14 de fev. de 2017

Formosa

Como era formosa: a começar pelas mãos.

Era formosa nos passos, mas não só apenas no jeito de andar. Gostávamos dos caminhos que ela escolhia passar e observávamos à distância.

Era formosa no jeito de sorrir, porque só o fazia de maneira genuína e quase sempre, ainda que todo o resto do tempo fosse uma pessoa séria.

Formosa em seus cabelos, com longas mechas cor-não-sei-do-quê, e formosa em seu olhar. Era formosa até no que via: viu o menino que lembrava-lhe os campos de concentração, mas ainda assim ele despertava-lhe ternura; viu os ladrilhos das casas; viu as oportunidades que ora batiam à porta; viu o chegar e o partir; viu tudo in-between.

Formosa no jeito de pensar: ora pensava muito, ora não queria pensar nada. Mas não conseguia: confabulava as maneiras de fazer as coisas da vida, pensava no canto esquecido do armário, refletia sobre as relações econômicas de trabalho, dialogava consigo sobre a queda da cortina de ferro e as consequências mais atuais do que nunca -- ah, há tanto para se viver, ainda que já muito tenha sido vivido!

Formosa no jeito de falar: sua voz parecia nunca envelhecer, soava como carinho recebido no cabelo, era doce como mouse de maracujá bem azedo - é que ela destetava soar tão meiga e gostava quando pegava um resfriado e ficava rouca.

"Gente, eu sou brava" - bradava ela, numa tentativa de fazer-se quem é. Mas todos bradavam de volta: "és meiga! és a mais sincera! és a mais amiga! tome o seu coração mole!". E, então, ela voltava para casa cabisbaixa, porque contra a voz popular ela precisaria levantar um cartaz e ser lida. Era isso o que ela era: tudo isso e em todo lugar. Mas, acima de tudo, era formosa.

Era formosa no jeito de ser: descobriu isso no dia que viu o mais formoso dos seres à sua frente, como um espelho. É que a gente atrai o que é, não é mesmo? Era formosa e nem sabia disso, saía por aí caminhando sem rumo e encontrando pessoas no caminho -- e alguma delas ela levava consigo.

Um dia formou-se formosa e foi formosa em toda a sua forma. Ela era ela do topo da cabeça aos dedos do pé, embora jurasse de pé junto que ia sendo apenas ela mesma.

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