Todas as coisas do mundo só existem porque têm nome e o segredo para tudo isso é: como é que se escreve?
Saiba como escreve, tenha o oráculo desvendado em mãos. Saiba como escreve, leia o mapa da subjetividade. Percorra-o. Escreve e cria, assim, o primeiro momento de todas as coisas.
Então era esse o momento inicial: as primeiras palavras. O modo como eu as escrevia. O contorno do S. Letra cursiva ou letra de imprensa. Uma anotação só minha que era como desvendar o mistério da criação diante dos meus olhos: bastava ler o que havia sido escrito.
Como é que se escreve: o nome dele, a cidade da era soviética que ainda se mantém de pé, o sobrenome de quem a gente ama, os números do calendário, as ideias repentinas, o momento que passou, o olho na pulseira do seu braço, o dia seguinte, o barulho que o ventilador deveria fazer, as horas no relógio, as faces comuns, os lugares conhecidos, os passos que a gente deu, a melodia que os fins do dia trazem, o cheiro de inverno no meu mês, a porta da lanchonete onde comi a refeição que me deu vida, o episódio da história, o amor que eu senti um dia ... como é que se escreve?
E, escrevendo, qual será o nome?
Dê-me um nome, para que eu o dê às coisas. Todas as coisas pedem nomes, pois é a razão primeira para que possam existir. Então, me diz, como é que se escreve? Me diz, e eu mesma escrevo por mim.
Qual o nome disso?
Sabe como se escreve e terás o segredo da criação e do andar invisível, mas palpável, dos dias.
2 de mai. de 2017
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