Então era assim que se chamavam estes últimos dias: horas para gastar.
Alguns dias são anos.
Se aquele é o seu, este é meu, porque quem faz meu tempo sou eu. Se acordo de manhã, já abro os olhos. E, se quero, volto a fechar. Se levanto, me arrasto. Se me arrasto, danço e deito.
Essas são minhas horas para gastar: e eu faço-as como quiser, e as crio tão belas! Nunca almoço ao meio dia - sempre preferi jantar. Café da manhã é um copo de leite porque, quando se pisca, já é segunda-feira. No meio do dia, pausa para viver: é que eu gosto tanto de olhar para a Hora e vê-la passar. Passa sobre mim, passa para mim, passa por mim: mas passa sempre comigo.
Um dia na vida fizemos uma fila, e nos foi dada uma prancheta de papel. "Toma, escreve aí todos os desejos, porque lhe serão dadas horas para gastar", ressoou ao vento. E então eu fui. E desde então tenho vivido.
Se paro e penso, logo sinto: não faço hora; a hora que me é dada é gastada.
Um dia na vida é como Hora para gastar: e eu nunca sei se durmo até tarde ou se levanto cedo - afinal, o que é aproveitar o dia?
Mas, e se você tivesse apenas mais 24 horas disponíveis e, então, fim?! Ah, eu viveria cada uma delas! E teria vivido 24 horas vezes mil, porque há dentro das horas os minutos e, dentro deles, os segundos. Quando tempo há ainda!
Eu tenho horas para gastar e sou uma pessoa criativa. Eu tenho horas para gastar, mas sou também preguiçosa. E está bem, está tudo sempre bem. Mas é que um dia, quando eu acordo mais na metade de um eu (é que todos temos duas metades - é isso que nos faz inteiros), corro e penso, paro e sinto, divago, mas caminho.
Uma palavra que eu escrevi; uma foto que parou o tempo; uma comida que eu cozinhei para mim e depois até comi (quando cozinho, perco a fome); um lugar que eu visitei; o jeito das pessoas andarem; outro lugar que eu morei um dia; um "oi" e um "olá"; um recado na porta do quarto; um vidro que me deixa ver a vida enquanto arrumo as coisas que tem cada uma o seu próprio nome; uma lembrança ou outra, e, quem sabe, as duas; um esconderijo ainda nem descoberto mas que eu já vi; uma noite que dura o dia inteiro; um assobio só para chamar seu nome; um momento que eu olhei e vi; uma volta de carro, só mais uma; o sorriso e os olhos; aquela taça de sorvete; meus banhos quentes nunca frios; o contorno do seu corpo; o teto do mundo; uns cadernos; o portão da casa ao lado que era como entrar num livro; um tesouro ao meu lado; todo o som ao redor; e os gestos tão meus.
E no fim do dia reflito: afinal, viver a vida é gastá-la ou salvá-la?
Que não se esqueçam: só se salva quem vive.
5 de ago. de 2016
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