26 de jul. de 2015

Mas tudo isso num instante passa

Acalma-se o coração inquieto com um copo de leite quente que eu peguei lá na cozinha - tenho-a em meus olhos do jeitinho que ela é. E vai-se subindo as escadas, degrau por degrau, um de cada vez.

Repara-se nas mãos pequenas segurando o copo, o cabelo caído meio de lado, pergunta-se qual o tom das mechas, encosta em um recanto e espera os minutos passarem. Pela janela, nota-se o vento a corroer andaimes. Tudo está sendo como deveria, mas tudo isso em um instante passa.

E vive-se e respira-se e levanta-se e veste-se uma camiseta de listras vermelhas. Isto, porque já é dia e veio a hora de se apressar a viver. E, corre, porque tudo isto em um instante passa.

E sabe aquele choro contido que levo no peito? E até aquele choro em que me desabei a chorar? Ah, tudo isso num instante passa e eu estou toda renovada de novo e abro minha mão pequena para tocar em algo que respire arte. O vento lá fora continua.

A gente houve o que não quer, o que ser quer quase não se ouve, e as árvores mechem de uma maneira tão rude, não é mesmo? Chega a machucar o coração. Se eu pudesse anotar esta coisa vivida, eu anotava. Que era para te contar parte por parte para você poder me dar um abraço bem apertado que durasse mais que um minuto. Porque isso, também, em um minuto passa.

Levanta este rosto vermelho, suas bochechas continuam as mesmas! Coloca esta roupa de ser quem se é e sai para caminhar pelos dias porque eles vão passando. Ou se corre ou se perde - mas acha-se. E isso tudo num instante passa para vivermos tudo de novo outra vez de mansinho.

Era uma vez um leão que ruge no meio do espaço a céu aberto escuro.Era uma vez uma noite como aquelas - a noite que eles chamam de "a noite dos anjos". Bate-se com uma mão mas assopra-se com a outra. Guarda para si o que se ouve, ainda que não concorde com cada pingo no "i". Ouve-se ao longe o cavalgar do cavalo. Preste atenção em todos os meus livros na estante, que são muitos. Vou anotar tudo em um pedaço de papel. Vou viver tudo dentro do meu coração, quieta.

E, enquanto isso, pensa-se: mas tudo isso num instante passa.

17 de jul. de 2015

For Johnny Pole on the forgotten beach

And Johnny Pole was one of them.
He gave in like a small wave, a sudden
hole in his belly and the years all gone
where the Pacific noon chipped its light out.
Like a bean bag, outflung, head loose
and anonymous, he lay. Did the sea move fire
for its battle season? Does he lie there
forever, where his rifle waits, giant
and straight?...I think you die again
and live again,
Johnny, each summer that moves inside 
my mind. 

It's just that I'm currently reading Anne Sexton's biography - but, oh no Johnny Pole, it's not just that.

16 de jul. de 2015

Feio nao é bonito

Feio não é bonito, e nem nunca foi. E, para a informação da humanidade inteira para todo o sempre: nunca será.

Feio não é bonito e fecho a mão e formo um punho. Depois abro os dedos de novo e respiro uma brisa.

Já diziam os filósofos nas entrelinhas, e os poetas em suas metáforas. Já diziam os vizinhos, os velhos ditados em língua estrangeira e os jornais na banca. Já diziam as árvores, e o rio, e e as pipas que as crianças soltam para colorir meu céu. Já diziam também os cachorros, os gatos e até aquele caixote vazio que deixei na esquina para o lixeiro levar para terra de são nunca.

E, porque feio não é bonito, não há nem discussão. Nem conversa sequer. Nem mesmo meu piscar de olhos. Há, no máximo, meu sorriso meio de lado debochado. E você poderá ver o brilho em meus olhos contidos. E não vou me alongar muito.

Anota aí porque os dias são longos e a gente vai vivendo e há quem acabe esquecendo que feio não é bonito. Depois leva uma rasteira, um cutucão no ombro ou um assobio e, perdido, não presta nem para aprender a lição. Anota aí que na grande guerra muitos não foram punidos, mas feio não é bonito e disso tem-se exatidão. Anota aí que, nas diárias neste país localizado neste local do mundo, feio não é bonito, ainda que se queira e se tente e se vote e se legisle e nunca se siga leis. Feio não é bonito, gente. Eu vou falar mais uma vez.

Feio não é bonito e fecho os olhos do coração. E me guardo toda em uma roupa de passear com vidrilhos, pois estou me preservando. Vou me juntar todinha em pernas cruzadas como sentar de índio, pois vou assistir tudo - muito bem detalhada que sou. Mas, se o vento já vem de longe, sigo em sua direção.

Enquanto isso, os minutos seguem correndo e parecem uma eternidade, mas, no limiar da vida (e esta é uma palavra que pensei agora), a curva é estreita e, o que não é bonito, é feio.

Pronto.

6 de jul. de 2015

Olhos oblíquos de cigana dissimulada

Tinha olhos dissimulados que usava para se dissimular. Dissimulava-se todinha e assim ia indo. Era o seu jeito de amanhecer o dia ou fazer entardecer. Cada um ia indo com o que tinha.

Olhos de cigana dissimulada e ela pensaria ser uma alma viajante. Colocaria um monte de miçangas coloridas baratas e não passaria de um esteriótipo ridículo, precisando, assim, passar-se por dissimulada.

Retrucava o mundo dentro de si, com um deboche que fazia ao mexer com a boca. Tinha cheiro de azul piscina os últimos tempos e então ela se perguntava, de um jeito meio dissimulado, se isto não era previsão de tempos bons.

Tinha um jeito todo seu: era assim e pronto. Não saberia viver de acordo com as regras dos outros porque, desde que nascera, sentia que devia obedecer ao seu próprio chamado - e qual seria ele? Ah, estaria ela sendo apenas dissimulada?

Vou te contar uma coisa: eu escuto tudo o que o povo não vê. Vou guardando como que em caixinhas e uso as cartas no decorrer do jogo. A dissimulação é o meu disfarce o os olhos são o espelho de minha alma que me entregam a ti. Quero me esconder, sou tímida e reservada, vivo uma vida discreta no aconchego de um dia ensolarado que acontece lá fora e vou me guardar para a minha verdade.

Eu hoje acordei meio assim e vesti a roupa de ser. Hoje é dia de ser de um jeito porque ao final do dia colhe o que se planta. Então, foi escutando baixinho como se catasse sementinhas de feijão, que depois planta e brota. Sabe como? Sabe não?

Seus sorrisos eram apenas pensamentos travados, e ela se contorcia toda para não se entregar. De vez em quando falava uma coisa ou outra que mais soavam como uma facada - é que as pessoas não estão preparadas para o que elas tem que ouvir. E quem é que está? Só se aborrecia de vem em quando com a tarefa que lhe fora incumbida: dizer.

Algumas vezes sentia-se morrendo por dentro de tanta coisa que ia sabendo e guardava na caminhada vivida. Ia pondo tudo dentro de uma cestinha que, vez ou outra, enchia-se. Ah, saia de perto porque agora é  hora mil. Sabe o que quero dizer com isso? Quero dizer apenas a verdade. Mas a verdade não existe. Então vou falar apenas os fatos porque, estes, aconteceram.

Lembra do meu olhar oblíquo enquanto sou apenas uma cigana dissimulada. Lembra.

Enquanto isso, a realidade ria de todos eles.