Transcrição de coisas pensadas e escritas - só que no meu diário:
Eu queria viver ao teu lado, porque isso significaria não apenas existir.
Queria te abraçar por inteiro, até se desfazer de mim - vai ver, isso é tornar-me eu mesma.
Eu queria ir comprar leite na padaria contigo, porque o leite acabou. Experimentar doces exóticos só porque não têm gosto de nada. Caminhar segurando as suas mãos, ou estar sempre a uma distância em que eu pudesse tocá-las. Eu queria ter o meu cabelo grande só para você tocá-lo, só para você olhar e ver, só para lavá-lo apenas quando tomo banho contigo. Eu queria pintar as unhas só para vê-las descascar e ouvir que você não liga - até gosta.
Eu queria ter você só porque, assim, sou um pouquinho mais eu.
Eu queria que chegasse de noite só para saber que as horas anteriores àquele momento foram vividas ao seu lado.
Queria que você comentasse comigo uma coisa sem importância, só para eu saber o que veem seus olhos e poder notar suas observações sobre o tudo e sobre o nada. Eu queria te encontrar num café no meio da tarde, só para ousar pensar e sentir que o mundo é todo meu.
Eu queria saber o que é passar dificuldades financeiras - mas ao seu lado. Queria virar o pé ao seu lado. Perder as chaves de casa enquanto estivesse contigo. Até quebrar o braço - eu não gostaria, mas teria coragem, se fosse ao seu lado. Ser xingada na estação de metrô. Não entender direito o que o dono da venda da esquina falou. Perder-me em meio às opções no supermercado. Não achar o caminho de volta para um lugar que eu chamaria de casa. Eu queria escolher a profissão errada, cortar o cabelo e me arrepender, quebrar a torneira da cozinha e estourar o encanamento. Queimar o jantar. Nunca ter coragem de ir aos correios sozinha por medo - mas, tudo, ao seu lado.
Eu queria a glória de você participar, e não apenas existir.
De você participar um pouquinho de mim e de quem eu sou. De poder lhe dizer como andam as coisas, ainda que elas não andem. De te contar meus medos só para você rir e eu achar que está tudo bem. Eu queria te dar um livro de presente - aliás, eu queria te dar todos os bons livros de presente. E, em cada um deles, te escrever uma dedicatória só minha, só para você. Queria te comprar comida numa barraca de rua. Queria te mostrar os caminhos alternativos que faço só para fugir do comum - literal e simbolicamente.
Eu queria poder vestir uma roupa e pedir a sua opinião, sabendo que você não dá a mínima. Queria ficar resfriada ao seu lado - ao lado de você, que já ficou resfriado perto de mim.
Eu queria te contar que há pouco comprei o livro da escritora XXX sem sequer saber que ela tem o mesmo nome que XXX. Que coincidência! - e eu nem posso te contar.
Eu queria saber como é o lugar que você mora, entrar na sua casa e te ver viver.
Queria saber como são as janelas e, se há detalhes, como eles são. Se não há, eu os crio. Queria saber se, havendo elevador, você pega a escada. Eu queria saber a cor da roupa que você está usando hoje - ah, como eu queria! E todos os dias eu te perguntaria a cor de novo, e todos os dias - até o amanhã, seriam hoje.
Eu queria saber o nome do xampu que você usa no cabelo, a marca do seu sabão em pó, quantas vezes você mastiga a comida: as coisas triviais são as mais únicas e mais importantes. Elas nos fazem ser quem somos.
Eu queria saber quantas vezes no ano você tomou sorvete. Qual foi a última coisa que você leu. O que acha do governo.
Queria que você me escrevesse: uma carta, um cartão ou apenas meu nome.
Queria que, quando você me lesse, saísse de si e visitasse a mim.
Eu queria que você me conhecesse. Me soubesse. Me entendesse. Me visse. Me sentisse. Me ligasse. Me convidasse. Me dissesse (esses verbos me deixam zonza).
Eu queria que você fosse você. Apenas você, todo e todinho.
Eu queria saber qual é o seu peso, só para compará-lo ao meu. Sabe quanto eu peso? Neste momento, 55kg, mas o meu peso era 52 kg.
Eu queria saber a sua altura, só para eu olhar para as coisas, para os prédios e para as pessoas e saber que você é mais alto - você será sempre o mais alto. E também, para saber se aquelas coisas altas, como nas gôndolas do supermercado, você pegaria para mim - só que na vida.
12 de jul. de 2017
11 de jul. de 2017
TUDO DEVE ESTAR SENDO O QUE É
Meu deus, e se o mundo despencar? E se a chuva, que era como quase chuviscando, virar tempestade? E, se disso tudo, eu apenas sentir? Se disser que são apenas os meus sentimentos, terei justificativa? Há remédio para tudo isso? Qual o nome que isso deve se chamar? Como é ser assim? O que sou, nesse momento? E as pessoas, o que aconteceu com o que elas eram? E o que se tornaram, há um nome além daquilo, há um nome além de "papai"? O que são as pessoas agora e o que eu achei que elas eram? Como é o nome do azul do mundo neste momento, mesmo?
TUDO DEVE ESTAR SENDO O QUE É.
Mas, então, tudo é novo de novo, como um choque no rosto, um banho frio, cair do 2o andar, descer as escarradas correndo sem tocar no corrimão, subir as ladeiras da cidade de Belo Horizonte de carro - ufa! que medo!
TUDO DEVE ESTAR SENDO O QUE É.
Tudo deve estar sendo o que é, penso comigo mais uma vez. E pensarei assim em todas próximas "próximas vezes". A cada momento - a cada 5 minutos, quando sou levada a lembrar. Esqueço, e já lembro de novo. Me distraio, e já sou levada a retomar a realidade que me cerca. Ando um pouco e levo um tapa no rosto. Me levanto, passam alguns segundos e vem o soco no estômago: o estado das coisas neste momento.
A órbita do mundo nem uma vez sequer saiu do seu lugar. Então, está tudo certo - até o que está errado está certo, afinal.
"Tudo deve estar sendo o que é" - esse é o meu mantra diariamente, segundamente, terçamente, minutamente, num tempo inventado, porque perdi o passar dos dias.
Quando olho os seus olhos, vejo o mundo neste momento: tudo deve estar sendo o que é. Seus olhos são claros como a Criação, então não há como eu não entender os momentos. Está exposto, foi me dito, está escrito. Além disso tudo, é o que tem sido vivido. E, para isso, não há escapatória: a vida é o que se é.
As escolhas de um tempo são as escolhas da vida. Porque o que eu escolhi num momento é o que fará a histórias dos próximos dias. Isso tudo me lembra duas coisas: o livre-arbítrio, mas também o tal do destino. Será que isso tudo estava programado?
- - - - - -
Tudo deve estar sendo o que é mesmo.
Respiro fundo.
E milhares de vezes ao dia me lembrarei: "tudo deve estar sendo o que é".
TUDO DEVE ESTAR SENDO O QUE É.
Mas, então, tudo é novo de novo, como um choque no rosto, um banho frio, cair do 2o andar, descer as escarradas correndo sem tocar no corrimão, subir as ladeiras da cidade de Belo Horizonte de carro - ufa! que medo!
TUDO DEVE ESTAR SENDO O QUE É.
Tudo deve estar sendo o que é, penso comigo mais uma vez. E pensarei assim em todas próximas "próximas vezes". A cada momento - a cada 5 minutos, quando sou levada a lembrar. Esqueço, e já lembro de novo. Me distraio, e já sou levada a retomar a realidade que me cerca. Ando um pouco e levo um tapa no rosto. Me levanto, passam alguns segundos e vem o soco no estômago: o estado das coisas neste momento.
A órbita do mundo nem uma vez sequer saiu do seu lugar. Então, está tudo certo - até o que está errado está certo, afinal.
"Tudo deve estar sendo o que é" - esse é o meu mantra diariamente, segundamente, terçamente, minutamente, num tempo inventado, porque perdi o passar dos dias.
Quando olho os seus olhos, vejo o mundo neste momento: tudo deve estar sendo o que é. Seus olhos são claros como a Criação, então não há como eu não entender os momentos. Está exposto, foi me dito, está escrito. Além disso tudo, é o que tem sido vivido. E, para isso, não há escapatória: a vida é o que se é.
As escolhas de um tempo são as escolhas da vida. Porque o que eu escolhi num momento é o que fará a histórias dos próximos dias. Isso tudo me lembra duas coisas: o livre-arbítrio, mas também o tal do destino. Será que isso tudo estava programado?
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Tudo deve estar sendo o que é mesmo.
Respiro fundo.
E milhares de vezes ao dia me lembrarei: "tudo deve estar sendo o que é".
9 de jul. de 2017
Algo errado não está certo
Algo errado não está certo: eu já saberia pela temperatura lá fora, pela neblina que embaça a janela do meu carro enquanto dirijo para lugar nenhum. Gosto mesmo é de ficar dirigindo, sem destino - estou me dissipando.
Alguma coisa errada não está certa, e isto sou eu quem estou falando. Falo quando não digo. Quando quero dizer, escrevo.
Algo errado não está certo e já havíamos chegado a essa conclusão no ano da copa do mundo - ele, o amigo, e eu. E o que tínhamos em comum. Sim, nós mesmos, se é o que você pensa. E o que tínhamos em comum era isso: você. Nós dois fomos um dia seus amigos...
Ei, algo errado não está certo: já dizia o meu coração, que não fala, mas assopra.
Algo, esse algo, e então escrevo na última folha do caderno, aquela escondida. Ultimamente, pago para ouvirem o assunto: é o que chamamos de "terapia" - só um bem entendido do assunto para te entender, ligar os pontos e me convencer.
Divago como se não houvesse amanhã porque, quando o amanhã chega, chamamo-o de hoje -- eu, definitivamente, não sei conjugar verbo e caminharei assim: sem dominar meu próprio idioma, que me domina e me obriga escrever.
Certo não é errado, mas o certo e o errado foram criados. Salva aquele que estuda antropologia e emprega o relativismo a seu favor: tudo é relativo, mas insisto: algo errado não está certo. E dessa vez não usei meu cérebro, do qual sempre faço uso, mas ouvi Eu. Eu, que moro aqui dentro de mim.
Eu, que sou. Enquanto o errado não é o certo.
Algo errado não está certo e a sensação é que apunhalaram a minha mão. Fecharam meus olhos para as belezas que restavam. Taparam a minha boca e perdi o som do seu nome. Meus ouvidos nunca mais vão ouvir a gentileza que é você...
Hey, você: algo errado não está certo.
Alguma coisa errada não está certa, e isto sou eu quem estou falando. Falo quando não digo. Quando quero dizer, escrevo.
Algo errado não está certo e já havíamos chegado a essa conclusão no ano da copa do mundo - ele, o amigo, e eu. E o que tínhamos em comum. Sim, nós mesmos, se é o que você pensa. E o que tínhamos em comum era isso: você. Nós dois fomos um dia seus amigos...
Ei, algo errado não está certo: já dizia o meu coração, que não fala, mas assopra.
Algo, esse algo, e então escrevo na última folha do caderno, aquela escondida. Ultimamente, pago para ouvirem o assunto: é o que chamamos de "terapia" - só um bem entendido do assunto para te entender, ligar os pontos e me convencer.
Divago como se não houvesse amanhã porque, quando o amanhã chega, chamamo-o de hoje -- eu, definitivamente, não sei conjugar verbo e caminharei assim: sem dominar meu próprio idioma, que me domina e me obriga escrever.
Certo não é errado, mas o certo e o errado foram criados. Salva aquele que estuda antropologia e emprega o relativismo a seu favor: tudo é relativo, mas insisto: algo errado não está certo. E dessa vez não usei meu cérebro, do qual sempre faço uso, mas ouvi Eu. Eu, que moro aqui dentro de mim.
Eu, que sou. Enquanto o errado não é o certo.
Algo errado não está certo e a sensação é que apunhalaram a minha mão. Fecharam meus olhos para as belezas que restavam. Taparam a minha boca e perdi o som do seu nome. Meus ouvidos nunca mais vão ouvir a gentileza que é você...
Hey, você: algo errado não está certo.
7 de jul. de 2017
O céu se enganou
O céu se enganou: mandou uma carta para o endereço errado.
Ele me olhou lá de cima, com seus olhos de imensidão, mas se tivesse me puxado, eu teria falado: "hey, não é para mim, não. Céu, tem algo errado, um leve engano, deve estar enganado".
O céu deve ter se enganado: porque me pegou desprevenida, quando eu folheava as páginas de um jornal como quem desiste da esperança. Veio falar comigo quando eu já estava de saída, quando eu já havia subido as escadas e agora descia
Hey: o céu se enganou.
O céu se enganou porque não sou eu a receber aquilo para ler, não. Porque eu quis ler algo assim tanto na vida, que se passou vários anos e eu não vi nem o reflexo de uma palavra. Nem a sombra eu vi. E isso era como um sinal de sol - do lado de lá.
O céu cometeu um engano: trocou os papéis e, vai ver, até esqueceu meu nome. Me deu um presente de aniversário quando eu já estava ficando velha - em junho sou sempre jovem, mas ele deve ter se enganado!
O céu se enganou porque não está a falar comigo. E, se está, não tenho ouvidos. Porque não quero ouvir aquilo que não sei responder. Nem quero ler, porque não sei mais escrever. As letras não têm mais o som de quando eu te escrevia. O céu só pode ter se enganado!
O céu acordou 30 minutos após o horário: já passava das 8h e ele perdeu a hora. E, eu, já estava seguindo caminho. E o céu, enganado, me viu mesmo assim. Fez chegar até a mim. Mas eu não li, não vi e não senti - até hoje tenho evitado. "O céu só pode estar enganado", penso eu todo dia. "Porque ele iria fazer isso por mim?", acrescento ao pensamento. E sigo em frente. Mas ele vem e me puxa.
E o silêncio toma conta dos dias, como nuvens negras pesadas a se aproximar - para uns, parece tempestade; para mim, é sinal da mais pura calmaria. O som do silencio é o maior estrondo que os ouvidos humanos um dia irão escutar.
Enquanto isso, a única - a única! - coisa que quebra o silêncio é minha indagação: "o céu deve ter se enganado. Eu não era o destinatário daquele remetente que nem li, não".
O céu se enganou e, estando enganado, só pode ter se enganado.
A destinatária não seria eu.
O céu se enganou.
Ele me olhou lá de cima, com seus olhos de imensidão, mas se tivesse me puxado, eu teria falado: "hey, não é para mim, não. Céu, tem algo errado, um leve engano, deve estar enganado".
O céu deve ter se enganado: porque me pegou desprevenida, quando eu folheava as páginas de um jornal como quem desiste da esperança. Veio falar comigo quando eu já estava de saída, quando eu já havia subido as escadas e agora descia
Hey: o céu se enganou.
O céu se enganou porque não sou eu a receber aquilo para ler, não. Porque eu quis ler algo assim tanto na vida, que se passou vários anos e eu não vi nem o reflexo de uma palavra. Nem a sombra eu vi. E isso era como um sinal de sol - do lado de lá.
O céu cometeu um engano: trocou os papéis e, vai ver, até esqueceu meu nome. Me deu um presente de aniversário quando eu já estava ficando velha - em junho sou sempre jovem, mas ele deve ter se enganado!
O céu se enganou porque não está a falar comigo. E, se está, não tenho ouvidos. Porque não quero ouvir aquilo que não sei responder. Nem quero ler, porque não sei mais escrever. As letras não têm mais o som de quando eu te escrevia. O céu só pode ter se enganado!
O céu acordou 30 minutos após o horário: já passava das 8h e ele perdeu a hora. E, eu, já estava seguindo caminho. E o céu, enganado, me viu mesmo assim. Fez chegar até a mim. Mas eu não li, não vi e não senti - até hoje tenho evitado. "O céu só pode estar enganado", penso eu todo dia. "Porque ele iria fazer isso por mim?", acrescento ao pensamento. E sigo em frente. Mas ele vem e me puxa.
E o silêncio toma conta dos dias, como nuvens negras pesadas a se aproximar - para uns, parece tempestade; para mim, é sinal da mais pura calmaria. O som do silencio é o maior estrondo que os ouvidos humanos um dia irão escutar.
Enquanto isso, a única - a única! - coisa que quebra o silêncio é minha indagação: "o céu deve ter se enganado. Eu não era o destinatário daquele remetente que nem li, não".
O céu se enganou e, estando enganado, só pode ter se enganado.
A destinatária não seria eu.
O céu se enganou.
6 de jul. de 2017
Papai me empresta o carro
(Essa é apenas uma música da Rita Lee)
Papai, me empresta o carro. Me empresta o carro, que a via é perigosa, é contínua e é de dia - se fosse ao menos de noite!
Me empresta o carro, que estou na subida. Me empresta logo, que daqui a pouco vem a descida. Papai, me empresta o carro para as balizas que tenho feito ao longo da vida: sempre entrei nas vagas de baliza de primeira, com muito esmero, parecendo filme - até eu me perguntava: foram minhas mãos a dirigir ou era o meu cérebro a me guiar? Mas estas, de que falo, são apenas as simples balizas de carro...
Papai, me empresta o carro, deixa o tanque cheio de gasolina, ajusta o retrovisor - sim, ajuste o retrovisor para mim. Diga-me quando frear, pega o volante se for preciso! Passa as marchas que eu há muito tempo já sei passar de cor - quero sempre um carro manual, porque carro automático é falta de criatividade!
Papai, me empresta o carro, porque todos queremos guiar e sair logo do banco de carona.
[ Um dia meu pai me deu um carro: era de manhã e ele me levou na loja para ver. A marca é Chevrolet, que é a marca que ele mais gosta. Mas eu fiz do carro algo meu: comprei um adesivo, que é apenas uma letra, a letra D, e que veio de uma longe península que está logo aqui no meu coração, e o enfeitei perto do farol traseiro. Desde então ele traz sempre consigo, e eu sempre comigo, o D, nosso amor comum. E, assim, tomei posse: entrei, dirigi, convivi com ele e o olhei nos olhos - carro tem olho, sabia? Temos convivido quase que diariamente, o meu carro e eu, com exceção dos dias que caminho sozinha, porque eu gosto muito de caminhar pelo mundo enquanto vou vivendo - caminhar é viver a fundo. ]
Voltando ao assunto: papai, me empresta o carro. Me empresta o carro que você tem. Me empresta um carro que passa por uma via do mundo. Me dá as direções. Me escuta te chamar sem falar teu nome. Me empresta e eu te devolvo o que é teu. Pego para mim só o que é meu, só o que sou eu - por isso, papai: me empresta o carro?
Papai, me empresta o carro. Me empresta o carro, que a via é perigosa, é contínua e é de dia - se fosse ao menos de noite!
Me empresta o carro, que estou na subida. Me empresta logo, que daqui a pouco vem a descida. Papai, me empresta o carro para as balizas que tenho feito ao longo da vida: sempre entrei nas vagas de baliza de primeira, com muito esmero, parecendo filme - até eu me perguntava: foram minhas mãos a dirigir ou era o meu cérebro a me guiar? Mas estas, de que falo, são apenas as simples balizas de carro...
Papai, me empresta o carro, deixa o tanque cheio de gasolina, ajusta o retrovisor - sim, ajuste o retrovisor para mim. Diga-me quando frear, pega o volante se for preciso! Passa as marchas que eu há muito tempo já sei passar de cor - quero sempre um carro manual, porque carro automático é falta de criatividade!
Papai, me empresta o carro, porque todos queremos guiar e sair logo do banco de carona.
[ Um dia meu pai me deu um carro: era de manhã e ele me levou na loja para ver. A marca é Chevrolet, que é a marca que ele mais gosta. Mas eu fiz do carro algo meu: comprei um adesivo, que é apenas uma letra, a letra D, e que veio de uma longe península que está logo aqui no meu coração, e o enfeitei perto do farol traseiro. Desde então ele traz sempre consigo, e eu sempre comigo, o D, nosso amor comum. E, assim, tomei posse: entrei, dirigi, convivi com ele e o olhei nos olhos - carro tem olho, sabia? Temos convivido quase que diariamente, o meu carro e eu, com exceção dos dias que caminho sozinha, porque eu gosto muito de caminhar pelo mundo enquanto vou vivendo - caminhar é viver a fundo. ]
Voltando ao assunto: papai, me empresta o carro. Me empresta o carro que você tem. Me empresta um carro que passa por uma via do mundo. Me dá as direções. Me escuta te chamar sem falar teu nome. Me empresta e eu te devolvo o que é teu. Pego para mim só o que é meu, só o que sou eu - por isso, papai: me empresta o carro?
2 de jul. de 2017
De sua formosura
Formosura parecia palavra clássica. Eu nunca a entendi. Mas já vi.
Parecia até que eu a tinha tirado do dicionário.
Formosura é como a forma que a gente tem: alguns se formam, têm forma, são formados, são formosos...
Outros, não. Eu, sim. Eis aqui: a formosura.
Formosura, eu diria, é o contorno do corpo da gente. É ser alto ou ser esperto. É o formato amendoado dos olhos. São as duas pintinhas de sarda que tenho no canto esquerdo ao lado dos olhos. É o meu cabelo quanto acordo com ele bagunçado de manhã.
Formosura é como estar: estou hoje; amanhã, sou.
É também que nem formidade: uma palavra que nem existia. E um dia foi criada. E, criada, passou a existir. Seremos todos formosos um dia? Entraremos todos, então, na mesma forma? Como um bolo? Formados? E sairemos do forno, todos iguais?
Fui me formar longe daqui. Fui ser formosa por ser eu. Fui pegar a formosura da vida em cada gesto meu. Fui dar forma ao que nem existia. Ser formoso é ser inteiro.
Tudo era pura formosura. Cada dia e cada noite e, no intervalo, cada minuto constituinte. Até quando fechava os olhos era formosa. E, quando o via - que formosura ser ele assim tão formoso!
Acho, afinal, que se és formoso, aos meus olhos, é porque gosto da sua forma. E a sua forma, nesse caso, é o que gosto por dentro e por fora de ti. Do fio do cabelo aos dedos do pé, do som da sua voz ao jeito que dormia. Era como o mundo a ser formado diante dos meus olhos; formosura - a forma de você ser.
Parecia até que eu a tinha tirado do dicionário.
Formosura é como a forma que a gente tem: alguns se formam, têm forma, são formados, são formosos...
Outros, não. Eu, sim. Eis aqui: a formosura.
Formosura, eu diria, é o contorno do corpo da gente. É ser alto ou ser esperto. É o formato amendoado dos olhos. São as duas pintinhas de sarda que tenho no canto esquerdo ao lado dos olhos. É o meu cabelo quanto acordo com ele bagunçado de manhã.
Formosura é como estar: estou hoje; amanhã, sou.
É também que nem formidade: uma palavra que nem existia. E um dia foi criada. E, criada, passou a existir. Seremos todos formosos um dia? Entraremos todos, então, na mesma forma? Como um bolo? Formados? E sairemos do forno, todos iguais?
Fui me formar longe daqui. Fui ser formosa por ser eu. Fui pegar a formosura da vida em cada gesto meu. Fui dar forma ao que nem existia. Ser formoso é ser inteiro.
Tudo era pura formosura. Cada dia e cada noite e, no intervalo, cada minuto constituinte. Até quando fechava os olhos era formosa. E, quando o via - que formosura ser ele assim tão formoso!
Acho, afinal, que se és formoso, aos meus olhos, é porque gosto da sua forma. E a sua forma, nesse caso, é o que gosto por dentro e por fora de ti. Do fio do cabelo aos dedos do pé, do som da sua voz ao jeito que dormia. Era como o mundo a ser formado diante dos meus olhos; formosura - a forma de você ser.
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