A altura da saudade:
a saudade tem a cor dos olhos teus. É de um verde estonteante a contrastar com os edifícios sem cores que ficam atrás da gente quando a gente posa para fotos que pedimos a estranhos para tirar. Se eu olho rápido, seus olhos me parecem cinza.
A saudade tem 2 metros de altura, dá passos largos devagar, veste um casaco de frio comprido e preto, e parece que te abraçou a se prender em mim.
A saudade cortou os cabelos nos ombros, nunca mais tingiu os fios de castanho, deu explicação a mim.
A saudade subiu as escadas, como eu informei, para entrar na drogaria, mas esqueceu de comprar a escova de dente que tinha ido procurar. Subiu os degraus, entrou no supermercado, não teve pressa. Andou pelos corredores, se relacionou bem com a minha indecisão, pediu para eu escolher entre um produto e outro, e escolheu para nós duas: levar duas embalagens de húmus - já que eu gosto, leve duas. Ali mesmo, no supermercado, ela olhou as promoções, reforçando os esteriótipos de como são os alemães, sem saber que eu estava olhando. Ela olhou para mim e sorriu.
Nos perdíamos nos corredores - ela tinha ido arrumar uma caixa para carregar as comprar. Ela é de uma nacionalidade tão ágil e tão prática e tão eficiente. Eu fico pensando até onde esses esteriótipos são construções e a partir de onde são verdade.
A saudade tem uma presença tão suave! Dessa que vem e que fica. Ela, que incorpora o que a palavra saudade vem agora significar, com toda a sua estatura de 2 metros de altura, é sempre leve em seu andar. A sua presença parece um sussurro: ela fala tão baixo que eu adoro escutar e peço a ela para repetir para mim. Ei, me diz de novo o meu nome - você me chama de um jeito que só outra pessoa me chama. Para você, eu posso ser, sim, Marcía. Mas, meu nome é Márcia.
A saudade, nela, pega o percurso, espera o metro passar, se agacha para ficar mais parecida comigo no tamanho, ri de nós duas na rua, conversa com estranhos e é gentil. Meu deus, e os esteriótipos? Ora ela reforça, ora ela desconstrói - já sei: ela só performa o que é bom. Ela carrega a caixa com as nossas compras, entra no tram number 5 decorado com as fotos de Van Gogh depois de mim. Fica em pé, enquanto eu levo a nossa caixa, mas senta logo depois, à minha frente, de onde tira fotos minhas, que morro de vergonha, e de onde eu olho para ela sem piscar. Como pode ser assim tão linda? Eu a acho assim tão linda. Eu a vejo assim, porque foi assim que eu aprendi a olhar.
A saudade me ajuda a escolher o sabor do sorvete, mas nem toma. Escolhe pimentões vermelhos. Faz sua própria comida, do seu jeito. Senta à mesa, logo à minha frente, e começa a conversar. Dividimos segredos não ditos que agora são falados. Faz 8 anos desde que nos vimos pela primeira e última vez, no Wyoming, aquele lugar de neve. E nem parece. E nem parece, ela me escreveu depois.
A saudade tem voz e fala. E eu tenho ouvidos e ouço. Vez ou outra, recito seu nome: é estrangeiro, eu não ouso falar. Mas voce, menina, com a sua altura, toda estatura, e o seu caminhar, se chegar mais perto, vem.
E eu te chamo pelo nome. Aquele, que é segredo, mas você me contou.
30 de set. de 2018
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