - e há os dizeres imperfeitos.
E eu queria expressar de alguma maneira que sempre sou invadida pela ausência de você, como se você estivesse aqui. E é sempre a mesma coisa: você tem que ir, pois o avião já parte; você mora em uma rua paralela a minha, mas não na minha casa; muitos conversam contigo a te olhar nos olhos, mas eu sequer consigo lhe escrever; chego no fim do sonho e encontro um lugar vazio, pois você foi embora e não me deu sequer a proper tchau. E porque fico ali, no fim da rua, a lembrar-se do que não existiu. E, dolorida, acordo para o novo dia.
Por fim, quero dizer que isto acontece nos sonhos que me invadem o sono da madrugada ou do dia (é que na noite estou acordada). E estou contando aqui o mais íntimo do meu ser, a me revelar todinha. Olha, eu sou muito sincera e honesta, mas há vezes em que doo-me toda para você me ler.
Era uma vez uma menina - no caso, eu - e algumas cidades, e alguns tempos que aqui prefiro contar os minutos, e uns lugares, e lembranças, e letras escritas mas nunca lidas, e o lugar do lado de fora. Era uma vez tudo isso porque não foi nada. É por isso que eu lembro do que não existiu.
O que não existiu levo comigo. Vez ou outra, paro, encaro-o nos olhos e penso: precisa sair do mundo das ideias de Platão para ganhar lugar, ou só de nascer já é? Não sei, mas levo comigo enquanto caminho.
Um dia eu deitei a cabeça no travesseiro e dormi culpada e acordei mártir. Eu fui a menina inocente que estava apenas fazendo o seu melhor - ainda que não o suficiente (espera, quem foi que disse?). E levantei da cama e fui viver meus dias que ainda restavam. Mas então, no meio da tarde, eu era lembrada do que não existiu: como isso era possível?
E você, porque não me deixa olhar os seus olhos? O motivo tem um nome, me diga qual é.
Era uma vez uma outra pessoa, desta vez um menino, e as ligações não feitas, e acordos implícitos não cumpridos, e tentativas que nem nasceram, e um monte de coisas dentro de si. Havia também a relutância em visitar um local ou outro que tivesse qualquer lembrança dela (eu, a menina), e os olhos voltados para baixo, como que fechados, para eu nunca mais ver a sua cor: como se eu precisasse ver de novo para saber, ha.
Um menino na vida e as trilhas percorridas, e os trens que cruzam países, e a passagem ridiculamente barata, e uns trocados jogados no fundo da mochila, e um cachecol enrolado no pescoço que lhe permite ir aonde se quer ir, e um pedaço de papel que não foi escrito, e uma boca calada de palavras não ditas, e um muito obrigado, e o meu muito obrigada, e umas lembranças que faríamos mas deixamos por fazer, e todos os outros amigos que ganharam lugar em sua vida e o prazer de sua companhia, e o tempo perdido, e o tempo vivido, e o tempo que hia de vir mas não veio - e minha gastura com os verbos no português, porque não sei me expressar direito e nem sei se este verbo, "hia", existe e, ao procurar, só achei uns escritos em latim - , e eu a menina porque sem eu não haveria a sua história, e a relutância em me ver como se para isso doesse os olhos.
De tudo isso, eu apenas queria dizer, com os ombros encolhidos e o coração em dor que se manifesta acima do peito e abaixo da garganta, que me lembro do que não existiu. Que me fazem visitas os pensamentos que estão atrás da mente mas que não coloco em palavras que virariam frases e expressariam o que estou sentindo. Que há os dias que não vieram e, por isso, não se foram. Que há a imagem de uma velha na esquina de uma padaria a comprar pão em uma cidade do fim do mundo em que fui habitar sozinha - tão valente que sou - e há os dizeres imperfeitos.
E eu queria expressar de alguma maneira que sempre sou invadida pela ausência de você, como se você estivesse aqui. E é sempre a mesma coisa: você tem que ir, pois o avião já parte; você mora em uma rua paralela a minha, mas não na minha casa; muitos conversam contigo a te olhar nos olhos, mas eu sequer consigo lhe escrever; chego no fim do sonho e encontro um lugar vazio, pois você foi embora e não me deu sequer a proper tchau. E porque fico ali, no fim da rua, a lembrar-se do que não existiu. E, dolorida, acordo para o novo dia.
Por fim, quero dizer que isto acontece nos sonhos que me invadem o sono da madrugada ou do dia (é que na noite estou acordada). E estou contando aqui o mais íntimo do meu ser, a me revelar todinha. Olha, eu sou muito sincera e honesta, mas há vezes em que doo-me toda para você me ler.
16 de jun. de 2016
Duas ou três coisas que sei dela
(De todo os segundos que passamos juntos, aprendi os detalhes da menina que ela é. Ela foi se mostrando aos poucos e, quando vi, já tinha tomado conta: tinha se esparramado no sofá, tirado o seu tênis branco sujo das cores da rua e esticado as pernas até encostar seus dedos do pé nos meus)
Eu, quando sou invadido pela lembrança de você, penso em duas ou três coisas:
Sei que você tinha o olhar contido e já me olhava sem olhar para mim. Sei que reparou quando eu passei pelo corredor e você conseguiu me ver pelo vidro e, desde então, sei que você me olhou com os mais profundos olhos castanhos que eu já vi na vida, e que me olhava sem parar e sem piscar os olhos, porque, como diria você: "hey, handsome: you're the most beautiful thing. Ever."
Sei que você me escreveu nas horas em que o sol e a lua se alinhavam no céu: pôs no papel todo sentimento e pensamento e pedaço de você. Falava sobre mim, mas acabava por revelar-se. Me escreveu as mais doces e tenras cartas, e cartões escondidos pelos cantos, pelas malas, pelas pilhas de roupas, pela vida, que eram para ser achados de surpresa. Sei que deve haver mais cartões e cartas suas pelas esquinas da vida, e eu espero poder encontrar. Você, que sempre me escreveu tão doce, e tão difícil, e tão verdadeiramente, e tão explícito, e tão longe, e tão quente, e tão carinhosamente de um jeito só seu para mim.
Sei que seus braços eram fortes e fracos mas firmes envoltos em mim. E que poderia para sempre se esconder no meu abraço. E que me abraçaria como se eu fosse a coisa mais preciosa na sua vida. E me envolveria no calor deles, chamando-me de frio, quando era eu quem a esquentava, oras. Mas, apesar de tudo, seus braços eram leves e, quando soltei-me deles, você me deixou ir - isso, porque eu já havia deixado-a ir embora primeiro. Como pude eu? Eu, um homem com suas escolhas, e você, uma mulher refém do que eu decidi para mim e que afetaria nós dois.
(E sigo os dias e caminhos que o mundo tem para mim e vejo lá na frente. Caminho e sigo e tenho o olhar fixo, por isso não a vejo, ela. Mas, se a vida me perguntar, tenho duas ou três coisas que sei dela, pois a levo atrás do pensamento).
15 de jun. de 2016
Eu era o que sou mesmo
Esqueci de escrever: eu era o que sou mesmo.
Foi-se mas não perdeu-se. Ficou e se manteve. Se redescobriu sem deixar de ser. O que ela era, sempre existira. Bastava apenas olhar de novo, com os olhos fixos, a piscar devagar.
Um dia, andando pelas ruas da vida que eram cercadas por bosques, vi-me em mim e me disse: sou.
E eu, que sou-me, serei-me. Hei de ser, não há escapatória para a delícia de ser quem se é.
Quando eu fui feita, me deram as minhas mãos para eu escrever no papel; os meus olhos para eu ver e nunca mais esquecer; meus pés para eu dar os passos que eu quiser; bochechas gordas para dizer que sou filha da minha mãe; o resto dos detalhes do rosto para dizer que sou filha do meu pai; um cérebro para brigar comigo; e meu coração, onde moro. E todo o resto que sou eu.
Eu fui feita numa noite, não duvido. E nasci na madrugada do meu dia. Era quase de manhã, porque a noite havia há pouco dormido. Era ainda o dia mais frio dos dias frios de que se tem notícias, e eu pensei que era uma hora boa para chegar.
Desde então sou a minha biografia que vivo enquanto escrevo e que escrevo na medida da minha vida. Sou raios de sol fracos por trás das nuvens e o rajar forte do vento. Sou uma coisa escondida na esquina da rua das casas com números pares, e sou destra apenas para ser diferente de tudo mais que fosse haver aqui em casa. E sou também os dias que vivi, e até os que tive preguiça de acontecer. Sou o bom dia não dado, essa mania de me ser sempre sincera, a doçura de se permitir.
Um dia eu me dividi contigo, e eu fui metade de mim. Há a outra parte que guardo comigo, e levo sorrindo, para o futuro a chegar para ele, irei inteira.
E, enquanto vou-me sendo, pego os pedaços de mim que me são comigo, e as lembranças que lhe são contigo, e vou indo: eu era o que sou mesmo - pois sou.
Foi-se mas não perdeu-se. Ficou e se manteve. Se redescobriu sem deixar de ser. O que ela era, sempre existira. Bastava apenas olhar de novo, com os olhos fixos, a piscar devagar.
Um dia, andando pelas ruas da vida que eram cercadas por bosques, vi-me em mim e me disse: sou.
E eu, que sou-me, serei-me. Hei de ser, não há escapatória para a delícia de ser quem se é.
Quando eu fui feita, me deram as minhas mãos para eu escrever no papel; os meus olhos para eu ver e nunca mais esquecer; meus pés para eu dar os passos que eu quiser; bochechas gordas para dizer que sou filha da minha mãe; o resto dos detalhes do rosto para dizer que sou filha do meu pai; um cérebro para brigar comigo; e meu coração, onde moro. E todo o resto que sou eu.
Eu fui feita numa noite, não duvido. E nasci na madrugada do meu dia. Era quase de manhã, porque a noite havia há pouco dormido. Era ainda o dia mais frio dos dias frios de que se tem notícias, e eu pensei que era uma hora boa para chegar.
Desde então sou a minha biografia que vivo enquanto escrevo e que escrevo na medida da minha vida. Sou raios de sol fracos por trás das nuvens e o rajar forte do vento. Sou uma coisa escondida na esquina da rua das casas com números pares, e sou destra apenas para ser diferente de tudo mais que fosse haver aqui em casa. E sou também os dias que vivi, e até os que tive preguiça de acontecer. Sou o bom dia não dado, essa mania de me ser sempre sincera, a doçura de se permitir.
Um dia eu me dividi contigo, e eu fui metade de mim. Há a outra parte que guardo comigo, e levo sorrindo, para o futuro a chegar para ele, irei inteira.
E, enquanto vou-me sendo, pego os pedaços de mim que me são comigo, e as lembranças que lhe são contigo, e vou indo: eu era o que sou mesmo - pois sou.
14 de jun. de 2016
De repente, numa madrugada de terça
Esperei muitos dias para contar, esperei até anos. Esperei cada segundo do relógio, sabendo que o tempo passa mas o que aconteceu fica.
Era uma vez uma madrugada de terça, mas, antes disso, houve os outros dias.
Houve um dia na vida em que começou tudo - a vontade de ser. Houve então os outros dias, comuns, como todos os outros. Eram dias em que eu usava o meu all star preto com branco e caminhava pelas ruas do meu bairro com um sopro-suspiro no coração. E fui indo.
Chegou o dia, chegou o tempo e chegou tudo o que deveria ser: mas eu ainda não sabia.
Eu lembro de quando desci do carro, puxando minhas vidas - digo, malas - e olhei para um prédio grande bem ali na minha frente. Ah, se eu sequer tivesse pensado em olhar para o lado! (e nem adiantaria, porque ele ainda não estava lá).
E os dias foram passando conforme mandava o relógio e, num desses dias, eu olhei para trás. Olhei para trás para ver aquela voz que eu ouvia, olhei para trás para ver quem eu já saberia que ia ser, olhei para trás e lembrei do meu futuro ali, olhei para trás e vi.
E, desde o dia em que vi ele, via-o sempre, ainda que com os olhos do coração, e do desejo, e das minhas mãos. Enquanto isso, os dias, poucos, pareciam longos e, demoradamente, iam passando. Fazíamos tudo o que tínhamos que fazer, como colocar macarrão num prato todo dia na hora do almoço. Isso quer dizer que eu estava cansada de comer todo dia a mesma coisa e sentir-parecer que todos os dias eram a mesma coisa mas no fundo todos os dias eram uma surpresa diferente. Ah!
E então começou a semana pela qual eu esperei mas, no entanto, nem esperava.
(antes disso começou outra semana, a semana anterior a ela, que foi quando tudo começou: quando eu comecei, sabe como?)
E, voltando para aquela semana, a que havia começado, lembro-me de estar escrevendo um artigo sobre James Joyce, muito difícil mas incrivelmente apaixonante, embora eu me culpasse por ter escolhido aquele livro e aquele autor entre tantos livros e autores. Fazer o que? A gente sempre segue o coração. Devo mencionar ainda que eu deixei tudo para a última hora, como sempre, e que todo o tempo que tive para escrever foi ignorado e me concentrei em me virar no último momento: nas últimas 48 horas, que é quando as coisas acontecem. Minha inspiração ou vem quando quer ou vem sob pressão, e, no fim, só há esses dois caminhos mesmos.
Já estou me alongando no que eu queria dizer: que, numa madrugada de terça, que é quando deveria ser, o relógio parou e os ponteiros se perderam porque se encontraram e eu vi que o tempo perdido foi tempo ganho e que, assim, eu o perderia sempre para você. Neste momento, poderia, aqui mesmo, reproduzir uma frase em inglês que ilustra tudo isso, que saiu dos seus lábios mas foi digitada pelas suas mãos, e que eu nunca esqueci. Mas vou deixar para um outro momento.
Eu esqueço o geral, mas os detalhes eu sempre lembro.
E foi assim: de repente, numa madrugada de terça. Simplesmente do jeito que eu pedi para ser, sem mais nem menos, em seus mínimos detalhes. Eu escrevo isso porque, se eu contar, ninguém acredita. Teve o dia e teve a hora e teve o segundo e o minutos que não passavam nunca e o tempo parou e eu também parei aquele momento.
E, para mostrar que é verdade, tudo começou no fim da noite, que era ainda segunda-feira, mas o ato só se concretizou mesmo na terça-feira, de madrugada: de repente, numa madrugada de terça.
Eu não acredito em coincidências. Mas elas existem. Eu é que olho para elas ora de um jeito ora de outro e as chamo de outra coisa. Mas, neste caso, eu não acredito em coincidências. Eu pedi e disse. E me foi dado, e eu recebi com todo o meu amor. E meu coração transbordou de si, ficou mais coração aqui dentro, e desde então eu revivo este momento (só de vez em quando, mas ele está sempre lá) e espero por outros momentos como este: de repente, numa madrugada de terça.
Lembra que foi neste dia?
;)
Era uma vez uma madrugada de terça, mas, antes disso, houve os outros dias.
Houve um dia na vida em que começou tudo - a vontade de ser. Houve então os outros dias, comuns, como todos os outros. Eram dias em que eu usava o meu all star preto com branco e caminhava pelas ruas do meu bairro com um sopro-suspiro no coração. E fui indo.
Chegou o dia, chegou o tempo e chegou tudo o que deveria ser: mas eu ainda não sabia.
Eu lembro de quando desci do carro, puxando minhas vidas - digo, malas - e olhei para um prédio grande bem ali na minha frente. Ah, se eu sequer tivesse pensado em olhar para o lado! (e nem adiantaria, porque ele ainda não estava lá).
E os dias foram passando conforme mandava o relógio e, num desses dias, eu olhei para trás. Olhei para trás para ver aquela voz que eu ouvia, olhei para trás para ver quem eu já saberia que ia ser, olhei para trás e lembrei do meu futuro ali, olhei para trás e vi.
E, desde o dia em que vi ele, via-o sempre, ainda que com os olhos do coração, e do desejo, e das minhas mãos. Enquanto isso, os dias, poucos, pareciam longos e, demoradamente, iam passando. Fazíamos tudo o que tínhamos que fazer, como colocar macarrão num prato todo dia na hora do almoço. Isso quer dizer que eu estava cansada de comer todo dia a mesma coisa e sentir-parecer que todos os dias eram a mesma coisa mas no fundo todos os dias eram uma surpresa diferente. Ah!
E então começou a semana pela qual eu esperei mas, no entanto, nem esperava.
(antes disso começou outra semana, a semana anterior a ela, que foi quando tudo começou: quando eu comecei, sabe como?)
E, voltando para aquela semana, a que havia começado, lembro-me de estar escrevendo um artigo sobre James Joyce, muito difícil mas incrivelmente apaixonante, embora eu me culpasse por ter escolhido aquele livro e aquele autor entre tantos livros e autores. Fazer o que? A gente sempre segue o coração. Devo mencionar ainda que eu deixei tudo para a última hora, como sempre, e que todo o tempo que tive para escrever foi ignorado e me concentrei em me virar no último momento: nas últimas 48 horas, que é quando as coisas acontecem. Minha inspiração ou vem quando quer ou vem sob pressão, e, no fim, só há esses dois caminhos mesmos.
Já estou me alongando no que eu queria dizer: que, numa madrugada de terça, que é quando deveria ser, o relógio parou e os ponteiros se perderam porque se encontraram e eu vi que o tempo perdido foi tempo ganho e que, assim, eu o perderia sempre para você. Neste momento, poderia, aqui mesmo, reproduzir uma frase em inglês que ilustra tudo isso, que saiu dos seus lábios mas foi digitada pelas suas mãos, e que eu nunca esqueci. Mas vou deixar para um outro momento.
Eu esqueço o geral, mas os detalhes eu sempre lembro.
E foi assim: de repente, numa madrugada de terça. Simplesmente do jeito que eu pedi para ser, sem mais nem menos, em seus mínimos detalhes. Eu escrevo isso porque, se eu contar, ninguém acredita. Teve o dia e teve a hora e teve o segundo e o minutos que não passavam nunca e o tempo parou e eu também parei aquele momento.
E, para mostrar que é verdade, tudo começou no fim da noite, que era ainda segunda-feira, mas o ato só se concretizou mesmo na terça-feira, de madrugada: de repente, numa madrugada de terça.
Eu não acredito em coincidências. Mas elas existem. Eu é que olho para elas ora de um jeito ora de outro e as chamo de outra coisa. Mas, neste caso, eu não acredito em coincidências. Eu pedi e disse. E me foi dado, e eu recebi com todo o meu amor. E meu coração transbordou de si, ficou mais coração aqui dentro, e desde então eu revivo este momento (só de vez em quando, mas ele está sempre lá) e espero por outros momentos como este: de repente, numa madrugada de terça.
Lembra que foi neste dia?
;)
12 de jun. de 2016
A frente fria que a chuva traz
Eis a frente fria mais fria de todas: a de aquecer meu coração - assim a chuva traz:
meu tempo, só pra mim; um caderno solto com folhas em branco; um sentimento que não se pode nomear e que habita dentro de mim; tentativas de tranças no cabelo, que está curto mas para os outros isso é comprido; o frio gelado a contornar a janela; um homem que escreve e eu prestei atenção nele; começar a comer igual gente de verdade que eu sempre deveria ter sido; o medo alegre de te esperar; as coincidências que moldam o destino; um gato na janela de uma casa na esquina de uma rua que eu parei para fotografar; uma moça ou outra com quem acabei conversando; cheiro de coisa boa no ar do inverno mais denso; as diversas maneiras de se falar uma coisa; o brilho em meus olhos para quem olhar; sentir meu corpo; achar tudo delicioso; subir uma rua íngreme de carro como quem briga com o perigo; adorar tentar; as alternativas que brotam em um canteiro de margarida ao longo da estrada da vida; as portas que levam a lugar nenhum - pensávamos - mas que se abriram para algo em nossa frente; o modo como ele fala e para e pisca e ouve e olha e pega na caneta com a mão esquerda e lê uma carta com ideias que tomaram formas e se tornaram palavras bonitas; eu, parando para respirar; um dia inteiro; comprar tecidos como quem compra possibilidades; olhar para os dedos e ver arte a nascer por meio deles; os desejos; um lugar que estacionei meu carro; lembrar-se com a saudade mais gostosa de todas; olhar para o horizonte e ver poesia; a força do que tem que ser; tornar-se o que se deveria ter sido; ir onde se foi; um lugar na mesa; sorrir genuinamente; deixar ir; respeitar meus sentimentos; abrir a boca e começar a falar canção da década de 70; o sol de inverno que, felizmente, se esconde atrás das nuvens e deixa meus dias mais bonitos; poder andar pelas ruas durante o inverno gélido que me esquenta a alma; o desafio de seguir.
meu tempo, só pra mim; um caderno solto com folhas em branco; um sentimento que não se pode nomear e que habita dentro de mim; tentativas de tranças no cabelo, que está curto mas para os outros isso é comprido; o frio gelado a contornar a janela; um homem que escreve e eu prestei atenção nele; começar a comer igual gente de verdade que eu sempre deveria ter sido; o medo alegre de te esperar; as coincidências que moldam o destino; um gato na janela de uma casa na esquina de uma rua que eu parei para fotografar; uma moça ou outra com quem acabei conversando; cheiro de coisa boa no ar do inverno mais denso; as diversas maneiras de se falar uma coisa; o brilho em meus olhos para quem olhar; sentir meu corpo; achar tudo delicioso; subir uma rua íngreme de carro como quem briga com o perigo; adorar tentar; as alternativas que brotam em um canteiro de margarida ao longo da estrada da vida; as portas que levam a lugar nenhum - pensávamos - mas que se abriram para algo em nossa frente; o modo como ele fala e para e pisca e ouve e olha e pega na caneta com a mão esquerda e lê uma carta com ideias que tomaram formas e se tornaram palavras bonitas; eu, parando para respirar; um dia inteiro; comprar tecidos como quem compra possibilidades; olhar para os dedos e ver arte a nascer por meio deles; os desejos; um lugar que estacionei meu carro; lembrar-se com a saudade mais gostosa de todas; olhar para o horizonte e ver poesia; a força do que tem que ser; tornar-se o que se deveria ter sido; ir onde se foi; um lugar na mesa; sorrir genuinamente; deixar ir; respeitar meus sentimentos; abrir a boca e começar a falar canção da década de 70; o sol de inverno que, felizmente, se esconde atrás das nuvens e deixa meus dias mais bonitos; poder andar pelas ruas durante o inverno gélido que me esquenta a alma; o desafio de seguir.
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