24 de out. de 2016

Teu lábio sorriu e o mundo inteiro ficou feliz

Teu lábio sorriu e não teve jeito: invadiu-me por inteiro, fez-me sentir um leve ardor, aqueceu meu corpo e o mundo inteiro ficou feliz.

Teu lábio sorriu e eu vi: gravei na memória dos meus olhos o que era aquela tamanha beleza.

Teu lábio sorriu e falou para mim: sorria. E eu sorri.

Teu lábio sorriu e o dia no mundo foi assim: as palavras ásperas não eram densas, mas leves, e não mais foram ouvidas; o trem da noite finalmente chegou ao seu destino; tomei meu rumo nas minhas mãos e passei a andar; a jarra de água, que era de vidro, caiu do pedestal e se espatifou sem partir-se ao meio; o sol se pôs porque tudo seguia o seu curso.

Teu lábio, que forma o sorriso mais encantador de que já se teve notícia na história da minha vida, basta sorrir: teu lábio sorriu e o mundo inteiro ficou feliz.

6 de out. de 2016

Coisas que nunca te disse

Me disseram que eu escrevia como quem segura um lápis e desenha o mundo. E que o meu escrito era bonito.

Até prêmio eu ganhei, passei em provas, em seleções e sobrevivi o mundo. E tudo o que eu fiz foi escrever, como ir me obedecendo.

Um dia eu pensei comigo: mas e as coisas que não falei, como falar assim? E, então, me veio a minha mão com uma ideia: basta escrever.

E assim surgiram as coisas que nunca te disse.

Coisas que nunca te disse são aqueles exatos minutos no tempo em que olhei e te vi: parecia um sol, até no cabelo. São os formatos das palavras que saíam da minha boca, cada uma ao seu som. É o cuidado com que segurei o seu braço, a ponte da vida. É cada preparo que eu não fiz. Sou eu com o meu jeito de me entregar a você, sem a timidez de me revelar. É o aroma que vez ou outra passa despercebido na minha frente e me faz parar.

Há coisas que nunca te disse, mas você bem sabe quais são: todas elas. Porque são tudo o que sou e estou e pensei e olhei e vi e vivi. Era cada pedacinho de mim querendo se revelar no escuro. Essas são as coisas que nunca te disse: eram todas e cada uma delas.

E, das coisas que nunca te disse, pesam mais as que eu te escreveria. Porque eu te escreveria o seu rosto como ele é para mim, te escreveria os seus olhos (porque você vê com eles, mas não os vê; sou eu que os encaro em estado total de encantamento), te escreveria como é o toque das suas mãos. Eu te escreveria o jeito como você anda, te escreveria o modo como você fala certas palavras com seu sotaque, te escreveria a paisagem de um lugar qualquer em que fomos, visto aos meus olhos.

A você, escreveria meus versos curtos e obscuros, mas cheios de significado. Escreveria a cor do céu numa noite em que a lua aparece e eu a noto porque, quando ela sorri, me lembra você. Eu te escreveria poesias que fiz na hora, no momento e no mundo em que conheci você. E também te escreveria todas as poesias que foram feitas antes de mim pelos grandes poetas. Copiaria com letra desenhada por todo carinho do mundo, só para você entender meu jeito de escrever. Tudo para você ler o que eu tenho a dizer.

Eu te escreveria. Escreveria você. Escreveria eu, para você. Escreveria-me toda, revelando-me sem notar.

E das coisas que te disse, eu copiaria trechos só para você lembrar de nunca esquecer: ei, você. Você é tão você que me é único.

E das coisas que nunca te disse - ah! - nessa hora eu seria tomada por um suspiro profundo, porque escrever exige concentração, mas meu coração entra no meio do caminho!

Há coisas que nunca te disse: e eu as diria para você mil vezes. Falaria bem baixinho e pausadamente, para ecoar nos dias da sua vida. E, depois, te escreveria: para ecoar nos minutos do tempo que lhe foi dado. Para nunca deixar de existir: afinal, o que está escrito é.

Por isso, as coisas que eu te disse, e ainda as que nunca te disse, na verdade, eu te escreveria.

3 de out. de 2016

Ao sul de lugar nenhum

Então aquilo era o sul. Era lugar nenhum. Era o sul de lugar nenhum.

Isso é o que pensava todas as vezes que arrumava a mala, que era mais uma mochila com pouca roupa, porque se salvava (do inglês, "save"; do português, se guardava?) e se permitia para pessoas especiais e em ocasiões especiais, que eram as ocasiões do dia a dia da sua vida.

Então aquilo era ao sul de lugar nenhum, pensara ela. E pensava assim todas as vezes até não querer pensar mais e não poder sentir mais porque queria mesmo apressar os passos que sempre a levariam na direção contrária - contrária a aquilo ali.

Então estava indo ao sul de lugar nenhum: de onde as pessoas vinham, onde esteve mas para onde nunca mais voltou ou existiu. Não era possível existir ali, porque, em seu mundo, existir implicava viver.

Ao sul de lugar nenhum as pessoas vestiam-se iguais, e pensavam iguais, e sequer pensavam. Falavam a mesma língua mas, no final, ninguém falava nada. Todos olhavam na mesma direção sem notarem a própria sombra. Mas então nasceu um dia um ovo ou uma galinha? - não importa a ordem, pois o que vale mesmo é o conhecimento e a indagação que isso gera - não ali, em lugar nenhum, obviamente.

Um dia eu nasci e ali estava: ao sul de lugar nenhum. E então era assim que chamava aquele lugar sombrio que um dia pintou a história mas que nunca habitou coração e, por isso, jamais seria considerado um lugar porque simplesmente não existia.

Se duvidas, pegue um mapa: tente achar esse "lugar nenhum" e verás, simplesmente, que não existe.

Avante, sigamos em frente.