Entre agora e o sempre é um lugar imutável. São as folhas que caem todo fim do verão. As coisas cíclicas mas também as quadradas porque com elas não há meio termo. Parecem faca amolada.
Um espaço infinito, ainda que acabe ao fim dos dias da vida, que habita um painel que montamos dentro da gente. Há lugar para isso? Espera um pouco, preciso pensar.
Irei juntar com as mãos apoiadas sobre a gratidão todas as pequenas coisas que formam um mundo, e estaremos então entre o agora e o sempre.
Ando por aquela rua com seus prédios cinzas e um intervalo de tempo, e então sinto-me entre o agora e o sempre. Acontece quando abro uma página e leio você inteirinho nela. A curva de uma letra que, se não sai bem feita, me faz refazer tudo de novo. São os detalhes que só eu sei que existem e nos vigiam. Pisquei meus olhos e o vi passar - ele, assim. Ele mesmo, de quem falo.
Entre agora e o sempre descansa o meu pensamento. Aconchega o meu lado humano e quente, minha risada para dentro pois peguei ela de uma menina com quem morei uma vez. Estou assim, pegando tudo dos outros porque alguns eu não quero que se vão.
Entre o agora e o sempre é onde vivo quando sou surpreendida pela lembrança boa e doce de você todinho do seu jeito. Quando não dou a mínima para o meu cabelo e ele brilha como um sol ainda que castanho. Quando sinto tanto frio que até me emociono de emoção e me abraço. Meus passos ora se distanciam ora se aproximam porque sei que o que não é agora é sempre.
Lhe dou tchau com as mãos rígidas mas preste atenção em meus lábios. Prometo que, se olho, vejo. Não sou muito de dar atenção ao que não me diz respeito, embora o mundo me concerna muito. Acho que vou ali tomar um banho de água fresca.
E não sei mais o que dizer porque nunca quero dizer muito, por isso uso as palavras. Palavras são tão bonitas e rebuscadas que até me escondo nelas. Sou sem ser. Mas quando quero me mostrar inteira fico calada e muda e deixo as pessoas lerem meu rosto - não que eu também queira, é que nasci assim mesmo e isso eu não consigo mudar. Vou mesmo é me obedecendo.
Mas então volto como um cometa que passou em um céu que nem nunca existiu - eu que o inventei agora ao desenhá-lo em meu caderno - e pinto uma pintinha em seu rosto, porque preciso povoar o céu que muitos acreditam ser o paraíso. Ah! Se eles soubesse que o céu está logo aqui. Ha.
E enquanto isso vou-me mesmo é indo, pois vivo entre o agora e o sempre.
26 de jun. de 2015
22 de jun. de 2015
Como era verde o meu vale
Como era verde o meu vale! Tinha até cor de-não-sei-o-que, porque este era o detalhe menos importante.
Eu estava sempre com pressa, sempre correndo e sempre atarefada - a abraçar o mundo! Eu andava depressa que era para não dar tempo de a lua abaixar, pois assim já chegava a noite e eu nem tinha começado a viver a metade do dia. E, quando escurecia, eu me revivia toda e começava a ser eu mesma do ponto zero, porque sentia um sopro de vida na janela.
A minha juventude foi tão nova e tão velha. Foi tão calma e certeira. Foi tão fria e tão doce. Foi de um jeito todo especial de ser. Fui montando-a com carinho e, no fim, parecia um troféu que enfeitei a estante.
Em meu vale, que é um local mais do que físico - psicológico - eu mergulhei tão fundo como um peixe, sempre prendendo o ar para soltar depois assim de uma vez - cheia de prazer. Eu vivia aqui e vivia ali; eu escrevia a e redigia b. E ia vivendo.
Tive todas as minhas aventuras, que chamo de crescimento, patrocinadas com a ajuda de quem mais me via como uma atleta prestes a chegar ao pódio. Eu ia vivendo um dia de cada vez e, ao fim do ano, eu tinha conquistado tanta coisa que fazia uma mala e me mandava para um lugar todo novo.
E, assim, vivi mil vidas, mas sempre sendo eu. Dei um giro de 360 graus e nunca caí da escada. Minha maior preocupação era entender poemas. Eu me contorcia toda para escrever mil folhas e, quando acabava, parecia que eu tinha parido um filho lindo. Ficava cheia de graça.
Meu verde vale era como um transe. Era como acordar para a percepção mas esquecer, simplesmente deixar para lá. Era viver sempre devagar mas com vontade. Era deitar a cabeça no travesseiro como se o amanhã fosse como o melhor de hoje. Tomar um banho de chuveiro quente. Caminhar só porque não tenho nada mais para fazer. E me cansar. E então começar tudo de novo porque me resta apenas todo tempo do mundo.
Como era verde o meu vale, e eu pegava no sono. Observava uma manchinha de leve no rosto que desenhava o seu ser. Fugia para encontrar tempestades de neve como se elas fossem parte de mim. Toda dor me fazia mais forte e eu saía como uma pessoa melhor. Eu tinha um olhar detalhado para aquilo que me fazia bem. E as moças que trabalhavam na casa dos meus pais faziam de mim gente, sempre me dando a mão e de prontidão. Quanta doçura fazem um vale verde.
O meu vale era um menino descalço na rua que me chamava para brincar, e eu ia. Era uma estrada ainda não desbravada que me convidava a experimentá-la, e eu ia. Era um encontro para tomar chá, e eu enrolava mas ia. Eram meus medos transformados em frio na barriga com um pouco de ternura. Era pegar um trem que passa na estação de madrugada. Era contar o tempo como meu, fazendo o que eu quiser na hora em que bem entendesse. Tomar um sorvete no meio da tarde assim de bobeira como quem não quer nada. Perder a chave de casa e encontrar de novo.
Um dia eu dormi deitada e eu me senti deitada também. Deitada na vida. E na vida a gente tem é que se levantar. Eu digo isso porque um dia a gente cresce. E então me lembrei de como era verde o meu vale, de como sempre fiz o que desejei, da ajuda que recebi dos meus pais com todo o carinho que um pai e uma mãe podem dar para um experimento que eles puseram neste mundo tão vasto, da imensidão do mar azul sempre em frente, do telhado da casa vitoriana que enfeitou infâncias, do não entendimento mas toda compreensão da minha avó, das minhas manias, vontades e desejos, e, acima de tudo, do acontecimento.
Ah, como era verde o meu vale!
Eu estava sempre com pressa, sempre correndo e sempre atarefada - a abraçar o mundo! Eu andava depressa que era para não dar tempo de a lua abaixar, pois assim já chegava a noite e eu nem tinha começado a viver a metade do dia. E, quando escurecia, eu me revivia toda e começava a ser eu mesma do ponto zero, porque sentia um sopro de vida na janela.
A minha juventude foi tão nova e tão velha. Foi tão calma e certeira. Foi tão fria e tão doce. Foi de um jeito todo especial de ser. Fui montando-a com carinho e, no fim, parecia um troféu que enfeitei a estante.
Em meu vale, que é um local mais do que físico - psicológico - eu mergulhei tão fundo como um peixe, sempre prendendo o ar para soltar depois assim de uma vez - cheia de prazer. Eu vivia aqui e vivia ali; eu escrevia a e redigia b. E ia vivendo.
Tive todas as minhas aventuras, que chamo de crescimento, patrocinadas com a ajuda de quem mais me via como uma atleta prestes a chegar ao pódio. Eu ia vivendo um dia de cada vez e, ao fim do ano, eu tinha conquistado tanta coisa que fazia uma mala e me mandava para um lugar todo novo.
E, assim, vivi mil vidas, mas sempre sendo eu. Dei um giro de 360 graus e nunca caí da escada. Minha maior preocupação era entender poemas. Eu me contorcia toda para escrever mil folhas e, quando acabava, parecia que eu tinha parido um filho lindo. Ficava cheia de graça.
Meu verde vale era como um transe. Era como acordar para a percepção mas esquecer, simplesmente deixar para lá. Era viver sempre devagar mas com vontade. Era deitar a cabeça no travesseiro como se o amanhã fosse como o melhor de hoje. Tomar um banho de chuveiro quente. Caminhar só porque não tenho nada mais para fazer. E me cansar. E então começar tudo de novo porque me resta apenas todo tempo do mundo.
Como era verde o meu vale, e eu pegava no sono. Observava uma manchinha de leve no rosto que desenhava o seu ser. Fugia para encontrar tempestades de neve como se elas fossem parte de mim. Toda dor me fazia mais forte e eu saía como uma pessoa melhor. Eu tinha um olhar detalhado para aquilo que me fazia bem. E as moças que trabalhavam na casa dos meus pais faziam de mim gente, sempre me dando a mão e de prontidão. Quanta doçura fazem um vale verde.
O meu vale era um menino descalço na rua que me chamava para brincar, e eu ia. Era uma estrada ainda não desbravada que me convidava a experimentá-la, e eu ia. Era um encontro para tomar chá, e eu enrolava mas ia. Eram meus medos transformados em frio na barriga com um pouco de ternura. Era pegar um trem que passa na estação de madrugada. Era contar o tempo como meu, fazendo o que eu quiser na hora em que bem entendesse. Tomar um sorvete no meio da tarde assim de bobeira como quem não quer nada. Perder a chave de casa e encontrar de novo.
Um dia eu dormi deitada e eu me senti deitada também. Deitada na vida. E na vida a gente tem é que se levantar. Eu digo isso porque um dia a gente cresce. E então me lembrei de como era verde o meu vale, de como sempre fiz o que desejei, da ajuda que recebi dos meus pais com todo o carinho que um pai e uma mãe podem dar para um experimento que eles puseram neste mundo tão vasto, da imensidão do mar azul sempre em frente, do telhado da casa vitoriana que enfeitou infâncias, do não entendimento mas toda compreensão da minha avó, das minhas manias, vontades e desejos, e, acima de tudo, do acontecimento.
Ah, como era verde o meu vale!
1 de jun. de 2015
Debruçar-se para o dia seguinte
Começava fazendo tudo perfeito. Escolhia o vestido preferido, aquele que fosse cheio de detalhes e que parecesse sair dos anos 60. Jogaria o cabelo para trás ao se olhar no espelho e, suspirava - ah! - porque fui cortar o cabelo tão curto se assim não fico parecida comigo? Agora só resta aguardar.
E então tomava conta dos mínimos detalhes. Aqueles cantos da casa que nunca varria seriam limpos e ela ajeitaria a escrivaninha do quarto. Os livros, pelo menos, já estavam ajeitados, embora não da maneira que sonhava - é que ela queria organizá-los por tema, os temas que ela gosta, e que são muitos, mas não havia espaço. Como o mundo é pequeno!
Estava na hora de ser quem é porque amanhã é grande dia. O dia que foi feito só para ela, embora acreditasse que ele só passara a existir deste jeito depois que ela nasceu. Olhou para a janela e tinha cheiro de chuva, o que lhe abriu um sorriso no rosto. Não precisa molhar, mas os tons cinzas e o vento frio lhe davam a lembrança de um dia em sua casa no mundo. Ela nunca sabia onde deveria morar.
Dançou a primeira dança com tanta coragem e escolha que ela também poderia ser a última dança. Para isso, pusera o vestido. Abriu os olhos, pois queria se lembrar de todas as coisas doces que já lhe acontecera na vida desde que ela passara a existir. E então veio a hora de calçar as suas meias azul marinho meio xadrez - estava vestindo meias frequentemente nos últimos tempos, mas uma coisa a fez parar e pensar: todo mundo na vida usava meias pretas, e apenas ela teria meias assim tão coloridas. Por que é que todo mundo na vida usa meias pretas e de uma cor só e em um tom tão triste e sem graça? Ela não sabia e não conseguira entender. E então foi vivendo.
Era hora de pintar as unhas para esperar que o esmalte começasse a sair, pois não ligava muito. E observou o tom castanho de seus cabelos e imaginou como aquilo era tão seu. O vento levou as folhas secas que ela havia varrido e então ela se ajeitou no sofá de um jeito que não fosse dormir.
Com quem dividia a casa, falava o mínimo de palavras possíveis, porque ela achara que palavras eram sempre tão especiais e só deveriam ser usadas com quem as merecia. Estava chegando a hora de tornar-se si mesma e mergulhar na histeria de um amanhecer, pois já quase era hora, e ela iria entregar-se a seu coração de ternura e, debruçada na janela, esperar as horas passarem pela rua.
Calma, já quase chega a hora de ser quem se é, a hora mais profunda do dia, o momento de ser quem viemos ser, e o instante de se transformar em quem se teria sido.
E então tomava conta dos mínimos detalhes. Aqueles cantos da casa que nunca varria seriam limpos e ela ajeitaria a escrivaninha do quarto. Os livros, pelo menos, já estavam ajeitados, embora não da maneira que sonhava - é que ela queria organizá-los por tema, os temas que ela gosta, e que são muitos, mas não havia espaço. Como o mundo é pequeno!
Estava na hora de ser quem é porque amanhã é grande dia. O dia que foi feito só para ela, embora acreditasse que ele só passara a existir deste jeito depois que ela nasceu. Olhou para a janela e tinha cheiro de chuva, o que lhe abriu um sorriso no rosto. Não precisa molhar, mas os tons cinzas e o vento frio lhe davam a lembrança de um dia em sua casa no mundo. Ela nunca sabia onde deveria morar.
Dançou a primeira dança com tanta coragem e escolha que ela também poderia ser a última dança. Para isso, pusera o vestido. Abriu os olhos, pois queria se lembrar de todas as coisas doces que já lhe acontecera na vida desde que ela passara a existir. E então veio a hora de calçar as suas meias azul marinho meio xadrez - estava vestindo meias frequentemente nos últimos tempos, mas uma coisa a fez parar e pensar: todo mundo na vida usava meias pretas, e apenas ela teria meias assim tão coloridas. Por que é que todo mundo na vida usa meias pretas e de uma cor só e em um tom tão triste e sem graça? Ela não sabia e não conseguira entender. E então foi vivendo.
Era hora de pintar as unhas para esperar que o esmalte começasse a sair, pois não ligava muito. E observou o tom castanho de seus cabelos e imaginou como aquilo era tão seu. O vento levou as folhas secas que ela havia varrido e então ela se ajeitou no sofá de um jeito que não fosse dormir.
Com quem dividia a casa, falava o mínimo de palavras possíveis, porque ela achara que palavras eram sempre tão especiais e só deveriam ser usadas com quem as merecia. Estava chegando a hora de tornar-se si mesma e mergulhar na histeria de um amanhecer, pois já quase era hora, e ela iria entregar-se a seu coração de ternura e, debruçada na janela, esperar as horas passarem pela rua.
Calma, já quase chega a hora de ser quem se é, a hora mais profunda do dia, o momento de ser quem viemos ser, e o instante de se transformar em quem se teria sido.
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