17 de ago. de 2016

Morangos mofados

Pensara eu que a validade das coisas começava a contar no dia em que foram criadas. Aliás, no dia em que foram criadas, não - no dia em que passaram a existir, isso sim.

Mas, e se nunca existiram? - perguntava a outra voz dela. E eu, então, a calava.

E, se nunca existiram, é porque nunca foram criadas? - ressoava, assim desse modo, a outra voz.

E então entrava um filósofo a contar histórias: "tudo havia sido criado no dia em que fora feito. a precisão do tempo, não se sabe. Para uns é contada em segundos; para outros, em frações de anos. Ela, no entanto, os conta nas datas de aniversários, embora haja infinitas linhas invisíveis entre eles em que coisas incríveis acontecem. Nos lembraremos do que?".

Ora, bolas. Eu não havia entendido nada, mas já sabia a resposta para o momento. É que eu mesma criara tudo na minha cabeça e dava voz aos personagens, chegando a chamá-los de filósofos. "Imagina se um dia eu escrevo um livro...", e então me deparei com o fato de eu estar divagando para fugir do que estava ali.

De volta para o lugar em que começou, eis como segue a história: era uma vez uma menina, e um pai e uma mãe, e então outras duas meninas. Eram 3, no total. Mas eram nulas, eram zero e eram nenhuma. E foi assim por muitos anos, que pareciam datas mas eram apenas a passagem do tempo. Até que, um dia, um trem passou e, nele, lia-se num cartaz afixado: "morangos mofados".

Então era isso.

Então era isso e ela correu para escrever num papel. Tivera uma visão além do tempo, como se o coração fosse tocado, não da forma bruta, mas com toda a suavidade de uma folha. Era então este o segredo.

Um dia tudo passa e até o que vem passando será passado. As flores terão brotado, as rochas mudarão de lugar, a água continuará seu percurso descendo rios e o vento será não mais que um sopro. O tempo é este porque só existe o agora. O ontem já se foi e o amanhã ainda não veio. O código para tudo isso é lido por muitos mas entendido por poucos, e lhe foi entregue em mãos no dia da Criação.

Enquanto isso, será ela mesma: eu, você. Vá sendo, porque o jeito é ir e ser si mesma. Neste momento, uma menina que segura na mão do pai passa na sua frente, mas, no tempo de um piscar de olhos dá-se conta de que se trata de uma Visão.

Pai - !.

Guarde os morangos, mas vá. Para que não fiquem mofados.

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