30 de out. de 2013

Disensibilizar

Para músicas, tampo meus ouvidos. Procuro abaixar as curtas cortinas de renda, que é para não ver la fora. Faz chuvas e ouço os passos sobre as folhas molhadas, caídas no chão. Deveria estar alegre, comemorando a estação que me consome o coração. Mas estou me disensibilizando.

Procuro não escrever mais. Só escrevo quando o corpo enche-se todo, ate transbordar. Quando não há mais jeito. Eu, que me fiz de escrita e vou-me escrevendo ao longo da vida, evito escrever. É que estou tentando me disensibilizar. 

Não notei e não notarei os barulhos ínfimos como os de sino, que é para me disensibilizar. Apenas irei ao supermercado para comprar o que me é obrigatório, sem me perder na leitura que faço dos rótulos, que é para me disensibilizar.

Não mais me aventurarei em padarias nos horários vagos, porque estou tentando me disensibilizar. Também não leio mais os journals das escritoras feministas que agora apenas enfeitam a estante do meu quarto. E até tentei mudar de lugar esta tal de estante mas acabei mantendo-a no mesmo lugar, que é para me disensibilizar. 

Não dou mais importância para os sonhos, pois são apenas coisas das nossas cabeças que Freud explicaria enquanto dormimos. E, aproveitando a ocasião, deixarei passar despercebido o péssimo inglês com sotaque alemão que Freud tinha - isto é o que Virginia Woolf nos disse - disse a nos, antes de nos disensibilizar.

Os quadros na parede; os quadros na parede ainda estão em cima da minha mesa de cabeça para baixo, porque estou procurando me disensibilizar. Também já não leio mais livros difíceis e nem me permito divagar comigo mesma sobre os pensamentos dos autores que nunca falaram. Isto tudo, para me disensibilizar.

Estou procurando me disensibilizar. Eu, que sou tão sensível. É que acredito que a sensibilidade é o tempero da vida e, uma vida como a minha, jamais poderá se apimentar sem me deixar destranquila. Estou procurando me disensibilizar. O que me permite criar palavras e expressões para esta minha língua materna portuguesa tao difícil, porque cansei de conjugar. É que estou procurando me disensibilizar.

Estou procurando me disensibilizar. Dar adeus aos meus braços e as roupas que um dia vestiram quem sou eu. Preciso mudar, preciso mudar-me, tenho que ir embora, devo seguir. E, acima de tudo, preciso me disensibilizar.

4 de out. de 2013

13 anos, drogada e prostituída

Era uma vez uma publicação de livro que aconteceu depois de muitas drogas, overdoses e recaída.

Mas o livro aconteceu, acima de tudo, depois de Sobrevivência.

Era uma vez uma história. Uma história que virou historia e por isto entrou para a história. Em nenhum momento usei estória porque basearam-se tudo em depoimentos. Os anos setenta. Os pastores protestantes. O lado oriental. Os prédios populares. Os experimentos. Os shows de David Bowie. A estação de metro. A dificuldade da vida. Os cachorros presos em aparamentos - cadê o muro de Berlim?

Nesta historia, muitas histórias se cruzaram, inclusive a nossa, muitos anos depois. E' verdade que sempre pensei neste pais como um pais escuro, úmido, frio, gelado e cheio de drogados. Menos você, um completo pateta. Oh, come on!

As drogas pesadas de ontem fizeram a história de hoje. Conta-me outra vez, porque irei ler o livro de uma só vez, como a menina que senta em sua cama e lê 500 paginas em um dia do livro emprestado que pegou da tia, quando esta era adolescente.

Conta-me outra vez. Narra a história de trás pra frente, traz do passado para o meu presente, deixa eu adivinhar o futuro, culpar o inocente pelo surto de entorpecentes e quebrar as regras.

Lança outra vez sua história. Com dedicatória, custa 79 Euros. Sem dedicatória, não tem preço. Se não ler, não foi alguém. Se leu, cresceu. Se viveu, beijou. Se beijou, morreu.

2 de out. de 2013

Ensina-me a viver

Ensina-me a viver.

Pegue-me pela mão.

Ajude-me a caminhar, ensinando-me os primeiros passos. Segure-me pelos lados.

Sou como criança chegado a vida. Não sei nada pois esqueci tudo o que um dia sabia de cor, apenas por ter vivido todos aqueles dias.

Ensina-me a viver e tira-me da contramão. Leve-me ao parque da vida onde verei arvores que simbolizam renascimento. Onde verei as folhas caindo e neste momento me lembrarei de que tudo, simplesmente tudo, pode ser esquecido.

Ensina-me a viver e feche os meus olhos para o que eu não preciso saber. Ensina-me a viver, abrindo-me os olhos para as coisas de cor azul, que me lembra a felicidade.

Ensina-me a viver e conta-me o mistério do por que ser tudo tao difícil nesta parte infeliz do mundo. Por que nascem uns tao ricos e outros tao pobres, e uns fazem guerras e matam os outros, e saem derrotados da guerra e tornam-se a nação mais rica do continente? Ensina-me a viver!

Ensina-me a viver, ou contando-me os porquês ou soprando ao meu ouvido, suavemente, a ideia de que eu preciso não perguntar. Mas eu nasci questionadora. Ensina-me a cobrir-me com um manto azul anil, como se la do céu eu viesse.

Ensina-me a viver, ajude-me a aprender, recorda-te de me lembrar de nunca esquecer.