Decidi que não vou mais escrever, que é para não dar ouvido aos meus sentimentos. Preciso parar de alimentar este ser que sou eu, me deixar de lado, sem atenção, que é para ir dormindo e nunca despertar para a vida.
Precisa parar de prestar atenção nos detalhes e notar as construções históricas pelos caminhos que passo. Preciso me acostumar com o que há de errado no mundo sem esta minha ânsia de lutar por justiça. Preciso me acostumar com o atraso do trem e agora não mais reclamar do ônibus, já que tenho um carro lindo e novo e meu. Vamos ignorando a vida e vamos vivendo.
Preciso me desfazer de todas as minhas canetas coloridas que são reverenciadas como verdadeiros tesouros e esconder meus cadernos delicados com desenhos importados. Sempre tive pena de escrever neles, pois são tão bonitos, e agora chegou a hora de me proibir de vez.
Preciso assistir televisão no domingo, que é para não ativar meu cérebro. Preciso queimar meus filmes e doar meus livros. Preciso esconder todos os cartões postais que recebi de amigos ao redor do mundo e que comprei pelas lugares que perambulei. Preciso esvaziar as caixas que estão cheias de memórias.
Preciso me segurar e não me permitir opinar sobre as guerras no mundo, sobre a situação da Palestina e sobre como morrem mais pessoas no Brasil do que no conflito da Síria. Preciso não notar ou fingir que não observei aquele vestido roxo com laço amarelo super brega que a senhora atravessando vestia. Preciso não me informar sobre o aborto, não lutar pelo direito à informação e banir de vez, pelo menos do meu mundo, qualquer documentário.
Preciso passar vontade e sofrer um pouquinho, me negando a encher de alegria este meu corpo com sorvete. Preciso me dessensibilizar, evitando escutar música. Preciso fazer os mesmos caminhos de sempre, não descobrindo uma só estrada só minha, a fim de cair nesta chata rotina. Preciso não esperar pela inspiração que os dias nublados me trarão.
E, por vim, preciso me despir de mim. Pois só assim deixarei de ser eu.
3 de mai. de 2013
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