27 de jul. de 2014

Meu pé esquerdo

Meu pé esquerdo carrega comigo todas as coisas que já vivi na vida, e carrega a mim também.

Nele, apoio os ombros e meus pensamentos.

Desenho em folha de papel branca e crua a menina que fui e sou, não sabendo o que um dia serei - e se serei. Marco os contornos do meu corpo no desenho de leve, porque estou cansada dos conflitos históricos que não saem do lugar e não levam a lugar nenhum. O mundo é complicado demais, e eu faço parte dele assistindo.

Derramo tinta azul para dar alma a quem sou, porque sei que não há nada além disso e nada além de mim. Sou apenas quem sou, aqui e agora. E mantenho-me em pé sob meu esquerdo que me segura, me sustenta, divido comigo o mundo que levo nos ombros e anda comigo em círculos quando não sei para onde vou.

Diz-se que começa-se um bom dia com o pé direito mas eu muito desconfio que isto seja apenas um ditado desta região do mundo. Porque minhas duas irmas são canhotas e então o pé esquerdo só poderia trazer carinho e afeto a mim, e trazer-me para a vida.

20 de jul. de 2014

Aboli em um dia de pensamento

Aboli o mundo em um dia de pensamento.

Aboli as algemas que prendem as cabeças que não pensam. E desfiz as construções religiosas. Soprei nos ouvidos das pessoas velhinhas o soar do vento, sempre tão distinto. Amarrei com fita vermelha em forma de laço o carinho entre as pessoas.

Aboli este mundo em um dia de pensamento, e chacoalhei meus cabelos a fim de dizer não. Lembrei-me de que não sou ninguém, pois sou apenas alguém - eu mesma. Recortei com cuidado as memórias de um tempo bom que existiu e mantem-se para sempre.

No fim da rua, onde começa a União Soviética, pintei todos os muros sem vida e sem cor. Apenas para desafiar. Reli os livros que ando lendo para entender um pouco da história sobre outro ângulo - na verdade, os "maus" da história serão para sempre maus. Não há como mudar os fatos.

E, os detalhes, logo eles - sempre tão grandes aos meus olhos, embora tao pequenos e despercebidos para a humanidade! - foram sublinhados primeiramente de azul, mas depois pintei de cor de rosa, que é para alegrar este pedaço da história. A história é tão bonita e doída. E nem sei porque estou falando tanto dela - é que estou estudando em forma de lazer.

Aboli minhas mãos, as mangas das minhas blusas, cortei os cardaços dos sapatos, embora me refuse a andar descalço. Não gosto mesmo, não tem jeito. Retoquei o espelho com batom vermelho bem contornado, com traços delicados, mantendo-me viva. Olhei pela janela que mostrava a rua iluminada e escondi-me, tao tímida que sou.

Aboli este mundo em um dia de pensamento, porque os pensamentos acabam com tudo.

25 de jun. de 2014

O som das palavras ao fundo

Por vezes torna-se tão difícil expressar-me em palavras. Logo eu, que tenho apenas este recurso!

Sinto que quero escrever, mas sei que nada tenho. Vejo que, o que habita aqui dentro - este sentimento que tantas vezes transformo em palavras - vai-se indo para longe, como para o fim de uma rua na União Soviética.

Sinto que esta morrendo. Torço para que sim, reluto para que não. Vivo sempre neste redemoinho, sem conseguir libertar-me a mim mesma. Sim, eu.

O que vou lhe escrever é tão difícil, é tão silencioso. E é tão real que não precisa ser dito. As coisas são assim: quanto mais intensas e verdadeiras, mais silenciosas. Falar para que, se posso escrever?

15 de jun. de 2014

A Birthday Present ...

[...]
I do not want much of a present, anyway, this year. After all I am alive only by accident.

[...]

Can you not see I do not mind what it is. Can you not give it to me? Do not be ashamed--I do not mind if it is small.

Do not be mean, I am ready for enormity. Let us sit down to it, one on either side, admiring the gleam, The glaze, the mirrory variety of it. Let us eat our last supper at it, like a hospital plate. I know why you will not give it to me, You are terrified

[...]

I will only take it and go aside quietly. You will not even hear me opening it, no paper crackle, No falling ribbons, no scream at the end. I do not think you credit me with this discretion. If you only knew how the veils were killing my days. To you they are only transparencies, clear air. But my god, the clouds are like cotton. Armies of them. They are carbon monoxide. Sweetly, sweetly I breathe in, Filling my veins with invisibles, with the million

[...]

Is it impossible for you to let something go and have it go whole? Must you stamp each piece purple, Must you kill what you can? There is one thing I want today, and only you can give it to me.

[...]

I would admire the deep gravity of it, its timeless eyes. I would know you were serious. There would be a nobility then, there would be a birthday. And the knife not carve, but enter Pure and clean as the cry of a baby, And the universe slide from my side.

Sylvia Plath

1 de jun. de 2014

Yesterdays were like a holy sonnet

Death, be not proud, though some have called thee
Mighty and dreadful, for thou art not so;
For those whom thou think'st thou dost overthrow
Die not, poor Death, not yet canst thou kill me.
From rest and sleep, which but thy pictures be,
Much pleasure, then from thee much more must flow,
And soonest our best men with thee do go,
Rest of their bones, and soul's delivery.
Thou art slave to fate, chance, kings, and desperate men,
And dost with poison, war, and sickness dwell,
And poopy or charms can make us sleep as well
And better than thy stroke; why swell'st thou then?
One short sleep past, we wake eternally
And death shall be no more; Death, thou shalt die.

(John Donne)

29 de mai. de 2014

Hoje eu quero voltar sozinha

Hoje eu quero voltar sozinha, poder ser tudo o que eu seria.

Quero voltar sozinha por aquele caminho frio que já conheço. Quero andar sem medo de perder meus livros emprestados. Enquanto isso, soletrar palavras estrangeiras enquanto converso comigo mesma em uma outra língua qualquer. E, ao longo do caminho, ter meus olhos fixos nas janelas que são a alma das casas.

Hoje eu quero voltar sozinha, cuidar da minha casa como se ela fosse o meu coração. Reler meus trabalhos escritos que me deram tanto trabalho mas também tanta alegria. Quero correr pelo chão de cimento. Até me cansar, perder o folego, mas sorrir para vida.

Hoje eu quero voltar sozinha sob um céu azul escuro atrás de mim. Como protagonista da minha própria vida e concorrente a realizar meus sonhos. Quero escrever em um papel todas as minhas dúvidas, tristezas, pensamentos, memórias doces e conquistas. Quero tirar fotos com meus olhos e guardá-las la no fundo da minha mente distraída.

Hoje eu quero voltar sozinha por um caminho desconhecido, que passa por trás de um museu. Onde ninguém irá me ver porque quero estar sozinha. Quero fazer-me companhia porque gosto muito da minha própria presença, embora nem sempre eu me seja doce. Quero rabiscar as coisas inacabadas, dando um fim a elas. E levantar da cama ainda sem tirar as meias, sem a gastura de pisar no chão.

Desejo guardar comigo os meus segredos, porque são só meus e eu só os dividiria com minha mãe, a quem sei que me quer mais bem do que qualquer pessoa. Mas hoje eu quero voltar sozinha, voltar para um lugar que nunca deixei. Pular o muro porque acho que assim vou mais rápido. Não me importar com a semântica das palavras. 

Hoje eu quero voltar sozinha por um caminho que é meu.

26 de mai. de 2014

Uma aprendizagem ou o livro dos prazeres

A bota que bate no solo, a passos firmes, e me provoca arrepios. Olho para cima e o contorno do seu corpo é moldado por um uniforme militar.

Perco-me em suas não-curvas, em seu corpo magro, em suas pernas bonitas, como me inspira. Paro-me em seus olhos. Encaro-os profundamente até me perder e me encontrar outra vez.

O cheio forte. Os cabelos ao vento que me chamam a atenção. As palavras rudes - ou seria apenas características da língua? Os gestos pequenos, o bosque logo acima, as ruas vazias e a neve derretida.

Embaixo dos meus braços, carrego um caderno. Nele escrevo aventuras. Suspiros. Sentidos. Desejos. Nele revivo tudo o que vivi um dia. Nele, está a minha vida.

E os passos largos, com pisadas fortes, continua a caminhar. Vai para um local ao norte que eu não sei onde, e neste momento me perco sozinha no caminho. Fui deixada para trás e sinto-me como uma aluna desorientada diante da tese. Estou no vazio deste mundo imenso. Estou pequena se vista do céu. Estou desatenta. Mas estou eu mesma.

Recordo-me dos livros de história e dos debates acadêmicos. Sou invadida por indagações gélidas que me cortam os dedos mas, ao lembrar teu nome, sou consumida por palpitações.

Fica-se as marcas. A cicatriz grande e profunda, mas pela qual tenho tanto carinho. Fica-se a minha mão estendida e, de volta, uma mão que me bate o rosto. Vai embora o meu sorriso, embora tenha-o cuidado com estima para ti. Todas as pequenas coisas que ocuparam tanto espaço - não porque eram pesadas, mas porque me eram queridas.

Vai-se, o que ficou.