Procuro não escrever mais. Só escrevo quando o corpo enche-se todo, ate transbordar. Quando não há mais jeito. Eu, que me fiz de escrita e vou-me escrevendo ao longo da vida, evito escrever. É que estou tentando me disensibilizar.
Não notei e não notarei os barulhos ínfimos como os de sino, que é para me disensibilizar. Apenas irei ao supermercado para comprar o que me é obrigatório, sem me perder na leitura que faço dos rótulos, que é para me disensibilizar.
Não mais me aventurarei em padarias nos horários vagos, porque estou tentando me disensibilizar. Também não leio mais os journals das escritoras feministas que agora apenas enfeitam a estante do meu quarto. E até tentei mudar de lugar esta tal de estante mas acabei mantendo-a no mesmo lugar, que é para me disensibilizar.
Não dou mais importância para os sonhos, pois são apenas coisas das nossas cabeças que Freud explicaria enquanto dormimos. E, aproveitando a ocasião, deixarei passar despercebido o péssimo inglês com sotaque alemão que Freud tinha - isto é o que Virginia Woolf nos disse - disse a nos, antes de nos disensibilizar.
Os quadros na parede; os quadros na parede ainda estão em cima da minha mesa de cabeça para baixo, porque estou procurando me disensibilizar. Também já não leio mais livros difíceis e nem me permito divagar comigo mesma sobre os pensamentos dos autores que nunca falaram. Isto tudo, para me disensibilizar.
Estou procurando me disensibilizar. Eu, que sou tão sensível. É que acredito que a sensibilidade é o tempero da vida e, uma vida como a minha, jamais poderá se apimentar sem me deixar destranquila. Estou procurando me disensibilizar. O que me permite criar palavras e expressões para esta minha língua materna portuguesa tao difícil, porque cansei de conjugar. É que estou procurando me disensibilizar.
Estou procurando me disensibilizar. Dar adeus aos meus braços e as roupas que um dia vestiram quem sou eu. Preciso mudar, preciso mudar-me, tenho que ir embora, devo seguir. E, acima de tudo, preciso me disensibilizar.