Quando eu pegar os papéis, formulários a ser preenchidos, canetas e ter a história da minha vida na mente, pronta para ser escrita em letra legível e linguagem formal, vou lembrar-me daquele espaço de tempo, em que "assim vivíamos".
Antes de conhecer você eu já havia me tornado: eu era quem eu era, mas hoje pergunto-me quem sou.
Eu já havia estudado e me graduado, ganhando um diploma que me tomou (ou acrescentou) quatro anos. E eu estava quase acabando uma segunda graduação, que também me havia tomado (ou acrescentado) quatro anos. Eu os havia escolhido sem antes existir você: de maneira alguma poderia haver qualquer influência.
No entanto, ultimamente, sempre que penso em estudar mais, que é o que estou sempre fazendo, fico irritada, ou perdida, pois acabo vendo um pedacinho de você nas coisas. Eu bem que gostaria daquilo, ou daquilo outro, ou daquilo lá - mas aí vem você e me põe em dúvida: gosto apesar de você ou por causa de você?
Sei que, se eu sentir o vento frio da noite na janela do meu quarto e não racionalizar aquele momento, poderei ser levada para um instante anterior. Vou sentir o que senti e passar pelas mesmas emoções experimentadas. Vou até ser quem fui um dia - o que não tem problema, porque eu era incrível - mas é que hoje eu sou mais incrível ainda.
Sei que por aqueles corredores de cor amarela ainda verei o rastro dos seus passos, como seu fosse possível preservar a poeira cósmica dos seus sapatos. Vou entrar nas salas sem prestar atenção nos números, mas saberei o lugar exato em que você se sentou. No quadro negro, ainda lerei possíveis letras que formaram palavras e você leu, aprendeu, anotou. Tudo isso é porque assim vivíamos.
Se eu um dia voltar a caminhar por aquele caminho, sei que vou levar você. Não tem jeito. Mas eu queria levar apenas metade de ti, para que a outra metade minha ainda fosse eu. E eu queria levar o dia de hoje, o modo que vivemos, e quem sabe o amanhã, e o modo em que viveremos - mas não o modo como vivíamos.
Isso, porque o modo como vivíamos já foi vivido e não existe mais -- e isso é o mais bonito: porque, antes de deixar de existir, ele tornou-se, e, quando se torna, se é. Ser, apenas. O que é não tem tempo, razao ou circunstancia: é, apenas. Que não esqueçamos "ser". Mesmo o que já fomos.
Assim vivíamos, e o jeito de viver que era a vida naquele momento ficou em alguma gaveta da história. Vez ou outra abro-a por engano, mas fecho-a com ternura e o sorriso de quem sente-se grata pelo que viveu -- viver é sempre ganhar, não há como perder.
Assim vivíamos...
13 de fev. de 2017
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