14 de fev. de 2013

Era uma vez este dia


Era uma vez uma menina que existiu um dia. E também um dia, que existiu – um dia como esse. Essa menina estava a se arrumar no espelho. Tudo era favorável: o banheiro, por exemplo, era daqueles bem bonitinhos, como ela gosta. Lembrava de como era a moldura do espelho, da banheira que ficava logo atrás e que não era usada, da janela comprida que lhe permitia ver lá fora, o chuveiro que lhe dava tanto trabalho e a bagunça dos outros. Havia ainda o corredor que levava aos quartos, todo em tapete vermelho, e as portas em madeira antiga e escura. Estivera em um palácio?, pensava ela! E havia o príncipe na sala. O príncipe realmente tinha cara de príncipe e, naquele época, comportava-se como tal. Perguntava-se sempre, como a indagar à vida, o que fizera para merecer tudo aquilo. Enquanto isso, ajeitava o cabelo no espelho, com o celular do lado. Parou para escrever uma mensagem, que mandara com tanto carinho e o coração a pulsar forte e acelerado. O reply veio logo e ela, é claro, derreteu-se. Como pudera ter um coração assim tão mole, constantemente a derreter, com tanta neve lá fora? Assim era ela, assim era você. Em um dia como esse.

À noite faria programa a dois. E era mesmo dois: eram dois mas eram um só; era desses programas românticos que, de tão lindo, valeria por dois; e dois, como sempre, era o seu número favorito. Ao sair lá fora sentia o calor do verão que não existia a aquecer seu corpo. Observava as colagens no mural. Tivera tanta vontade de escrever aquilo e se declarar a ele. E, enquanto isso, servia de inspiração. Caminhavam pelo corredor, andavam de mãos dadas, iam em frente, chegavam local favorito dos dois – ou ao menos dela, pensava ela.

Haveria ainda um café da manhã bem pobre mas também tão rico, pois era de grande valor. Uma cama que era não sei de quem, na qual dormiam e faziam gemidos à meia noite de um dia que acabava. E tudo isso com a lua lá fora.

"It all started with the moon, inaccessible poem that it was" (Patti Smith)

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