Quando eu crescer, será tarde demais. O sol já estará se pondo e os ventos gelados do sul estarão chegando para fazer morada em terra de ninguém.
Quando eu crescer, vou pintar as casas de um verde musgo, vou medir água de neve derretida, vou guardar pegadas deixadas por você e dobrar meus mapas de uma vez por todas. Vou apagar a luz e apagar também aquela noite congelando em uma igreja qualquer. Todas as igrejas, afinal, são qualquer.
Quando eu crescer e finalmente me dar conta de mim, vou parar de falar em você. Vou atentar-me ao relógio, logo eu que sempre fui preguiçosa e sempre pontual. Vou desejar ter cílios gigantes, como os árabes. Minhas mãos serão brancas como a neve, para que todos possam ver minhas veias azuis. Vou olhar para minhas veias e não sentir vontade de picá-las, contagiando-as com a droga da alegria.
Também irei vasculhar minhas caixas de parafernália que são, na verdade, cheias de coisas importantes para mim. Eu só não sei o que fazer com elas. Mas, se soubesse, não seria eu. E eu preciso me ser.
Assim que eu crescer, prometo que darei passos de forma mais devagar, sem essa pressa toda ao andar que minha irmã mais nova tanto critica em mim. Tentarei driblar meu pensamento, para que ele acompanhe, então, estes meus novos sapatos.
Quando eu crescer, terei lido todas as obras da literatura e isto teria me feito uma gênia. Eu seria então um ser azul que plainaria pela atmosfera nas noites escuras a olhar você. Também discutirei política como nos intervalos da aula, encostada na porta. Terei cuidado para não descer as escadas correndo, atentando-me para a promessa que fiz a minha irmã de andar mais devagar. Mas seria possível? Que monótono!
Eu, também, irei depositar importância nas bancas de frutas que formam a feira logo ali. Prometo que não vou passar sem percebê-las. Irei escrever os cartões que nunca escrevi. Irei, enfim, usar minhas canetas maravilhosas de 1 milhão de dólares, sem dó. Irei aposentar minhas meias velhas e jogar as pernas para cima. Irei falar, vez ou outra, porque as vezes me cansa ser tão calada.
Aos professores que deixaram uma pintinha em minha pele, irei dedicar flores imaginárias, pois flores de verdade murcham e são sem personalidade. Irei dar bom dia a moça que limpa a esquina daquele ponto imaginário de uma curva no amanhecer, pois estas são as pessoas com quem mais gosto de conversar, uma vez que são cheias de histórias. E estórias. E tudo mais.
Quando eu crescer, correrei até todos os supermercados, entrarei nas livrarias e deixarei as portas baterem, irei a padaria buscar broas queimadas, passarei em frente janelas de vidro embaçado e afirmarei, mais uma vez, que cercas não passam de objetos de decoração.
Quando eu crescer, e tiver a altura de um muro no mundo.
31 de jul. de 2013
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