17 de jan. de 2013

Um pedaço chamado eu

Uma menina que veio de longe, de terras não se sabe da onde. E passou toda a sua vida assim, tentando descobrir o lugar para chamar de seu.

Às vezes sentia que não pertencia. Às vezes não só sentia, como via. Nas outras vezes, que eram a maioria do seu tempo precioso, tinha certeza.

Era uma vez uma menina. Pegava o bonde a tarde enquanto olhava o pôr do sol com a desculpa de observar pessoas. Enquanto isso, comparava-as entre si. Se perguntava se haveria saudade no meio do caminho, nesse círculo sem fim do qual participava.

Essa menina era feita de vidro. Foi desejada pela mãe, quando ainda nem existia. Foi moldada, também pela mãe, em copo de vidro com desenhos de morangos bem vermelhos. Poderia quebrar-se, e assim aconteceu muitas vezes durante sua breve vida que até aqui se deu.

Enquanto isso, juntava os cacos. Colava-os com precisão, capricho e raiva. Isso porque ainda continuara geniosa. Muitas vezes cortava-se, mas este era um trabalho para chamar de seu, e assim o fazia.

Com o passar do tempo e também com o passar dos anos, quebrou-se mais. E quebraria mais muitas vezes, sem saber porque a mãe a fizera assim, tão preciosa mas também tão frágil.

No dia a dia, no qual era forte, sobrevivia. No entanto, vez ou outra parava meio de lado se sentisse falta, chamando pela mãe. Queria cuidados; outras vezes, queria apenas ser deixada em paz. Frequentemente perguntava-se porque é que tudo era assim. Não sabia se era coisa do mundo, se era coisa de edifícios religiosos, se era coisa de horóscopo ou daquela bruxa celta que escreveu o calendário que se perdeu. E assim ia.

Como disse, às vezes irritava-se e, com seu modo de ser ela mesma, batia o pé, estalava os dedos, piscava pouco e fazia um revolução.

E ele ia, continuando essa caminhada de quebrá-la toda em pedacinhos de vidro. Logo ele, a quem a mãe amou, confiou e deu. Logo ele, de quem esperava-se tanto mas também tão pouco. Logo ele, cuja obrigação esqueceu. Tão longe tão perto, assim iam a caminhar os dias da vida. Era assim que as coisas são, pensava ela a cada 5 minutos de um tempo.

Com seu jeito, às vezes largava as artes, algo que gostava tanto, para encará-lo nos olhos, o que o enfurecia. Na verdade, isso não passava apenas de um ser descobrindo que o outro também pode ser ele. O desafio, ah o desafio! "Mãe", perguntava ela, "cadê eu?" - tudo nessa linguagem que era só sua, mas que não fazia muito uso.

Perdera-se, em pedacinhos, no meio do caminho. Os pedaços, todos eles - ou a sua maioria - foram feitos, quebrados e espalhados por ele, a quem deveria respeito e amor, mas não cuidados - e, mesmo assim, resolvera pensar duas vezes! Restava a ela juntá-los. Restava a ela juntar-se. Ir pegando pedacinhos de si mesma ao longo do caminho, enquanto caminhava para longe, para muito longe. Ah, como desejava ir para longe, muito longe! E, enquanto isso, fazia dentro de si a tal revolução que era ela mesma, pois só assim poderia existir e falar "eu".

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