23 de nov. de 2012

Num dia de hoje

Num dia de hoje, recebe muitas informações para conter dentro de sua cabeça. Em algum lugar sente que deverá colocar para fora, por aí pelo mundo. Quem fala é a alma, o coração. Mas não acreditava em coisas de sexto sentido ultimamente, então nem se levava em conta.

O ônibus que pego sempre serviu mais como veículo de comunicação do que veículo em si. É que dentro do ônibus tomo tempo para comunicar comigo mesma. Olho pela janelas e acabo olhando para dentro de mim. Não estava acostumada a escrever em primeira pessoa, pensava eu, e agora fazia esse exercício.

Num dia de hoje absorvera lições. Sim, eu as guardo todas dentro de mim, embora muitas vezes esqueça. Mas sinto que em algum lugar estão, só resta descobrir. Enquanto isso, penso nas casas históricas das ruas dos bairros. Penso que tudo poderia ser assim. Penso demais, sinto demais, vivo de menos?

De qualquer forma, queria falar num dia de hoje. É que o dia de hoje serviu para eu ser mais eu. Vi um cartão postal de Detroit durante a tarde, o que acabou intitulando minha sexta feira como "nostalgia de tempos antigos". Isso me trouxe pensamentos que transformei nas palavras "desenho", "década de 60 e 70", "prédios antigos cheios de história" e "minha história". Essa última era riquíssima, embora não fosse sequer capa de revista.

Andei sentindo borboletas voando dentro do meu estômago. Gosto de como elas mandam em mim. De como se mexem sem se preocupar e não me dão a mínima. Gosto, especialmente, de como elas deixam minhas pernas mais fracas - logo eu, que sempre fui tão forte.

Pensando em um restaurante de faculdade, lembro de você e dele. Já não vou dizer que não deveria estar pensando nisso, uma vez que perdi o controle sobre isso há tempos. Me invade e eu nem sei por que. Me invade e eu nem sei dizer por que. Me invade e me lembra que eu sou eu e que você faz parte de mim.

Ontem andei na rua onde aprendi uma lição. Uma lição muito bonita, porque era triste. Já pensou em como as coisas tristes são bonitas e as coisas bonitas são tristes? Já pensou em como o mundo é tão grande que dá vontade de chorar? Isso me lembra o sonho que vivi na noite passada, juntamente com as experiências que adquiri. Estava em terras distantes quando na verdade estava só num sonho que não saíra mais do que a distância da cama, onde eu dormia.

Isso tudo, para falar que, num dia de hoje, cheguei em casa e fui me encontrar. Sentei no chão do meu quarto, em um cantinho apertadinho, do jeito que eu gosto, e deixei meus olhos falarem. Falam com voz cor transparente, embora eu as visualize e desenhe azuis. Pensei em mim, em você e no outro. Pensei no que a gente era e foi. Senti saudade de mim, sabendo que eu ficara lá trás e agora o tempo era outro. Não poderia mais resgatar aquilo, embora minha mãe sempre fale que sou sempre filhinha. Vai ver, no mundo inteiro, só para as mães o tempo não passa.

Tenho brincado com o meu coração. Não tenho permitido que ele brinque comigo - por isso estou brincando. Tenho deixado ir, tenho não pensado nas consequências e tenho vivido o hoje e o amanhã. O amanhã ainda não chegou mas, nos planos que faço, ele está sempre aqui dentro. Os beijos que tenho guardado entendem que o ar oferece caminhos e por isso querem ir. Deixarei, quero muito. Desejo. Essa palavra, desejo, é uma das palavras mais bonitas, sujas e limpas da vida. Desejo - que coisa mais linda!

A vida é um desejo.

21 de nov. de 2012

Visita a medica

Minha visita a medica comeca com a menina encolhida no banco de espera enquanto espera ser chamada. Depois essa menina se transforma em mim e vai pedir silencio aos tagarelas de plantao. Volto, abro meu livro, confiro minha bolsa com palavras em um idioma que nao sei ler e aguardo.

Minha visita ao medico comeca com a porta que abre devagar, meus passinhos lentos e o sorriso timido que dou para a minha medica e ela retribui de volta. A primeira coisa a se falar, como eu esperava, era o meu novo cabelo. Depois escutei um "parece europeu" e fiquei super a fim - super a fim - super a fim de mim! - conhece?

Ja sentadas, falo da minha mania em esquecer tudo, quando repudio profundamente essa mania. Tiro um papel do bolso, como a comprovar o que eu havia dito: anotadas estao todas as minhas observacoes. Observo sempre o seu relogio - como isso a deixa jovem. Escuto historias da filha e do marido frances. Pergunto a minha mente, em silencio, o que ela esta a fazer aqui.

Vamos entao para a Nova Zelandia, o novo lugar de discussao. Me conta segredos magicos dessa terra habitada por povos que nunca vi. Nao me interessei porque nao me impressiona. Voltamos para ca, Brasil, e por fim ouco dela que "pior do que o Brasil, so a Etiopia", ao que eu emendo "India".

A consulta medica terminou quando dividi o medo de que meu karma para a proxima vida seja nascer na India. Ela deu gargalhadas, nao sabendo como essa possibilidade, na verdade, me aflige.

Por fim, ela me falou da amiga estrangeira que se parece com todo mundo legal e, para nao esquecer, consultei de verdade e falamos de remedio.

Eu gosto dessa medica minha. Medico e' alguem com quem devemos nos identificar, pois ele cuida, nada mais nada menos, do que de nos mesmos...

20 de nov. de 2012

Hormonio da felicidade

As vezes acho que perdi a inspiracao, que ela me deixou, me abandonou e foi morar em lugar que nunca existiu: olho pela janela e vejo a vista; o gato passando e' so um gato; observo uma flor e concluo que trata-se de uma flor.

Vira e mexe ela volta, a vida se renova, os ventos do norte batem e os do sul trazem cheiro de cor anil. E ai me pego toda alegre de novo, como a crianca que acabou de aprender. Brinco, sorrio, percebo mas nem vejo passar. Dialogo, converso, discuto, falo e ainda por cima escuto.

Comeco a contar pessoas. Elas vao entrando. Vem para acrescentar. Reparo ate na grama com seus tons de verde. Lembro que um dia gostei de verde claro mas que isso foi fase e ja passou. Nao passa nunca e' o meu amor por azul. E nisso posso pensar em flores, em duplos sentidos, em metaforas e, mais uma vez, em vida. Na tal da inspiracao.

Eh que as vezes, no meio do dia, eu fico inspirada, guardo ar dentro dos pulmoes e tento conservar a arte. Torco para o fim de tarde chegar e ficar, pois precisa durar um pouquinho mais para se aproveitar. Vejo a aurora boreal que nunca existiu e navego de baloes quando isso sequer aconteceu no mundo das ideias. Por falar nisso, preciso me aprofundar mais no tal mundo das ideais do qual falava Platao: e' nele que eu quero morar. E' ele que quer morar em mim. E, ele, eu deixo.

Eh que hoje eu fiquei um pouco inspirada. Chamo isso de hormonio da felicidade.

18 de nov. de 2012

Como diriam os sonhos

E se o tempo acabar e se o mundo acabar e se tudo acabar, acaba tudo menos o pensamento em voce.

Quando se esta inconsciente, ainda assim esta la. Quando se esta ocupada, ainda assim e' chacoalhada pela sua presenca que nunca se vai. Quando caminha de volta para casa, quando olha os sapatos, quando conta os passos que da.

Quisera ela tocar. Quisera ela despertar em sonho e em sonho ficar. E em sonho viver. De novo. E de novo. E de novo porque, assim, tudo se faz novo.

Na noite passada, visitara sua mae em sonho. Ainda que nao falassem a mesma lingua, ainda que so se conhecessem por voce - implorara a ela um pedido so seu. Pensara que mae toca o coracao, pensara que mae conhece filho melhor do que Deus. Pensara tudo isso e muito mais que agora sua mente nao tomara conhecimento. Mas sabia que todas essas coisas existiam em seu coracao. E, quando dormia, as deixava escapar, pois era quando ela perdia o controle sobre si mesma.

So nao escapara voce. Mesmo que ela o quisesse. Mesmo que mesmo. Mesmo. Mesmo apesar de todos os mesmos.

Mesmo. Mesmo assim.

A estrada de uma noite

Quem sabe se dera conta. Quem sabe percebera que nem tudo faz sentido e nao e' para se entender. Quem sabe o jeito mesmo e' indo para, no fim, nao chegar em lugar nenhum - visto que todos morrem no final.

Tudo comecou com a noite em que saira com o convite dele. Fora buscada em casa, teve a porta aberta, assistiram filme, teve seu coracao tocado pela Historia, quis entender as pessoas, pensou em ser diplomata, quis chegar mais perto e no fim nao pagou o estacionamento, como queria, para ser gentil.

No percurso de volta, que era curto, torceu para as ruas de repente se alargarem, para aquele transito da semana estar ali, o sinal fechar e nunca mais se abrir ate que se tenha terminado a conversa.

Pensara em quantas conversas foram cortadas por falta de tempo. Desejou que dessa vez pudesse falar e escutar mais, dividir questoes, buscar respostas que nao existem. Mas o sinal abriu.

E, com o sinal, sentira que estava indo cada vez mais longe, ou se distanciando cada vez mais - depende de como quisessem abordar os acontecimentos dos ultimos tempos que aconteciam dia apos dia. Se perguntava se nao estava chegando a hora de dizer adeus, querendo estar preparada. Nisso, pensara em todos os livros que ainda nao lera no criado ao lado da cama. Contabilizou 36. E lembrou-se que ainda havia aqueles que ela ainda nao sabia que existiam. E pensou em como eram muitos, e pensou em estrada, e e pensou em infinito - e lembrou que um dia tudo acaba. Ate o dia.

E que dia apos dia virava "vida".

E entao voltou-se para si mesma, para o caminho que trilhava - do qual as vezes queria escapar - e em como nao sabia para onde estava indo, ainda que pudesse estar indo embora.

13 de nov. de 2012

E quem seria ela

Estava  a correr em campos de trigo ou a caminhar por entre ruelas da cidade de cimento?

Ela, que sempre adiava a vida; ela, que num momento de inspiracao tremia; ela, que percebia sem olhar - estava ela fazendo a coisa certa?

E, enquanto escrevia isso, perguntava-se o que era certo, sabendo que so ela mesma poderia responder a si.

E todos  os dias chegavam assim: com aquele portao em cor desbotada que ela notava e perguntava-se por que, com as musicas que ficou de escutar, com os numeros que prometeu lembrar, com os inumeros papeis que colecionou e nunca deu a devida atencao, com bugingangas que se amontoavam em bolsas, com seu amor por chuveiros, por girassois que nunca viu nem ligou, por roupas que ela sabia que iria arrepender-se em comprar mas mesmo assim o fazia, com o pensamento no qual pensaria depois, com o anel no dedo que ela usava mais como fuga para distracao, com sua colecao de relogios de horas paradas, com seus suspiros soltos e guardados, com sua memoria fazendo-se valer, com a imagem que carimba o coracao, com o cheiro de comida barata, com passos rapidos e leves, com guarda-chuvas que nunca quis usar.

Essa era ela, ainda que nao se conhecesse. E por ai vagava, fosse campo ou rua em meio ao cimento - sendo cimento essa mesma.

11 de nov. de 2012

Porque estava distraida

Porque estava distraida, flores nasceram, janelas ficaram com marcas da chuva, cimento rachou. E, enquanto isso, degraus ela subiu, ventos viu passar, cheiros vieram com ela esbarrar, livros segurou na mao firme mas suave. Usou as pernas para caminhar. Foi aonde nao havia pensado existir. Chegou ate la. Por la morou, e ficou, e nao se foi. Reparou nas persianas, aprendeu a mexer na maquina, reclamou da poeira das escadas e se perguntou para que existiam basculantes.

Porque estava distraida, nem viu carro passar. Andou pelo passeio cheio de neve, se equilibrando porque gostava de aventura. Na esquina havia um posto, nas ruas haviam casas abandonadas que poderiam ser chamadas, todas elas, de "dela". A distracao invadiu a loja de conveniencias, a fez questionar-se porque so vendiam bobagens, pulou a maquina de cafe porque pensou que era chato. Cafe so tomava para acordar e estudar. E nunca mais.

Distraida, deixou-o entrar. Distraida, deixou-se entrar. Distraida, sentou de costas mas permitiu, sem nem perceber, sua voz entrar nos seus ouvidos e ficar ali. Distraida. Ela sempre estava distraida, embora sempre prestasse atencao em voce, em nos dois.

Porque a distracao fazia parte do seu dia, e seus dias faziam sua vida, comeu hamburguer e batata frita e desligou-se da sua saude. Queria mais eh viver. As vezes corria, desejando ficar perdida. As vezes cansava e preferia ficar em casa tomando cappuccino, olhando da janela e, no meio daquela neve toda tao branca, ve-lo chegar - radiante, tao branco, como a luz do dia na noite, como a sua luz, como estrela guia, como cometa. Ela gostava de cometa. E o chamava, assim, de seu.

Porque estava distraida fez amigos que amou, guardou-os nas caixinhas decoradas que ficam em seu coracao, cuidou para nao empoeirar, encheu de beijos e pensamentos bons. Porque distraida sempre era, tentou ficar atenta, tentou gravar poema, tentou ate mesmo estudar. E viu que o que mais vale a pena, na vida, na vida inteirinha, eh a vida que ela leva. Vai ver por isso quis te levar nela.

Quando estava distraida, e porque sempre estivera, sempre esta. Estara. Quem sabe a sua espera, como naquela vez no supermercado. Quem sabe so porque valia um sorvete. Quem sabe so porque deixou-se amar. Quem sabe ... so porque estava distraida.