19 de out. de 2017

De repente, uma batida na porta

Era de repente, e era uma batida na porta.

Uma batida na porta tinha todos os sons bonitos que eu ouvira na vida: a música dos meus grupos musicais, a sua voz do seu jeito, os sotaques que eu achava bonito, as palavras que eu ouvi e me marcaram, o caminhar dos passos das pessoas que me inspiram e o barulho do vento num dia frio à noite.

Uma batida na porta era algo tão suave que eu até esquecia que existia, que viria, que chegava. Era também tão intensa - mas nunca pesava, porque sempre leve - que me abria os olhos e me fazia olhar.

Uma batida na porta chegou num dia que eu nem sabia que existia: mas estava lá. 

Eu estava rodeando o quarteirão, cantando do meu jeito aquelas meia melodias que soavam inteiras, segurando um copo d'água na mão, pesquisando as estatísticas do governo, planejando a próxima viagem, sentido todo o sentimento que cabia dentro de mim, pondo a roupa para lavar, dirigindo meu carro até o supermercado, correndo à noite, dormindo de madrugada, visitando a livraria, às vezes ficando indignada, indo ao cinema toda semana, escrevendo uma coisa ou outra... - mas o mais que eu estava fazendo quando chegara a batida na porta era vivendo.

Uma batida na porta veio do lado de lá: antes que ela visse que eu a vira eu já estava olhando.

E sentindo, e pensando, e pedindo, e desejando, e esperando, e desistindo, e acreditando, e criando, e esquecendo, e duvidando, e o que eu mais fazia: eu estava vivendo.

Uma batida na porta nem parece, mas tem uma cor: é azul.

Uma batida na porta nem parece, mas aparece. 

Uma batida na porta é.

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