30 de mar. de 2016

O som do coração

Me diz: se o coração falasse, o que ele iria dizer?

Se meu coração falasse, ele teria cheiro de quando sai do banho. Que é cheiro nenhum, mas cheiro da gente. Teria o tamanho de um prédio grandioso em desenho na folha, mas pequeno em altura porque tenho medo. Mudaria de cor, porque tudo depende de como estará o tempo quando as estações do ano, tão raras, se aproximassem. E eu o levaria apertado nas mãos.

O som do coração já foi tão estridente, o som do coração parece um sussurro perto de um mar. Assim, tão longe. Este ruído baixinho é tao presente que toma conta de um pensamento. Dá até para sentir. Me diz uma outra coisa: a gente sente é com o coração?

Se o som do coração falasse, ele sairia da minha boca em forma de letras. E elas seriam escritas caprichosamente no valor do tempo. Todo o detalhe de uma imensidão seria colocado em cada extremidade e, no fim, ninguém entenderia nada porque precisa-se apenas de ver. Ver. Ver é sentir com os olhos, não é?

Se o som do meu coração gritasse, o eco seria longe, para cima, para o norte, mais ao sul. Ficaria mudo. Ele nunca poderia escolher entre leste ou oeste, porque está sempre na metade. Olha, lá vem o soco no estômago. Machuca, então segura firme porque o dia já vem.

Se o som do coração dissesse qualquer coisa eu o proibiria de dizer porque ele entregaria quem sou eu. Por isso, estamos sempre atentos. Olha só os meus olhos - já viu?

Eu acho que o coração da gente quer sempre falar o que quer que a gente seja. E este frase tem duplo sentido. O mundo nunca teve um significado só. E eu vivo em uma língua estrangeira. E sou eu mesma neste momento, mas eu corri há pouco de mim mesma. Isso soa tão repetitivo mas são apenas as palavras, já que estou em falta delas.

Olho nos olhos, mas vejo o meu coração.

28 de mar. de 2016

O sol também se levanta

O sol também se levanta - quando eu abro a janela.

E, isso, porque é assim. E porque é ela, esta menina, que sou eu. E, aquilo, porque me sou. E, quando sinto, já me fui. E, se estou sentido, olho para o lado rapidamente. Quero desviar minha atenção. Quero só ser sem ser. Quero desenhar em uma folha de papel tudo borrado.

E então o sol se levanta!, e venho caminhando pela rua. E troco o abraço, deixo que vejam meus olhos, não me escondo apenas para mim, sendo-me todinha, e ainda abro o meu sorriso. Pois o sol também se levanta quando o céu está azul escuro e parece que vai chover - ah, sim, isto é quando o sol mais se levanta, posso contar nos dedos!

Uma vez eu escrevi em um caderno e o guardei bem guardado que até o perdi. Mas tudo o que foi escrito é.

O sol também se levanta quando ando com meus pés tão leves. Quando observo minhas pequenas mãos. Quando me permito falar sem dizer nada. Quando só respiro sem sentir o cheiro.

E todas as portas se batem, mas é tudo tão raso que destoa e parece que vai apagar mas fica marcado. Deixa-se ir. Volta a ser quem se é. Perde-se um dia inteiro em um livro. Agradece aos pés. Cria uma coragem absurdamente brava e repica o cabelo de modo que ele fica sob os ombros. E dá de ombros, e então deixa para lá.

Sabe, outra vez eu peguei um espelho e vi tudo o que é. Não era o que estava, não era o que seria e não era o que foi. Era apenas o que se é. Eu senti um sentimento tão profundo e grande que ele parecia pesado, como um oceano muito azul escuro, e então eu notei que quando o sol se levanta o mundo é todo azul e que eu escrevo muito esta palavra porque ela é o que sou. E, assim, perdida nas palavras e folhas e letras e palavras de novo vou me sendo e sou-me e sou eu.

Afinal, o sol também se levanta!

29 de fev. de 2016

27 de dez. de 2015

The state of a life

Lately:

"Science is, to me, useless drudgery for no purpose. A vague, superficial understanding of molecules and atoms isn't going to advance my understanding of life."

And, most of all,

"I hate formulas, I don't give a damn about valences, artificial atoms and molecules."
(Letters Home)

Hello, Life. Just saying. :/

26 de out. de 2015

Atrás do pensamento

Atrás do pensamento é como um lugar guardado. Um local que a gente montou e foi morar nele. Um local que sempre existiu sem que a gente se desse conta. Um lugar que guarda um pouquinho da alma da gente enquanto acontece o dia.

Atrás do pensamento é como o meu copo de leite. É um livro em capa de veludo verde escuro a la Wilde, cheio de rimas bonitas que me fazem revirar os olhos. É como o caminho que sempre pego, mas é também o caminho novo que me rejuvenesce o olhar.

Atrás do pensamento é aquele que nunca foi. É aquele que ficou aqui. Sou eu sendo a menina que fui e que sempre hei de ser, porque me transformei em eu mesma - a gente sempre acaba se esbarrando com a gente.

É quando fecho os olhos e espero para ver o que é que vem. Quando recosto a cabeça em um canto e me descanso dos pensamentos, que fogem até chegarem onde você está. É uma onda do mar que vai mas voltou. Volta sempre, toca sinos, estende-se em minha cama e tem preguiça em sair.

Atrás do pensamento mora a pessoa de quem fui mais próxima na vida, as aventuras que vivemos juntas e um caderno que escrevi cheio de significados, pois significava muito. As pessoas crescem e vão embora da gente, mas se deixam ficar. A distância física nunca será maior do que outras distâncias, e isso é um alívio frio e azul anil, mas funciona para o dia de hoje. Só por hoje, só por hoje...

Quando eu contar até três é porque já contei até cinco e já esperei passar. Eu perdi a conta dos números, eu nem olho mais as horas no relógio, eu estou sentada observando o momento agora mesmo.

Atrás do pensamento está eu e está você. Está tudo o que é junto, e muito, e leve, e sensível como uma louça antiga, e fugaz (eu nem sei o que é isto, mas esta palavra me veio agora e pediu para eu a escrever), e vivaz - porque rima -, e com gratidão e precisão e me embaralho toda em me perder nesta estratagema. Céus, quando é que eu vou parar com isso, com esta coisa de brincar com as as coisas escritas? Estou ficando gente grande e preciso aprender a usar as palavras - digo, desaprender. Vou ter que montar azulejos bem escritos, e o mais difícil de tudo: que façam sentido no final. Para isso tenho olhado muito para as fotos de Woolf e de Plath que tenho em minha parede, imaginando que só de olhar para uma coisa dessas a vida faria sentido e eu seria invadida por palavras bonitas, complacentes e cheias de sentido. Continuo olhando.

No momento, preciso pegar um trem e tecer o caminho. Preciso ficar muito tempo acordada e pouco tempo dormindo, e nem tempo para vagar e me distrair do mundo eu tenho. Mas a gente embarca e sobe a escada e se dá conta de que trata-se apenas de mais um vagão.

E, enquanto isso, espirro um jato de perfume em mim, pois o gosto do cheiro me inspira, e eu seguro a minha própria mão, que é o que tenho, e vou seguindo, sabendo que, no fundo e no raso e em tudo o que sou, mora o que está atrás do pensamento.

13 de out. de 2015

O céu que nos protege

O céu que nos protege parece uma mão que vem carregar a gente.

Faz dia e faz sol, faz noite e está nublado. Pensei até na palavra lisonjeiras agora, como se eu a tivesse inventado, pois não sei o que significa.

Ela é feita de ossos, ela tem sorriso de maçã. Ela aperta os olhos tão fechadinhos e coloca um leve sorriso no rosto como se fosse um papel de parede nos anos 50. Ela caminha a passos curtos e apressados para a aula em que se aprende; ela deixa o prédio e não sabe para onde foi. Ela faz a leitura de um livro para espantar os minutos das horas.

O céu que nos protege tem gosto do cheiro da lembrança que a gente mais gostou. Parece algo tão complicado, porque é muito simples para nosso entendimento. Uma vez eu prestei atenção em um passarinho, e isso eu quase não faço pois não tenho tempo. Eu penso que há tantos passarinhos que eles se tornaram coisa comum. Mas, um dia, eu prestei atenção em um passarinho e corri e escrevi uma coisa passageira para que ela permanecesse.

O céu que nos protege tem a cor de um lenço de cabelo. Eu diria azul escuro de bolinhas, mas eu nem sei que cor é esta, mas sei que ela está ali. A gente fala as coisas como se tivesse cantando a nossa música preferida. Sabe como? Assim: a gente canta, fala e repete; a gente sabe de cor. Toca no fundo da nossa mente, sem parar. Fica ali. Faz morada. Vive com a gente. Algumas vezes cantamos mais, outras menos. Algumas vezes nem cantamos, mas a música está ali pois ela vive com a gente dentro de um lugar nosso que ela escolheu habitar. Será que dá para escutar daí?

E, não importa o passo que a gente dá, uma nuvem que parece uma morada sempre acompanha a gente nos olhando de rabo de olho como a espiar para não atrapalhar nossos próprios movimentos: é o céu que nos protege.

Um dia em soprei algo que eu disse em seu ouvido, deixei o céu pegar a minha mão mas sem mudar quem sou. Deixa eu ser eu mesma, a pessoa que nasci. Pois todo mundo é cada um, e tudo parece tão turvo agora. Na verdade, esta não era a palavra que eu queria usar, mas eu estou perdendo muitas palavras ultimamente, e este e  um processo que tem durado alguns anos. Por isso, vou cantar aquela música, na verdade eu tenho muitas músicas e, além disso, sou uma menina indecisa, e vou ler uma poesia porque, assim, vou falar eu mesma as coisas que outra pessoa escreveu, e então você verá que outra pessoa também já quis aquilo, e assim haverá muito mais argumento em minha parte. Sei: não estou fazendo sentido algum.

O céu que nos protege, por último, tem o semblante de uma mãe que se abstém de todo o egoísmo. Ele recorda uma avó velhinha cheia de sabedoria, esquecendo a parte limitada e atrasada, é claro. De vez em quando, ele até veste uma roupa, assim, meio como uma camisa social dobrada ate o meio do braço, pois esta é a maneira de se vestir para a vida, e veste também a coragem do tempo, a mansidão dos valores e o instinto de proteger. E, quando ele está quase virando esta pessoa toda por dentro, volta como uma mão a acariciar meu cabelo, pois não se pode perder a terna essência. Sejamos doces.

Neste momento, irei cantar todas as minhas músicas que sei de cor (mentira, não sei nenhuma. Eu só sei cantar pedaço de uma, pedaço de outra) e vou ficar repetindo as partes que gravei como se eu fosse um disco arranhado, e lhe entregarei nas mãos, com a preposição que eu bem desejar, quem sou.

E, enquanto o tempo passa, vamos seguindo - sob o céu que nos protege.

27 de set. de 2015

Domingo poderia ser sempre de dia

Ele custa a chegar. Ele chega, toca o sino e vem a tarde, e já vai perdendo a sua luz.

Domingo poderia ser sempre de dia. E eu me estenderia para gastar cada minuto de ti.

Pois, neste dia, as horas têm preguiça da vida, o estômago dorme sem fome e eu me encontro no que é meu. Domingo é a magia do tempo que o relógio não levou. Sou eu levantando cedo ou tarde - depende da minha vontade - e começando tudo do zero. Porque a sensação é que este dia é longo e é só meu, porque ele é de todos nós.

Domingo, as horas passam de dia, e, quando acaba, elas passam de tarde para só então a noite chegar. E a noite chega deitada, como que espreguiçada, tamanha a preguiça de deixar que o dia acabe.

Domingo poderia ser sempre de dia porque, no meu coração, ele demora a passar. Ele passa doído, porque não quer acabar. Domingo é apenas o último dia da semana, mas todo mundo o vê como se fosse o primeiro. Não é, não; domingo é o fim dos dias, é ele dizendo adeus, indo dormir, cheio de ternura e pouca vontade para o que não lhe convém.

Domingo parece um campo verde de futebol americano estendido - sabe como? Não, né? Nem eu sei, eu apenas meio que sei, mas ele é. Domingo parece um chá da tarde que tomo gelado, porque chá quente todo mundo já toma. Domingo se parece com folhas brancas mas escritas bagunçadas pelo chão. Ele se parece com os minutos em uma cidade pequena. Ele lembra abraço apertado como que não deixando ir, sabe como?

Domingo é o final de todos os dias. Mas é também o começo de todos os outros dias - volto a repetir.

Domingo já foi feio e sombrio, mas eu sempre vou na contra-mão e queixo-me se não sou eu mesma, então eu o pego para mim como um presente de embrulho, fito-o nos olhos e lhe digo: domingo, você é tão meu. E não vou deixar você ser de nenhuma maneira que não seja a minha. Pronto, domingo é agora o dia da semana que parece ser sempre de dia.

Ah, quantas coisas se pode fazer em um dia de domingo! E pode-se não fazer nada, que é também uma coisa muito boa de se fazer. Domingo, vem cá que eu lhe dou uma piscadela, puxo você para perto e vamos andando de mãos dadas - fica sempre comigo?

Eu quero viver todos os domingos da minha vida porque mesmo quando a vida acaba os domingos hão de existir. Ele parece um deus nórdico bravo, mas ele pode ser terno como uma folha de outono a cair em meus cílios. Ele é do jeito que você o trata, todo assim, cheio de personalidade. Os dias da semana são, afinal, como gente. Que coisa estranha.

Não vou me estender mais porque hoje é domingo, e cada minuto que passa é a tarde indo embora e eu não queria que este dia acabasse nunca, pois neste dia faço tudo o que eu quiser e apenas o que eu quiser e até nada que eu quiser se eu não quiser fazer nada.

Não vá embora não, Domingo. Se estenda mais um pouquinho, faça seu caminho, segura a minha mão. E então me guia para o dia seguinte, para a semana seguinte, para o ano seguinte, para a vida dos meus dias.