Me disseram que eu escrevia como quem segura um lápis e desenha o mundo. E que o meu escrito era bonito.
Até prêmio eu ganhei, passei em provas, em seleções e sobrevivi o mundo. E tudo o que eu fiz foi escrever, como ir me obedecendo.
Um dia eu pensei comigo: mas e as coisas que não falei, como falar assim? E, então, me veio a minha mão com uma ideia: basta escrever.
E assim surgiram as coisas que nunca te disse.
Coisas que nunca te disse são aqueles exatos minutos no tempo em que olhei e te vi: parecia um sol, até no cabelo. São os formatos das palavras que saíam da minha boca, cada uma ao seu som. É o cuidado com que segurei o seu braço, a ponte da vida. É cada preparo que eu não fiz. Sou eu com o meu jeito de me entregar a você, sem a timidez de me revelar. É o aroma que vez ou outra passa despercebido na minha frente e me faz parar.
Há coisas que nunca te disse, mas você bem sabe quais são: todas elas. Porque são tudo o que sou e estou e pensei e olhei e vi e vivi. Era cada pedacinho de mim querendo se revelar no escuro. Essas são as coisas que nunca te disse: eram todas e cada uma delas.
E, das coisas que nunca te disse, pesam mais as que eu te escreveria. Porque eu te escreveria o seu rosto como ele é para mim, te escreveria os seus olhos (porque você vê com eles, mas não os vê; sou eu que os encaro em estado total de encantamento), te escreveria como é o toque das suas mãos. Eu te escreveria o jeito como você anda, te escreveria o modo como você fala certas palavras com seu sotaque, te escreveria a paisagem de um lugar qualquer em que fomos, visto aos meus olhos.
A você, escreveria meus versos curtos e obscuros, mas cheios de significado. Escreveria a cor do céu numa noite em que a lua aparece e eu a noto porque, quando ela sorri, me lembra você. Eu te escreveria poesias que fiz na hora, no momento e no mundo em que conheci você. E também te escreveria todas as poesias que foram feitas antes de mim pelos grandes poetas. Copiaria com letra desenhada por todo carinho do mundo, só para você entender meu jeito de escrever. Tudo para você ler o que eu tenho a dizer.
Eu te escreveria. Escreveria você. Escreveria eu, para você. Escreveria-me toda, revelando-me sem notar.
E das coisas que te disse, eu copiaria trechos só para você lembrar de nunca esquecer: ei, você. Você é tão você que me é único.
E das coisas que nunca te disse - ah! - nessa hora eu seria tomada por um suspiro profundo, porque escrever exige concentração, mas meu coração entra no meio do caminho!
Há coisas que nunca te disse: e eu as diria para você mil vezes. Falaria bem baixinho e pausadamente, para ecoar nos dias da sua vida. E, depois, te escreveria: para ecoar nos minutos do tempo que lhe foi dado. Para nunca deixar de existir: afinal, o que está escrito é.
Por isso, as coisas que eu te disse, e ainda as que nunca te disse, na verdade, eu te escreveria.
6 de out. de 2016
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