26 de mar. de 2013

Dia após dia

A rosa que guardei empedrou-se e virou vidro. A moça na janela virou moça da janela. O lençol foi esticado no varal ao vento e as fechaduras arranhavam pelo caminho.

Enquanto isso, fazia sol. A música do rádio soava como novela aos ouvidos da gente que passava pelas ruas. A névoa que se aproximava não trazia sinal de chuva, mas de poeira. As crianças brincavam no quintal e os animais cercavam os campos de uva.

Uma taça caiu e quebrou. Estilhaços espalharam-se pelo chão. Um pensamento de gramática do português invadiu o pensamento e a costureira prosseguiu com seu trabalho. O carrinho de sorvete era empurrado calmamente enquanto alguns, chamado apenas de alguns, fofocavam na venda da esquina.

Os matos à beira do passeio - ah, quem lembrara dos matos no passeio?! - estavam verdes, olhe só. A igreja com seu sino continuava no mesmo lugar. Ao lado dela, aquela casa com escadas na entrada e, logo à frente, um muro pichado quase a cair.

Água continuava aos montes, tanto assim abundante, embora não fosse considerada uma bebida favorita. Viagens eram feitas, passaportes eram perdidos, bilhetes eram rasgados e sucos de laranja tornavam-se coisa banal. Livros continuariam a ser impressos, no matter what. Pensamentos de um lugar e tempo distante voltariam a invadir sua mente e o painel em que desenhou um dia ficaria velho.

As latas continuariam a fazer aquele barulho insuportável e ela pensaria em como era fútil alguns comentários. As pessoas bregas continuariam a ser bregas porque acreditavam ter estilo, e os avôs manteriam-se constantes no coração dos netos. Enquanto isso, havia também as flores murchas, as flores que secaram e as flores que morreram. Pensava que flores não morrem, flores apenas deixam de existir, como se "apenas" significasse pouca coisa. Oh meu deus, como isso parecia conversa de museu! Vejo só, vamos atravessar a rua!

Constantemente mudava de pensamentos. Constantemente era mudada pelos pensamentos. Frequentemente indagava-se se pensamentos não eram coisas concretas, como essas que são as pessoas com nomes, ou se pensamentos não eram como marionetes comandadas por um deus. Mas não, não poderia ser.

E, vira e mexe, as luzes cruzavam seu caminho, apontando o lugar que não se foi. O dia se tornaria noite e assim por diante. As coisas continuariam coisas, se fossem coisas, e as outras coisas transformariam-se em algo a mais. A primavera seria estação da sensibilidade e o inverno seria estação de profundidade. O outono traria inspiração e o verão seria apenas comemoração no hemisfério norte.

E, enquanto isso, a vida continua.


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